Num dia que será de negociações orçamentais tensas, António Costa decidiu começar com um prefácio muito público sobre a ronda negocial. À margem da sessão de homenagem a Aristides Sousa Mendes, no Panteão Nacional, o primeiro-ministro fez questão de responder longamente (cerca de 30 minutos) às questões dos jornalistas sobre o Orçamento do Estado, garantindo que negociará com “humildade” e abertura às exigências extra-orçamentais do partido para evitar “complicações” como as que Marcelo Rebelo de Sousa antecipou, quando colocou o cenário de eleições antecipadas em cima da mesa. Tudo sem, no entanto, esquecer um ponto crucial: a negociação estará sempre balizada pela política de “contas certas” e pela vontade de manter Portugal em alta nos mercados internacionais.

A primeira preocupação do primeiro-ministro passou por garantir que o Governo está de “consciência tranquila” com a proposta de Orçamento que entregou — não só porque responde às “prioridades” do país (apoiar o investimento e rendimento das famílias e reforçar serviços públicos, sempre com contas certas) mas também porque responde às prioridades da esquerda, com medidas como o aumento das pensões ou o desdobramento dos escalões do IRS.

Essa não é, no entanto, a interpretação que PCP e Bloco de Esquerda, que já ameaçaram chumbar o documento e que têm esta terça-feira reuniões marcadas com o primeiro-ministro, fazem. Daí que Costa admita que  o debate orçamental poderá ainda “permitir melhorar o Orçamento”. “Temos de ter a humildade de admitir que além do que fizemos é sempre possível fazer melhor e contamos com todos”. Essa “humildade” incluirá a “total disponibilidade” do PS para discutir “temas extra-orçamentais” — carreiras no SNS e leis laborais à cabeça — mas, até agora, a esquerda tem frisado que as medidas concretas que o PS prevê nessas áreas estão muito longe das exigências dos partidos.

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Para o primeiro-ministro, a única variável nova este ano será, aliás, o facto de os parceiros parlamentares terem decidido que “além da discussão estrita de matérias orçamentais” seria preciso “alargar a mesa negocial a outras temáticas” (na verdade, o Bloco de Esquerda já o tinha feito no ano passado, o que resultou na rutura com o PS). E numa tentativa de desdramatizar o clima de pré-crise política, Costa ensaiou o argumento de que esta é apenas uma das fases de negociação, garantindo que na seguinte — a da especialidade, que só acontecerá se o documento não for logo chumbado à partida — “muito terá de ser acertado”. 

Conclusão? Costa recusou dramatizar, para já, a discussão e repetiu variadas vezes que “confia na racionalidade nas pessoas” e em que “todos tendemos a fazer o que é razoável”. “E o que é razoável quando saímos de uma crise económica e temos oportunidade de dar boa execução a um volume histórico de fundos? Concentrarmo-nos no essencial. O que seria absolutamente irracional era depois de um drama vivido com a pandemia, criarmos agora um drama político”, resumiu. E, apesar do tom aparentemente doce dirigido aos parceiros, avisou: “Se cada um começa a traçar linhas vermelhas e a pôr condições e a fazer ultimatos, e fazemos os dois linhas vermelhas, temos cada vez menos espaço de manobra. É preciso fazer o que manda o bom senso, e neste caso o bom senso parece-me particularmente evidente”.

Se para Costa o “bom senso” passa por “procurar linhas verdes”, e não traçar “linhas vermelhas” (“como diz a canção de Jorge Palma, enquanto há caminho para andar, é preciso continuar”, disse, sorridente), o Governo tem, na verdade, uma linha vermelha: a credibilidade do país lá fora. Costa até pediu aos jornalistas, já quase 30 minutos de declarações volvidos, para “acrescentar mais uma coisa, desculpe lá”.

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E disparou o argumentário para Bruxelas ver: durante a pandemia, “nenhuma agência de rating piorou o rating de Portugal. Porquê? Porque os mercados, as agências internacionais, reconhecem a estabilidade do Estado português”. O aviso à esquerda não podia ficar mais evidente: “Vamos fazer uma trajetória para recuperar as contas certas. A suspensão das regras europeias não dura para sempre. É fundamental para não repetirmos a receita austeritária que houve na crise anterior”.

O alerta final foi apoiado nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, que na semana passada avisava: um cenário de chumbo do Orçamento irá resultar numa convocação de eleições antecipadas. Segundo disse Costa, a “consequência necessária” ditada por Marcelo até é a “solução mais radical”, mas é a que está em cima da mesa, posta por “quem de direito”. “Portanto o que temos todos de fazer é um esforço acrescido…. Para que se evite uma complicação dessas”.