O Governo acaba de aprovar em Conselho de Ministros o alargamento da compensação por despedimento de 12 para 24 dias por ano, mas apenas para os contratos a termo (certo e incerto), assim como a reposição dos valores de pagamento das horas extraordinárias em vigor até 2012, a partir da 120.ª hora anual. A informação foi revelada pela ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, após a reunião do Conselho de Ministros e representa cedências (ainda que parciais) à esquerda numa altura de difíceis negociações do Orçamento do Estado para 2022.

Assim, será alargada a “compensação para 24 dias por ano em cessação de contrato a termo ou termo incerto”. Quer isto dizer que os trabalhadores permanentes, ou seja, do quadro, não estão abrangidos. Ana Mendes Godinho diz que o objetivo é o “desincentivo ao trabalho não permanente injustificado”. Quanto à entrada em vigor, refere que “dependerá dos desenvolvimentos” no Parlamento (as propostas ainda têm de passar pelo crivo parlamentar).

A medida é uma cedência parcial à esquerda. Numa primeira fase, o Bloco de Esquerda exigia uma compensação de 20 dias por ano para todos os contratos, mas mais recentemente, aumentou a fasquia exigindo 30 dias por cada ano de antiguidade, o valor do pré-Troika. O Governo acabou por encontrar um meio-termo (reposição para dois dias por cada mês de contrato) e só para alguns contratos.

Além disso, outra medida cara à esquerda, agora aprovada, é a reposição dos valores de pagamento de horas extraordinárias em vigor até 2012. O Governo vai, porém, fazer uma reposição apenas parcial: é que só se aplica a partir das 120 horas anuais (1.ª hora em dias úteis: acréscimo de 50%; a partir da 2.ª hora: 75%; dias de descanso e feriados: 100%). Até 120 horas, mantém-se o regime atual, que implica um corte em metade face aos valores do pré-Troika. A ideia, segundo Ana Mendes Godinho, é incrementar a conciliação entre a vida familiar, profissional e familiar.

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As medidas fazem parte da chamada Agenda do Trabalho Digno, um pacote com propostas de alteração à lei laboral que inclui também, por exemplo, limitações ao “recurso abusivo” a contratos temporários, ou o combate ao falso trabalho independente ou ao trabalho não declarado. Por exemplo, o Governo quer “criminalizar o trabalho totalmente não declarado, com prisão até 3 anos ou multa até 360 dias“.

Além disso, como já tinha sido avançado pelo Governo, a suspensão dos prazos das convenções coletivas será prolongada por mais 12 meses, até 2024 (a esquerda queria mesmo o fim da caducidade), sendo ainda reforçada a chamada arbitragem necessária, “permitindo que qualquer das partes suspenda a caducidade das convenções, prevenindo vazios negociais”. Outras medidas aprovadas implicam a proibição do recurso a outsourcing durante 12 meses após despedimento coletivo ou por extinção dos postos de trabalho ou a obrigatoriedade de as empresas que detenham contratos o Estado de mais de 12 meses terem contratos de trabalho permanentes. Ao todo, há mais de 70 medidas no âmbito da Agenda.

Os partidos de esquerda pediam ainda a reposição do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, de forma a que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não pudessem implicar para o trabalhador um tratamento menos favorável do que o estipulado por lei. O Governo, também aqui, apenas cede parcialmente, prevendo o alargamento do princípio do tratamento mais favorável só às situações de teletrabalho e trabalho através de plataformas.

Ana Mendes Godinho espera o “maior consenso alargado possível” no Parlamento quanto à Agenda do Trabalho Digno, mas não arriscou nenhuma entrada em vigor.

Trabalhadores da cultura vão ter acesso a um subsídio de desemprego próprio

O Governo aprovou o estatuto do trabalhador da cultura, que inclui um regime especial de proteção social. Segundo Graça Fonseca, ministra da Cultura, este estatuto não é uma “mera revisão do regime dos contratos de trabalho dos profissionais do espetáculos aprovado em 2008”, mas é um novo enquadramento jurídico. Estão abrangidos “todos  profissionais das artes dos espetáculos, audiovisual, artes visuais, criação literária que exerçam uma atividade autoral artística, técnico artística ou de mediação cultural”.

Graça Fonseca explicou que este estatuto está dividido em três partes: o registo dos profissionais do setor da cultura, “porque só conhecendo com mais exatidão o setor podemos construir políticas públicas”; um regime contratual da prestação de trabalho; e um novo regime especial de proteção social “que até hoje nunca tinha sido criado”.

“A partir do momento em que é aprovado hoje em Conselho de Ministros, todos aqueles que não tinham proteção no desemprego passam agora a ter direito ao novo subsídio por suspensão da atividade cultural“, disse. Este subsídio abrange todos os profissionais da área da cultura e terá prazos de garantia (período de descontos necessário para aceder) “adequados à realidade do setor da cultura” (seis meses), permitindo que “todos continuem no sistema não cessando nunca a sua atividade”. Trata-se de uma espécie de subsídio de desemprego pago “quando o profissional estiver um mês sem atividade”, com um mínimo de 1 Indexante de Apoios Sociais — IAS (438, 81 euros) e um máximo de 2,5 IAS (1.097 euros).

Para ter acesso ao subsídio, o trabalhador tem que perfazer um prazo de garantia de 180 dias (seis meses) de prestação da atividade. “O prazo de garantia é contabilizado através da conversão do valor de recibo-fatura em dias de prestação de atividade, sendo que cada 30 dias correspondem a 2,5 IAS. Este mecanismo de conversão do valor-recibo em horas é uma das grandes inovações deste estatuto”, informou ainda a Graça Fonseca.

A ministra explica que, além do objetivo de maior proteção social, há um objetivo de combate à precariedade. Por isso, será reforçada a “presunção de contrato de trabalho no setor da cultura tendo sido criadas taxas contributivas diferentes para desincentivar a celebração de contratos mais precários“. Já quanto ao combate aos falsos recibos verdes, será criada uma “nova taxa contributiva a pagar pelas entidades que optem por celebrar contratos de prestação de serviços, sendo acompanhada de uma nova obrigação declarativa de fundamentação do porquê dessa opção”. Também foi estabelecido um “regime próprio de fiscalização e um regime agravado de contraordenações”.