Aos 64 anos, Jorge Viegas é o primeiro português à frente da Federação Internacional de Motociclismo (FIM). No terceiro do quarto ano de mandato, e à margem do Grande Prémio do Algarve, em Portimão, falou ao Observador sobre Miguel Oliveira, a “impressionante” popularidade de Rossi e o que tem feito (e gostava de fazer) na liderança da FIM, uma das maiores organizações internacionais desportivas, que no último ano e meio enfrentou um novo desafio: organizar campeonatos mundiais em plena pandemia.

Assunto incontornável ao falar-se, em Portugal, com o responsável máximo do motociclismo, também ele português, Miguel Oliveira foi de imediato tema de conversa. Sobre o jovem de 26 anos de Almada, Jorge Viegas começou por destacar o facto de o Falcão já ter sido “eleito atleta do ano pela Confederação do Desporto de Portugal” várias vezes, “em comparação com craques do futebol, ciclismo, atletismo, etc.”. Jorge compara Miguel Oliveira em Portugal com “Rossi a nível mundial, embora o Rossi tenha ganho nove títulos”. “Há pilotos que têm um carisma que provoca no público uma aproximação e familiaridade que outros não têm. E não é por não se esforçarem, às vezes, mas não têm. O Miguel em Portugal é um fenómeno de popularidade, porque é simpático, inteligente e porque é bom piloto, claro. Mas estas coisas não se explicam muito”, começou por afirmar sobre o piloto que este sábado não foi além do 17.º lugar na qualificação para a corrida de domingo.

Com Valentino Rossi a fazer no Algarve a penúltima corrida da sua carreira, visto ir retirar-se no final da época aos 42 anos, o presidente da FIM diz que o que se passa em torno do italiano “é absolutamente incrível”. Contou ainda que na Gala dos Campeões, a 4 de dezembro, a federação vai homenagear Il Dottore, bem como Antonio Cairoli, piloto de motocross, que também tem nove títulos na sua categoria. “São dois ídolos, duas lendas do motociclismo que se despedem este ano, ambos no próximo domingo [14 de novembro]”, acrescentou.

“Mas lá fora é uma loucura. Em Misano, no último Grande Prémio e na despedida dele, estava tudo vestido de amarelo. E aconteceu tudo depois de o Quartararo ser campeão do mundo e do Marc Márquez ter ganho a corrida. As pessoas só queriam ver o Rossi. É absolutamente impressionante, ficaram todos nas bancadas ele depois veio agradecer”, relembrou, dando a ressalva de que o referido circuito italiano “é o circuito do Rossi, porque ele mora ali a 10 quilómetros”. E continuou ainda sobre o piloto transalpino: “Então na Ásia é uma loucura. Desde há dois anos que ele já não anda nos lugares da frente, mas as pessoas não querem saber. É um fenómeno, não há mais ninguém com este carisma, neste momento, não temos. O Márquez também foi campeão do mundo muitas vezes, mas nunca teve esta popularidade, embora também haja a bancada do Márquez, e agora o Quartararo é capaz de sair um bocadinho da ‘casca’. Só há um piloto que comparo ao Rossi que era Barry Sheene, inglês que foi campeão do mundo com a Suzuki [1976 e 1977] e que tinha este tipo de popularidade. Mas foi o último”.

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Ele, sempre ele, ainda que se vá reformar. Valentino Rossi tem a tenda mais concorrida e a cor mais vistosa em Portimão

Mostrando uma fotografia tirada com Valentino Rossi na passada sexta-feira, Jorge Viegas conta (e contou ao italiano) que “a primeira vez” que o viu foi “em Braga, no Campeonato da Europa de 125cc”. “Foi a primeira vez que ele competiu fora de Itália e essa prova passou por Braga. Ele era um ‘miudinho’, isto foi nos anos 90”, frisou, dizendo ainda que acredita que “Rossi vai sair mas vai ter uma equipa dele [já na próxima época], vai estar presente e vai continuar o fenómeno. E ainda vai continuar alguns anos, com pessoas vestidas de amarelo e ele depois aparece e dizer adeus”. “Isto não passa assim”, disse com um sorriso, ao referir ainda que “no corredor dos camiões, no paddock, onde está o camião do Rossi, as pessoas estão lá a ver se ele aparece, se o veem ou se ele dá um autógrafo e nos outros pilotos não”.

Sobre a modalidade e o MotoGP, confirma que “tem tido mais adeptos em Portugal”. “As coisas crescem se se conseguir ter uma base de recrutamento mais alargada, ou havendo um ídolo ou um herói, que foi o que aconteceu finalmente em Portugal. Um exemplo a seguir. E isso fez com que muitos miúdos e miúdas tivessem aderido a esta modalidade”, disse, puxando novamente o tema Miguel Oliveira e explicando que mesmo não acontecendo como em Espanha, onde “há várias modalidades de iniciação e, por exemplo, se nas provas de seleção for para escolher 30, aparecem 600”. Em Portugal as coisas não sucedem nesta ordem de grandeza, mas Jorge Viegas diz que há “muitos miúdos e miúdas” a aderir à modalidade e às competições para os mais novos, “o que é uma boa maneira de aprenderem, começarem e irem progredindo”.

A entrevista virou então para os anos que o português leva à frente da FIM que, garante, mudou “completamente” ao tornar a federação “mais próxima dos pilotos, dos promotores, das equipas e das pessoas em geral”.

“A FIM era uma coisa que as pessoas não sabiam muito bem o que era, não divulgava o que se passava e era muito fechada. Eu tornei-a completamente aberta e transparente, quer internamente, quer externamente, e essa foi a grande alteração. Hoje vive-se um ambiente muito salutar lá dentro, tenho aqui em Portugal vários funcionários e noutros países também, porque todos os fins de semana temos uma média de cinco ou seis Grandes Prémios”, explicou.

O “Falcão” de Almada começou bem a qualificação, mas os adversários foram melhores. Miguel Oliveira arranca do 17.º lugar em Portimão

Afirmou ainda orgulhosamente que o “motociclismo é dos desportos mais ecléticos porque tem várias disciplinas”. Frisou então que não só existem as provas mais conhecidas do público, como MotoGP (Moto3, Moto2, etc…), que entram na categoria “que em Portugal se chama velocidade”, como existem ainda diversas classes dentro de categorias como o enduro, o motocross, o supercross, o trial indoor e outdoor e até o speedway, que Jorge Viegas fez questão de explicar o que é, visto não existirem em Portugal.

“São as corridas em pistas ovais em que eles vão sempre a derrapar. É um mundo incrível em determinados países, sobretudo na Polónia, onde é mais popular que o futebol. É um fenómeno impressionante ir ao estádio de Varsóvia, com 55 mil pessoas a verem um Grande Prémio de Speedway. É inesquecível. Depois ainda há o Ice Speedway, feito no gelo, que são os russos que ganham sempre e é outra coisa absolutamente incrível”, enumerou. Mas há mais: “os rális, o mais conhecido é o Dakar, e uma das vitórias do meu mandato é que em 2022, finalmente, o Dakar vai fazer parte do nosso campeonato do mundo, porque não fazia”.

Ainda sobre o seu mandato, referiu que ficou marcado, sem muita surpresa, pela pandemia, mas também pela questão das alterações climáticas. Sobre o primeiro ponto, disse que “com a ajuda de absolutamente todos foi possível ter os campeonatos do mundo à mesma”. “Estamos aqui em Portimão numa bolha sanitária – mesmo as pessoas vacinadas têm de fazer teste -, e conseguimos criar um protocolo que nos dá alguma segurança. E, de facto, não tivemos quase casos de pessoas infetadas. Aconteceu uma ou outra vez, claro, mas foi muito reduzido. Até porque todas as pessoas que estão aqui [staff e pilotos] foram vacinadas no início do ano no Qatar”, explicou.

Acerca das alterações climáticas e do ambiente, disse que “pouca gente sabe” que as provas têm sempre delegados do ambiente, até porque a FIM “não pode estar, nem é alheia” ao que se passa e está a “estudar a transição energética deste tipo de competição”. “Não é para amanhã, mas está a ser estudado e estamos a ver qual a melhor maneira. Já temos uma classe de motas elétricas… e estamos a apostar muito nos eco-fuels, nas gasolinas com poucas emissões ou sem emissões, mas está tudo em estudo. Neste momento não há uma solução pré-definida”, frisou, finalizando o resumo deste tempo com um “têm sido anos gratificantes”.

“A FIM reconquistou uma posição e é respeitada. Estou muito perto de praticamente todos os pilotos, o que era uma coisa que não acontecia com os meus antecessores. Não gosto muito de falar neles, mas eram muito diferentes de mim, na maneira de estar, não saíam, não falavam e isso não é o meu feitio. Gosto de conhecer as pessoas e falar com toda a gente. Estou muito satisfeito até agora, todos os dias surgem problemas, desde as sanções à Rússia quando tivemos lá provas do campeonato do mundo com as restrições que a Agência Mundial Antidopagem (WADA) nos impôs, até ao caso de doping do Ianonne“, atirou, referindo-se ao caso de Andrea Ianonne, piloto italiano que em 2020 foi suspenso por uso de substância proibidas, apesar de ainda hoje em dia se afirmar inocente e que comeu carne contaminada. Ainda sobre o doping, que Jorge Viegas disse “não ser um problema para a FIM, que nem teve casos em 2021”, o presidente da organização máxima do motociclismo explicou que está em cima da mesa um pedido conjunto com a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) para que junto da WADA seja conseguido um “código específico” para estas modalidades, até porque as substâncias em causa “não adulteram o resultado desportivo e não têm efeito num piloto de motas ou automóveis”.

Com a sede da FIM em Mies, na Suíça, Jorge Viegas conta ainda ter um “projeto que gostava muito de concretizar, até porque a FIM vai fazer 120 anos”: um museu da mota desportiva. Há já conversas com o governo do cantão de Vaud, para que aconteça um protocolo. “Era algo que gostava de deixar e há imensas coleções de motas de competição cujos donos não sabem o que fazer àquilo. É preciso espaço e é preciso saber mantê-las”, referiu.

Para finalizar, destacou que o “equilíbrio que se vê nesta competição [MotoGP] é incrível, com são corridas interessantíssimas de que toda a gente gosta e que são muito equilibradas”. “Ainda por cima tem um português lá no meio deles. O nosso melhor cartão de visita é o MotoGP. É o melhor produto que temos e que tem mais de 600 milhões de espectadores. Nos últimos anos tem crescido imenso”, rematou.