A associação Plateia — Profissionais das Artes Cénicas considerou esta terça-feira que a verba proposta para despesa total do Ministério da Cultura, em 2022, é “manifestamente insuficiente” além de “não conter qualquer medida concreta” para recuperar o setor.
Para Amarílis Felizes, da direção da Plateia, os 390 milhões de euros de despesa total do Ministério da Cultura (MC), prevista para os organismos do setor, em 2022, que representam 0,25% da despesa total consolidada da Administração Central, são “manifestamente insuficientes” para um setor que se encontra “há anos em crise”, agravada no último ano e meio devido à pandemia de Covid-19.
A dirigente da Plateia reagia à agência Lusa à proposta de lei do Orçamento do Estado, entregue na segunda-feira à noite no Parlamento. De acordo com o quadro da despesa consolidada por programas orçamentais publicado com a proposta de lei, a despesa total prevista da Administração Central para o próximo ano ascende a 154,642 mil milhões de euros, o que situa o orçamento do Ministério da Cultura, para os cerca de 20 organismos tutelados, sem RTP, em 0,25% do valor global.
“É difícil acreditar num documento em que o próprio Governo fala da Cultura como um fator estratégico para o desenvolvimento do país e continua a alocar 0,25%” do total da despesa prevista da Administração Central para o Ministério da Cultura, frisou Amarílis Felizes, acrescentando “não ter ainda analisado a fundo” o documento entregue na segunda-feira no Parlamento.
Cultura terá mais 70,1 milhões em 2022 e começa a aplicar 243 milhões do PRR
Para a dirigente da Plateia, “é impossível” fazer “um salto qualitativo” na Cultura em Portugal face a uma proposta de lei que, “apesar de falar de recuperação do setor cultural, não tem qualquer medida concreta que a viabilize”. “Ora essa recuperação não vai acontecer por milagre”, sustentou.
Sobre o facto de a proposta de lei não atribuir qualquer verba específica em relação ao Estatuto dos Profissionais da Cultura, Amarílis Felizes afirmou “não estar surpreendida”.
“Já estávamos à espera que não houvesse, não porque achemos bem que tal aconteça, mas porque no modelo que nos foi apresentado pelo Governo este nunca mostrou abertura para que houvesse verbas públicas afetas à proteção social”, disse.
Um regime meramente contributivo que vai, seguramente, necessitar de verba “que não aparece inscrita” na proposta do OE para 2022, referiu.
Amarílis Felizes referiu ainda que, embora no relatório do OE para 2022 haja “uma menção importante em como a pandemia de Covid-19 afetou o setor da Cultura, que fala das medidas de emergência postas em prática nos últimos anos”, a proposta de OE para 2022 “parece ignorar a pandemia de Covid-19 e o quanto esta afetou o setor cultural”.
“Porque fala de uma estratégia, mas em momento algum dá medidas concretas”, frisou.
No que respeita ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a dirigente da Plateia considerou que o documento “fala sobretudo da recuperação de salas de espetáculo”.
“Parece que estamos a falar de uma política de betão que nunca teve impacto na democratização do acesso à cultura e portanto ela ser a única forma de relançar o tecido cultural não corresponde à expectativa de quem faz cultura nem de quem imagina uma política cultural sólida e que aposte no futuro”, disse.
“Além do mais, desde 2016 que temos vindo a reparar no aumento das despesas previstas para a cultura, mas tendo em conta o que tem sido o histórico da execução orçamental, vemos que esse orçamento não é executado, pelo que, na verdade, nem podemos acreditar que vá haver um aumento de verbas” para o setor, sustentou.
Amarílis Felizes atribuiu responsabilidade “não apenas a cativações de verbas”, mas “também à incapacidade de execução do Orçamento do Estado por parte do Ministério da Cultura e dos seus organismos”.
“Não basta proclamar que a cultura é um setor importante e estratégico e depois apresentar-se uma proposta de orçamento que fica muito aquém da recomendação da UNESCO de 1% para a Cultura, e que é também aquilo que gostávamos de ver concretizado”, acrescentou a dirigente da Plateia.
A proposta do Governo para o OE 2022 “parece ignorar que aconteceu uma pandemia, que afetou o setor cultural como muito poucos, em particular os trabalhadores que são, na grande maioria, precários, e que respeita a um tecido social que está cada vez mais debilitado”, disse.
“Não vemos um investimento real destinado a democratizar o acesso à cultura, a aumentar a participação cultural, a melhorar as qualificações do setor, num território com realidades sociais, populacionais e culturais muito diferenciadas, pelo que vamos continuar a ter uma política cultural feita de fogachos”, concluiu Amarílis Felizes.
O Governo entregou na segunda-feira à noite, na Assembleia da República, a proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE22), que prevê que a economia portuguesa cresça 4,8% em 2021 e 5,5% em 2022.
O primeiro processo de debate parlamentar do OE2022 decorre entre 22 e 27 de outubro, dia em que será feita a votação, na generalidade. A votação final global está agendada para 25 de novembro, na Assembleia da República, em Lisboa.
A audição da ministra da Cultura, Graça Fonseca, no âmbito do processo de aprovação do orçamento está agendada para o próximo dia 3 de novembro.