Os cidadãos estão dispostos a alterar comportamentos para proteger o planeta, consideram algumas das principais organizações portuguesas ligadas ao ambiente, que lamentam não ver a mesma tendência nos governos.

A propósito da cimeira das Nações Unidas sobre o clima, que decorre em Glasgow, na Escócia, entre 31 de outubro e 12 de novembro, a Lusa questionou organizações ambientalistas sobre o papel dos cidadãos na luta e adaptação às alterações climáticas. A cimeira, a COP26 (Conferência das Partes, da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas), junta mais de uma centena de chefes de Estado e de governo e dela devem sair decisões sobre medidas de redução de emissões de gases com efeito de estufa e de mitigação dos impactos das alterações climáticas.

Catarina Grilo, diretora de conservação e políticas da Associação Natureza Portugal (ANP/WWF), que trabalha em associação com a internacional “World Wide Fund for Nature” (WWF), afirma que “principalmente as gerações mais jovens estão dispostas a agir agora e estão desgastadas com promessas dos governos“.

A responsável da ANP/WWF fala do surgimento de movimentos climáticos juvenis, fala de inquéritos que revelam esse empenho das populações e diz que o tempo de agir é hoje, “sem mais desculpas”.

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“Se os principais atores não compreenderem estes sinais e não forem ao encontro do que os cidadãos pretendem, poderemos assistir a curto prazo a alterações profundas nos nossos sistemas sociais”, porque os jovens estão cada vez mais empenhados, mas são também cada vez mais os “sinais de desilusão” com os políticos, diz Catarina Grilo, acrescentando que “é urgente que os políticos recuperem a confiança da sociedade como um todo e tomem decisões com base na natureza”.

Apontando também o dedo aos governos, o movimento ambientalista Climáximo lembra que são presas pessoas que se envolvem nas lutas pelo clima. Como aconteceu em maio, quando 26 jovens do movimento foram detidos num protesto contra a construção de um novo aeroporto na região de Lisboa.

“Como as lutas nas linhas de frente, as lutas contra privatizações nos sectores-chave e as mobilizações climáticas mostram, os cidadãos comuns estão muito mais dispostos a alterar o quotidiano do que os governos e as empresas”, assegura o movimento à Lusa, pela voz de Inês Teles, que lembra as centenas de pessoas que se juntaram recentemente em Lisboa para defender uma ciclovia e também uma quinzena de protesto com 500 detenções, nos Estados Unidos, contra novos projetos de gás natural e petróleo. Todos “cidadãos comuns“, que correm riscos.

Ana Marta Paz, dirigente da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), cita a jovem ativista sueca Greta Thunberg para dizer que o papel dos cidadãos é fundamental para exigir mudanças aos governos, para que haja uma ação real de combate às alterações climáticas.

“Não podemos perpetuar todo um sistema que promove padrões insustentáveis de produção e onde os cidadãos acabam por ter a sua capacidade de escolha muito limitada”, diz Ana Marta Paz à Lusa.

E da Zero, outra das organizações ambientalistas ouvida pela Lusa, vem uma resposta idêntica, de que os cidadãos, em particular os jovens, estão dispostos a alterar comportamentos, mas também a ideia de que essa alteração de comportamentos “não tem necessariamente de representar um sacrifício”.

“A chave está, pelo contrário, em tornar num ganho a mudança de hábito. Por exemplo, se os transportes públicos forem frequentes, cómodos e baratos, as pessoas só ganham se passarem a deixar o carro em casa, e aí a mudança acontecerá naturalmente“, diz Francisco Ferreira, presidente da Zero.

Essa mudança pode acontecer naturalmente naquilo que se come ou no uso de embalagens reutilizáveis, exemplifica ainda o responsável, acrescentando que “são precisas políticas públicas adequadas e criativas para transformar a transição energética num conjunto de vantagens para o cidadão”.

Francisco Ferreira diz que há ainda um “grande caminho a percorrer“, mas acredita que essa transição se pode fazer de “forma natural”.

É necessário mais investimento para reduzir emissões

Organizações ambientalistas portuguesas concordam com a importância da próxima cimeira da ONU sobre o clima, mas lembram que as emissões de gases com efeito de estufa continuam a aumentar e alertam que é preciso dinheiro para conseguir reduzi-las.

As quatro associações portuguesas de defesa do ambiente ouvidas pela Lusa salientam a importância de serem apoiados nessa luta os países mais pobres, que são os que menos contribuem para as emissões de gases, mas que são também os que mais sofrem com as alterações climáticas.

Francisco Ferreira, da Zero, considera que a COP26 será decisiva na questão do financiamento para pagar os esforços de mitigação de emissões e adaptação dos países às alterações climáticas, “pois os países com responsabilidades históricas nas emissões devem compensar os países mais afetados pelas alterações climáticas, normalmente países pobres“.

O dirigente da Zero lembra que o compromisso de mobilizar 100 mil milhões de euros por ano para apoiar os países menos desenvolvidos não foi cumprido e cita a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que estima que “os países desenvolvidos ainda estão 20% aquém de cumprir essa meta“.

“Nesta COP, deverá ainda encontrar-se uma forma de os países vulneráveis serem indemnizados pelos danos e perdas já sofridos nos seus territórios decorrentes de fenómenos extremos, os quais cada vez mais têm como causa o aquecimento global”, adiantou.

Ana Marta Paz, da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), lembra também que a COP26 deve aumentar o apoio financeiro aos países em desenvolvimento, e o coletivo ambientalista Climáximo espera que saia da reunião de Glasgow um plano de financiamento para mitigação nos países do hemisfério sul.

Afirmando que os custos da inação são muito mais elevados que os custos da ação, Catarina Grilo, da Associação Natureza Portugal (ANP/WWF), que trabalha em associação com a internacional “World Wide Fund for Nature”, espera que as promessas dos tais 100 mil milhões sejam cumpridas e que da COP26 saia um novo objetivo pós-2025 para o financiamento do combate às alterações climáticas.

A COP26, acentua a Zero, não visa obter um novo acordo internacional, já que esse foi alcançado na COP21 em 2015 em Paris. Em Glasgow os países vão prestar contas, estabelecer regras de avaliação e apresentar metas climáticas atualizadas e como as vão cumprir até 2030, para que a temperatura global não suba além dos 1,5 graus celsius (ºC) em relação aos valores médios da época pré-industrial.

“Este entendimento é fulcral, pois o mundo atualmente está completamente fora desse caminho. As emissões globais, de acordo com o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas), aumentarão 16% até 2030 (em relação a 2010) caso os governos não aumentem o seu nível de ambição, sendo que, para cumprir os 1,5ºC, é necessário um corte de 45% nas emissões até 2030”, explica Francisco Ferreira.

Nas declarações à Lusa também a LPN diz que os compromissos de redução de emissões apresentados há seis anos em Paris não são suficientes, e que espera “novos compromissos com ambição superior“.

E Ines Teles, do Climáximo, vai mais longe, afirmando que “apesar dos papéis assinados e declarações celebradas, as emissões continuam a aumentar. Isto acontece porque as próprias instituições políticas são desenhadas não para proteger as pessoas e o planeta, mas o lucro das empresas”.

E cita um relatório recente que mostra a influência na União Europeia de seis companhias petrolíferas para dizer que da COP26 se espera, como de outras COP anteriores, “muitas declarações de vitória por parte dos governos, muito greenwashing e muitas palavras vazias não-vinculativas“.

A ANP/WWF apresentou um manifesto para a COP26 no qual estabelece cinco grandes prioridades, afirmando que este já não é o momento nem de desculpas nem de processos de intenções, é o momento de acelerar a descarbonização o mais rapidamente possível.

É o momento, diz a associação, de transformar a economia e afastar os combustíveis fósseis, de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, de travar a perda da natureza, restaurando os ecossistemas terrestres e marinhos, de apoiar os mais vulneráveis (pessoas ou ecossistemas), e de apresentar objetivos mais ambiciosos de cortes de emissões de gases com efeito de estufa.

São esses os objetivos que têm de ser cumpridos em Glasgow, considera a ANP/WWF, que defende que os fluxos financeiros do setor privado devem ser alinhados com os objetivos climáticos internacionais, e que sejam eliminados gradualmente os subsídios prejudiciais.

Ana Marta Paz, da LPN, acrescenta como outro objetivo a elaboração de uma resolução sobre o restauro de áreas naturais. “É fundamental, a par da eliminação do uso de combustíveis fósseis, reconhecer o restauro dos ecossistemas e as soluções baseadas na natureza como medidas altamente eficientes para a mitigação das alterações climáticas, e que trazem ainda outros múltiplos benefícios“, disse à Lusa.

Além das propostas para limitar o aquecimento global diz o grupo Climáximo que seria um bom resultado saído de Glasgow a eliminação em todos os espaços de negociações dos ‘lobbies’ das empresas de combustíveis fósseis, e uma moratória global em todos os novos projetos de combustíveis fósseis.

Mas Inês Teles acrescenta que “existe 0% de probabilidade de algum destes resultados serem realizados“.

Francisco Ferreira, pela Zero, não é tão pessimista, mas é cauteloso, afirmando que “um bom resultado na COP26 dependerá da capacidade de os países alcançarem um acordo que garanta resultados em três eixos: maior ambição, mais financiamento climático, mais justiça”.

Com as metas de redução de gases com efeito de estufa definidas pelos países até ao momento haverá um aumento das emissões até 2030 em 16% e haverá um aquecimento global de mais 2,4ºC até ao final do século. Por isso, diz a Zero, é fundamental aumentar a ambição.

Na área da cooperação e financiamento, defende a Zero, é preciso assumir na COP26 novos compromissos para aumentar os níveis de financiamento, garantindo um montante global coletivo de pelo menos 600 mil milhões de dólares para o período 2020-2025. Para adaptação e para mitigação.

E também criar compensações pelas perdas e danos. Francisco Ferreira explica porquê: Os impactos das alterações climáticas são já uma realidade e são os países e populações mais pobres e vulneráveis que mais sofrem as suas consequências, nomeadamente furacões, inundações, fogos, secas ou mesmo a elevação do nível médio do mar e consequente erosão da linha costeira.

Estima-se, diz, que as perdas e danos causados pelas alterações climáticas até 2030 tenham um custo económico entre 290 e 580 mil milhões de dólares, só nos países em desenvolvimento. A COP26 tem o desafio de estabelecer um mecanismo para compensar esses prejuízos.

Mudar hábitos para combater alterações climáticas é viável

O combate e adaptação às alterações climáticas exige um esforço mundial e transformações profundas nas sociedades, mas as organizações ambientalistas ouvidas pela Lusa dizem ser possível e sem sacrifícios, e apontam caminhos, considerando que a adaptação a um planeta em mudança a longo prazo exige uma transformação que não será difícil e terá até muitos benefícios.

O grupo ambientalista Climáximo, composto por jovens que têm protagonizado protestos mediáticos a favor de medidas de descarbonização, responde à questão remetendo para a campanha “Empregos pelo Clima”, um relatório de sua responsabilidade que preconiza a criação de 200 mil novos postos de trabalho que podem cortar as emissões de gases com efeito de estufa em entre 70% e 80% em 10 anos.

O documento propõe medidas/empregos na área das energias renováveis, nos transportes públicos (construir e reabilitar a ferrovia por exemplo), na requalificação de edifícios, na indústria (fabricar máquinas elétricas), na agricultura, na economia circular ou na floresta.

Mas para já, diz Inês Teles, representante do coletivo, citando um relatório recente de uma organização não-governamental, o que está a acontecer a nível global não é uma transição energética mas uma expansão energética.

Francisco Ferreira, presidente da organização ambientalista Zero, diz que “se é verdade que há custos envolvidos em termos de trabalhadores, também existem muitas oportunidades novas, e todos os estudos demonstram que, no geral, a transição verde gera emprego líquido”. É certo, acrescenta, que terá de haver políticas públicas apropriadas para o setor.

E na mesma linha Jorge Palmeirim, presidente da direção nacional da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), é também otimista e disse à Lusa que a “visão catastrofista” que alguns propagam de que a resposta à crise climática implica o colapso da economia “é falsa”.

“A resposta tem de ser rápida e em grande escala, mas será sempre progressiva, dando às empresas tempo para se adaptarem, tirando partido das inúmeras oportunidades geradas pelo crescimento verde”, afirma.

No transporte, exemplifica, muitos meios serão substituídos por outros com menor pegada ambiental, que já existem, e as empresas estarão envolvidas nesta transição, que também garante a continuidade do emprego.

Jorge Palmeirim conclui que “na verdade, as soluções tecnológicas necessárias já existem, e o que verdadeiramente tem faltado é vontade política para as implementar, contrariando fortes interesses instalados, à escala necessária para resolver a crise climática”.

Catarina Grilo, diretora de conservação e políticas da Associação Natureza Portugal (ANP/WWF), que trabalha com a internacional World Wide Fund for Nature (WWF), diz que o futuro passa por apostar em soluções baseadas na natureza.

Só trabalhando com a natureza, e não contra ela, podemos ter uma transição justa em que são criados mais empregos verdes do que os ‘cinzentos’ que se perdem, ou seja empregos que sejam ambientalmente sustentáveis, socialmente úteis, e economicamente viáveis”, afirma.

E nas estratégias de longo prazo tem de estar também, acrescenta, a adaptação às alterações climáticas, pelo que a ANP/WWF apoia a implementação dos Planos Nacionais de Adaptação (PNA), especialmente dos países mais pobres, o mais tardar até 2022. Só que até julho deste ano, lamenta, apenas 24 países em desenvolvimento submeteram os seus PNA à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla original).

E em Portugal que medidas de adaptação? Começar, diz Catarina Grilo, por remover açudes e barragens obsoletas. Depois transformar o sistema energético, reduzir o transporte individual, tornar os edifícios mais eficientes, não licenciar junto à linha de costa e em leito de cheia, repensar o uso da água, reorganizar a paisagem,

“Mas acima de tudo temos de consciencializar os nossos cidadãos e os nossos decisores de que já sentimos na pele as alterações climáticas, e que todos temos um papel a desempenhar na mitigação e adaptação”, disse.

Francisco Ferreira, presidente da Zero, parece continuar o raciocínio de Catarina Grilo, defendendo que a transformação da sociedade tem de começar pela mudança de paradigma de consumo e desperdício, acompanhada de políticas baseadas na ciência, na investigação e inovação.

E diz também que é fundamental o recurso a soluções tecnológicas ambientalmente mais benéficas, “que têm tendência a ser simultaneamente as mais baratas a prazo”. Os automóveis elétricos estarão, em preço, a par dos convencionais dentro de poucos anos, assegura Francisco Ferreira.

E diz ainda que é “crucial” antecipar a retirada dos combustíveis fósseis, porque muitos dos equipamentos têm um longo tempo de vida e é preciso intervir proibindo nomeadamente a venda de caldeiras a gás, eventualmente já em 2025.

Mas quando fala de adaptação Francisco Ferreira é taxativo, considerando que é sobretudo crítica nos países mais pobres, mais expostos, mais vulneráveis, e sem responsabilidade histórica pelas emissões de gases com efeito de estufa.

É por isso que na COP26 um “ponto absolutamente chave” é o do financiamento por parte dos países ricos destinado a cobrir os esforços de adaptação dos países pobres e vulneráveis às alterações climáticas, insiste o responsável.

Trata-se, garante, “de uma questão de justiça climática e de solidariedade entre povos, vitais para o sucesso (da cimeira climática) de Glasgow”.