É início de tarde numa quinta-feira solarenga em setembro. Quando começamos a gravar a nossa conversa com Casper Clausen, vocalista dos Efterklang, uma enorme buzinadela toma conta do ambiente. Casper exclama “as pessoas e os seus carros…”. Começamos a falar de cidade e automóveis, com um músico que viveu em Lisboa entre 2016-2020 e que vê “nesta coisa dos carros” algo “ultraindividualista, pessoas que quererem ter o seu próprio espaço fora de casa, numa caixa de 2 por três metros”. Após esta frase, mais uns segundos de buzinadelas.
Rapidamente falamos urbanismo, sustentabilidade, futuro. A pandemia talvez tenha despertado estas preocupações na cabeça de muitos. Aconteceu isso com Casper, mas também aconteceu um efeito semelhante com a música que faz.
O dinamarquês era muito jovem quando fundou os Efterklang no final de 2000, com Mads Christian Brauer e Rasmus Stolberg, em Copenhaga. Surgiram numa vaga de música do norte da Europa que encontrava novos caminhos para o pós-rock. Da mesma forma que alcançaram atenção um pouco por todo continente, também se desassociaram de alguns desses rótulos. Em 2009 assinam pela 4AD e no ano seguinte editam o seu primeiro álbum com a editora, Magic Chairs. Seguiu-se Piramida em 2012 e, depois, um longo interregno até 2019 até Altid Sammen. Não estiveram parados entre 2012 e 2019 – tiveram muitos projetos paralelos e também trabalharam enquanto Efterklang –, mas a vida de banda em crescente ascensão e constante digressão teve consequências.
Altid Sammen foi um disco construído à distância entre os três músicos. Era todo cantado em dinamarquês e mostrava o trio com vontade de retomar a carreira onde a tinham deixado. Digressão montada por toda a Europa, planos para uma tour norte-americana e festivais de verão. A viagem pela Europa aconteceu quase por inteiro, o resto foi cancelado por causa da pandemia. A reunião na estrada reconectou os três música de uma forma diferente.
Regressam agora com um novo álbum, Windflowers, numa nova editora, City Slang. É um disco gravado durante e após o confinamento em 2020. O momento, como nos explicou Casper, permitiu que os músicos se encontrassem, estivessem mais tempo juntos e pensassem e gravassem mais como um grupo de jovens, como no início da sua carreira. Windflowers não é um reencontro com os Efterklang de Tripper (2004) ou Parades (2007), mas com uma banda que reaprendeu e recomeçou, que criou um disco com a inocência e a curiosidade de outros tempos.
[“Hold Me Close When You Can”:]
Estiveram muito tempo parados, sem lançar discos e sem tocar ao vivo. Editaram um álbum em 2019, planearam um digressão, com muitas datas em 2020, até que a pandemia aconteceu…
Na verdade tivemos muita sorte. Editámos o Altid Sammen em setembro de 2019, começámos a tocar em agosto e assim fomos até ao final do ano. Tínhamos uma digressão grande no início do ano, mas só tivemos duas datas canceladas, uma delas em Milão, quando eles fecharam. Foi uma digressão louca, andávamos a viajar pela Europa, a ouvir falar desta pandemia… no início não existia nada, depois foi crescendo. Em Paris algumas pessoas estavam distantes, por causa do vírus. Tudo se tornou muito surreal. Tivemos uma digressão cancelada nos Estados Unidos, os festivais de verão na Europa… mas tivemos sorte, ainda conseguimos tocar.
Terem estado de novo juntos, tocado ao vivo, antes do mundo todo fechar, ajudou-vos a criar uma nova dinâmica para o que viriam a gravar?
Eu e o Mads vivemos juntos em Berlim durante cinco anos, até 2016, quando me mudei para aqui e o Mads voltou para a Dinamarca. Toda a música de Efterklang começa connosco, uma combinação nossa. Esse foi o primeiro momento em que não vivíamos no mesmo sítio. Toda a música criada a partir dessa altura teve uma dinâmica diferente. Habituámo-nos a estar distantes, passar uma semana juntos de vez em quando, algo assim. O que foi diferente agora é que tudo abrandou. Ainda sentimos isso agora. Aconteceu… eu ir à Dinamarca, para estar com o Mads e o Rasmus, no estúdio. Com mais tempo, saíamos da cidade, íamos para o campo. Sentíamos que tínhamos mais tempo, não havia digressão…
Isto foi quando?
Desde junho de 2020. Assim que pude viajar, fui para a Dinamarca. Todas as coisas que tínhamos criado na primavera, e que passámos meses a catalogar, percorremos isso tudo juntos em duas semanas. Senti que estávamos a voltar ao início dos Efterklang, com amigos a criarem e a fazerem música juntos. Ao fim de vinte anos a fazer isto, de ser um trabalho, cada um de nós cresceu para sítios diferentes. Temos personalidades distintas, vivemos em cidades opostas, em culturas diferentes. Foi ótimo passarmos mais tempo juntos e isso aconteceu por causa da pandemia. Não precisávamos de correr. Podíamo-nos divertir a criar música, procurar o que realmente importa.
[“Dragonfly”:]
É um álbum mais calmo do que o anterior.
O anterior é mais acústico, mais dinamarquês. Era a primeira vez que estava a cantar em dinamarquês. Havia muitas regras, neste não, diverti-me mais a escrever música. Estávamos a compor sem pensar muito. Eu fazia algo em Lisboa, o Mads e o Rasmus ouviam e criávamos a partir daí. Esta forma de criar, lembra-me muito o início dos Efterklang, não é sobre conceptualizar música, mas criar, estar excitado com som, nova música, ouvir música e ouvir coisas que queríamos fazer. Estarmos juntos, no mesmo espaço físico, é muito importante para a criação dos Efterklang. Viajamos muito juntos, mas estar no mesmo sítio, a criar, é algo completamente diferente.
Quando somos novos, temos maior liberdade para fazermos o que queremos. Não se pensa em conceitos, porque se está limitado pelo tempo: há a emergência de criar, nem que seja para não perder a juventude. Sente agora que tem o melhor de dois mundos, que pode fazer o que quer, mas com tempo?
Temos muitas ideias, trabalhamos todos em imensas coisas diferentes. Trabalhamos num projeto com miúdos, em que enviamos música para professores, para os miúdos tocarem por cima da nossa música. Na última digressão que fizemos, em cada concerto havia um coro local em palco connosco. Estamos sempre à procura de novas ideias que nos entusiasmem. Acho que somos bons nisso, gostamos de uma coisa e vamos fazer.
Deve ser um luxo, ter a oportunidade para fazer essas coisas como um adolescente.
Seria incrível que pudéssemos fazer isso sempre. Mas envelhecemos, conceptualizamos mais, queremos parecer mais espertos, ou então mais cool. É com tudo, não é só com música. E para ser honesto, nunca funciona. Assim que começo a tocar, as ideias que tenho, viajam para outro lado. Trabalho, aliás, trabalhamos melhor quando tudo vem de divertimento e excitação, do que quando estamos limitados a um conceito. Este álbum é um testemunho disso.
[“Living Other Lives”:]
Vê este álbum como um novo começo?
Sim.
Mais do que o álbum anterior?
Sim, o álbum anterior é muito singular. Na Dinamarca tornou-nos numa banda mais estabelecida, porque era cantado em dinamarquês…
Lembro-me de na altura o entrevistar e dizer que cantar em dinamarquês ligava-o às coisas que lia na adolescência.
Sim, ligou-me a uma linguagem de um país em que não vivia há dez anos. Era uma linguagem alienígena, que conhecia muito bem. Mas neste álbum fazia mais sentido cantar em inglês. É um bom ponto de partida para onde quero ver os Efterklang daqui a uns anos. Ser mais sobre estarmos juntos, gravarmos mais juntos e termos menos gente envolvida no álbum. Por exemplo, este álbum é misturado pelo Mads, que misturou os primeiros discos. Com a pandemia, fazia sentido manter tudo mais perto. Mas fazer isso não acontece só por necessidade, é também por termos mais confiança em nós próprios, de não pensarmos que precisamos de trabalhar com este produtor, ou alguém que respeitamos misturar o álbum.
Porque é que mudaram de editora?
A 4AD estava a ir numa direção e nós noutra. E a City Slang apareceu e queria editar um álbum nosso. Depois de estarmos tanto tempo na 4AD, soube bem ter a atenção de uma editora que queria trabalhar connosco, é um tipo de amor diferente. Este é o nosso sexto álbum, fazia sentido mudar. A City Slang tem artistas de que gostamos, como o José González, Jessica Pratt, Caribou… aliás, reencontrámo-nos com Caribou, já fomos colegas de editora na Leaf. Mudar pareceu a coisa a certa a fazer. Sentimos que estavam apaixonados connosco. Em 2009, sentimos o mesmo com a 4AD, estávamos a tocar no South By Southwest e o A&R viu todos os nossos espectáculos, gostou mesmo de nós e quis assinar connosco. Voltar a ter esse entusiasmo, com a City Slang, é ótimo. Era o que precisávamos neste momento. Neste recomeço. Uma coisa nova.