A proposta de lei aprovada em Conselho de Ministros que prevê a extensão para 2022 das contribuições extraordinárias sobre a banca e a energia, bem como a manutenção do adicional ao imposto único de circulação (IUC) cobrado sobre os carros a gasóleo, foi aprovada na generalidade.
Votaram a favor o PS, acompanhado do Bloco de Esquerda, PCP, PAN e Verdes, uma reedição da geringonça original que era suficiente para fazer passar a medida do Governo. Mas a maioria parlamentar até foi reforçada com a abstenção do PSD. Isto apesar das fortes críticas dirigidas pelo deputado Duarte Pacheco durante a fase de discussão à preocupação do Executivo em salvaguardar apenas a segurança jurídica de medidas do lado da cobrança. CDS e Iniciativa Liberal votaram contra.
Durante a fase de debate a chamada geringonça foi muito invocada sobretudo pelos deputados à direita para expor a capacidade do PS e dos partidos à esquerda se entenderem quando está em causa a cobrança de impostos.
O deputado da Iniciativa Liberal foi o primeiro a anunciar que ia votar contra. Cotrim de Figueiredo comparou esta proposta de lei à “torre dos finados da geringonça” que se desentendeu sobre o Orçamento, mas que se volta a “entender quando se trata de criar e cobrar impostos excecionais (…)É o único ponto em que conseguem estar de acordo”.
Nelson Silva do PAN defendeu as contribuições descritas como solidárias sobre setores económicos em nome da “justiça fiscal”, lembrando que no caso do adicional cobrado à banca que a receita contribui para a sustentabilidade da Segurança Social. Mas condicionou o voto favorável à abertura do Governo para alterações no desenho da contribuição cobrada aos fornecedores de dispositivos médicos que do seu ponto de vista penaliza a inovação.
Duarte Alves também manifestou o voto favorável dos comunistas, deixando contudo a nota de que as contribuições sobre setores como a energia e a banca não chegam para acabar com a grande injustiça fiscal entre pequenos e grandes contribuintes, lamentando que continue a existir uma política fiscal “forte com os fracos e fraca com os fortes”. Também a deputada Mariana Mortágua sublinhou que o Bloco não se opõe a estas contribuições que considerou já estarem consolidadas no sistema fiscal e que têm um destino associado e permitem uma maior justiça fiscal. “Não são cheques em branco”.
Os argumentos à esquerda a favor das contribuições sobre as empresas não faltaram. Já o adicional ao IUC cobrado a proprietários de carros a gasóleo (a maioria dos carros em Portugal) que o Governo fez questão de introduzir na mesma proposta, ficou de fora das intervenções. Esta é a medida que irá atingir um maior número de contribuintes ainda que com impacto reduzido na receita do Estado.
Mas se era seguro que a geringonça estava reunida pontualmente para fazer passar para 2022 as contribuições sobre empresas e bancos que cairiam com o chumbo da proposta de Orçamento do Estado, a grande incógnita desta votação era a posição do PSD. Duarte Pacheco começou por dar força à tese da geringonça à esquerda contra a direita, criticando a pressa e a preocupação do Governo em querer afastar dúvidas jurídicas que colocassem em causa a cobrança de impostos, mas sem ter a mesma preocupação em salvaguardar medidas que podiam beneficiar os contribuintes — como o não aumento das custas processuais, exemplificou. “Prova que há dois pesos e duas medidas. O que for para arrecadar vamos fazer já”.
Contribuições extraordinárias. A culpa é de quem as criou ou as esticou no tempo?
O deputado social democrata atacou ainda o prolongamento ad eternum de contribuições que foram criadas como extraordinárias e pontuais, bem como a multiplicação de adicionais sobre essas contribuições, tal como acontece com o adicional que foi introduzido em 2020 na contribuição da banca para financiar o fundo da Segurança Social.
Um comentário que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não deixou passar em branco. António Mendonça Mendes respondeu que foi um Governo do PSD/CDS que criou muitas destas contribuições (a da energia e da indústria farmacêutica) e até citou o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, quando esteve justificou no Parlamento a criação do adicional ao IUC (imposto único de circulação) para penalizar carros a gasóleo, uma indireta também ao CDS à qual pertencia este membro do Governo de Passos Coelho. A contribuição original, a da banca, foi criada em 2010 por José Sócrates e todos os governos a mantiveram até porque é a fonte de receita do Fundo de Resolução e das medidas aplicadas a bancos em dificuldades.
Se o PSD acabou por abster-se, o seu antigo colega de coligação o CDS votou contra. Cecília Meireles também invocou a geringonça que reapareceu porque estava em causa um acordo sobre receitas e não despesas. “Para cobrar conseguimos entendermo-nos. Para gastar logo se vê”. A deputada criticou o que classificou de “cheque em branco”, lembrando que um Orçamento tem receitas, mas também despesas. E também questionou que a mesma prioridade não fosse dada pelo Governo em relação a medidas para viabilizar a execução do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) num contexto sem Orçamento aprovado. “É um cheque em branco e cheque em branco não podemos passar”.
Os socialistas e o Governo contrariam esta interpretação, assinalando que a receita destas contribuições — quase 400 milhões de euros — é importante para assegurar a sustentabilidade de setores tão importantes para os portugueses como a Segurança Social (adicional da contribuição da banca), os preços da eletricidade (contribuição sobre o setor energético) e o Serviço Nacional de Saúde.