A gota de água foi quando George Zimmerman, um segurança de 28 anos e de ascendência hispânica, foi absolvido da morte de Trayvon Martin, um afro-americano de 17 anos baleado no condomínio onde estava temporariamente a viver, no estado norte-americano de Flórida. Sentada à frente da televisão do outro lado do país, esmagada pela decisão do tribunal, uma mulher negra, Alicia Garza, acorreu às redes sociais e resumiu a revolta numa única publicação: #BlackLivesMatter.

Oito anos depois, a hashtag tornou-se no maior movimento na história dos Estados Unidos — um país que já foi palco de muitas lutas por justiça racional, incluindo o Black Power nos anos 70 ou o movimento feminista anti-racismo dos anos 80. E já serviu de palco para outras lutas sociais, incluindo as recentes contestações em torno da morte de George Floyd nas mãos de um polícia nos Estados Unidos.

Uma das pessoas que se uniu a Alicia Garza para catapultar a mensagem das redes sociais para a vida real, e dos Estados Unidos para todo o mundo, foi Opal Tometi, ativista de ascendência nigeriana, criada em Phoenix (Arizona), que esteve na abertura da Web Summit para explicar a filosofia por trás do movimento Black Lives Matter.

A resposta, resume, está nos próprios pais. Desde criança que absorveu o preconceito de que deveria tornar-se engenheira ou médica para justificar o esforço de emigração dos pais para outro continente. Concretizar o sonho americano. Mas parte do motivo por que nunca cedeu aos estereótipos foi precisamente a educação que os pais lhe deram, ainda que inadvertidamente: “Transmitiram-me o valor de uma comunidade muito unida que olha por si mesma. Vi os meus pais mudarem-se, com tanta clareza sobre quem são, com tanta dignidade e orgulho, que isso se tornou uma parte importante de quem sou enquanto mulher negra”, recordou. E lembrou também como a família sempre lhe assegurou que “a nossa pele é uma coisa bela, a textura do nosso cabelo é perfeito”.

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Web Summit: Primeiro dia da Web Summit, no MEO Arena, em Lisboa. Intervenção de Ayọ (fka Opal) Tometi, Co-founder do movimento Black Lives Matter, no Center Stage. Lisboa, 1 de novembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A questão da identidade foi precisamente o mote para a abertura da intervenção de Opal Tometi: “Quem sou eu?”, interrogou a ativista, assegurando que não sofria de síndrome do Impostor. “Eu sei quem sou, sei o que faço e estou orgulhosa do trabalho que já fiz. Mas já me questionei sobre isto porque sou um daqueles casos em que, por causa de todos aqueles preconceitos, não devia ser quem sou”, admitiu. E concretizou: “Eu e as minhas irmãs nunca pensámos estar a falar sobre isto em frente a um público tão grande”.

Agora que protagoniza uma das palestras mais aguardadas da Web Summit, Opal Tometi explicou que o movimento Black Lives Matter é uma “infraestrutura para garantir que as vidas dos negros importam, sempre importaram” e que pode contribuir para “um mundo onde todos beneficiam, onde todas as pessoas, e outros movimentos sociais, ganham força”.

“Eu quero construir uma plataforma em que podemos estar ligados”, resumiu a ativista norte-americana: “É uma honra e dever assegurar uma missão destas. A nossa comunidade merece um mundo melhor, um que não dependa da cor da nossa pele, um em que não sejamos baleados por não conseguirmos pagar uma conta, um em que não sejamos mortos à frente de câmaras”.

No término na sua intervenção, Opal Tometi deixou uma questão à plateia: “Porque é que estão aqui? Porquê vocês? Porque estão nesta conferência agora, no meio de uma pandemia? De que lado da História estão?”. E deixou também uma resposta: “Nós somos as pessoas por quem vocês esperavam. Somos nós, sempre fomos nós. O tempo de agir é agora”.

Web Summit: Primeiro dia da Web Summit, no MEO Arena, em Lisboa. Intervenção de Ayọ (fka Opal) Tometi, Co-founder do movimento Black Lives Matter, no Center Stage. Lisboa, 1 de novembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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