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"How To With John Wilson". Deixem-no à solta em Nova Iorque com uma câmara e ele ensina-vos (quase) tudo sobre a vida

Este artigo tem mais de 2 anos

Chegou a segunda temporada da série mais surpreendente do últimos ano e meio. "How To With John Wilson" é documentário com humor e auto-ficção. Falámos com o autor.

John Wilson filma as ruas e os habitantes da cidade na sua vida banal, depois monta tudo de acordo com a narrativa que procura dar-nos, acompanhando com a própria narração
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John Wilson filma as ruas e os habitantes da cidade na sua vida banal, depois monta tudo de acordo com a narrativa que procura dar-nos, acompanhando com a própria narração

John Wilson filma as ruas e os habitantes da cidade na sua vida banal, depois monta tudo de acordo com a narrativa que procura dar-nos, acompanhando com a própria narração

É comum, sobretudo no final de cada ano, falar nas “melhores coisas” em jeito de lista. Das melhores séries, dos melhores filmes, dos melhores livros, da melhor música, do melhor doce da casa. Noutros tempos até havia material para se falar dos melhores concertos. Mas por vezes, podemos falar dos “melhore” sem essa fronteira temporal, sem ter que fazer um balanço. “How To With John Wilson” motiva esse tipo de elogio entre o exagerado e o realista. Fica aqui o manifesto: é o programa de televisão mais importante a surgir desde o início da pandemia. E a segunda temporada estreia este sábado, dia 27 de novembro, na HBO Portugal.

Agora que que esclarecemos esta parte, viajemos no tempo. Outubro de 2020: discretamente, um programa aparece na grelha da HBO sem que se fale muito do acontecimento, nem aqui, nem no chamado “lá fora”. Com o tempo, conforme algumas pessoas o iam descobrindo e escrevendo sobre a série, ganhou estatuto de produção de culto. Não é um programa de nicho, mas teve de começar como tal. A segunda temporada que agora se estreia segue a fórmula da primeira. As ansiedades que vivemos no último ano e meio talvez possam ser atenuadas com o humor – e as próprias angústias – de John Wilson. O norte-americano é um realizador relativamente desconhecido. Umas curtas-metragens comissariadas pelo Vimeo chamaram a atenção de Nathan Fielder, o comediante responsável pelo – também brilhante – “Nathan For You”, que abraçou a causa de John Wilson e tornou-se seu produtor. Estão ótimos um para o outro.

Fale-se do programa em si, já agora. John Wilson há anos que documenta a sua vida e a vida à sua volta, aquela anónima, que não conhece mas que lhe passa pelos sentidos todos os dias. “How To” é o resultado de uma busca por respostas para problemas que o apoquentam, na sua vida, na sua cidade (Nova Iorque), partir daí para resoluções maiores, para o desbravar ansiedades pessoais. Resumindo: filma as ruas e os habitantes da cidade na sua vida banal, depois monta tudo de acordo com a narrativa que procura dar-nos, acompanhando com a própria narração. Ao longo da primeira temporada, Wilson explica-nos como fazer conversa de elevador, como melhorar a nossa memória, qual a melhor forma de dividir contas e resolve para a audiência problemas de sempre para os quais nunca se encontra uma resposta simples: por que razão existem tantos andaimes em Nova Iorque (por exemplo)?. Nesta temporada faz o mesmo com o estacionamento da cidade onde vive — e arriscamos dizer que este episódio em particular é das melhores coisa que poderemos ver na televisão neste 2021. Aproveite para se reconhecer um pouco nele. E rir-se disso.

[o trailer da segunda temporada de “How To With John Wilson”:]

Não é uma série de autoajuda. Nem sequer é uma série de ajuda mais abrangente. Pelo menos para nós, o público que vê, mas para John Wilson, como o próprio diz numa entrevista via Zoom realizada há umas semanas:

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“Lido com muita ansiedade social. Andar sempre com a câmara e fazer esta série foram coisas que me ajudaram a ultrapassar um pouco isso. Imaginei que depois das pessoas verem a primeira temporada, isso lhes tirasse o entusiasmo de participar no meu programa. Mas funcionou ao contrário: agora as pessoas entendem o que eu quero e qual é o tom do programa. Isso dá-lhes confianças. Em relação a mim… não quero que as minhas neuroses e ansiedades sejam processadas nestes episódios. Haverá sempre desconforto. É essa tensão que cria o drama nos momentos mais banais.”

O eterno desconforto de John Wilson é também o nosso. Ele não mente quando fala na falta de processamento das suas neuroses. Isso é bem visível naquilo que mostra: “Não tenho um limite para o que devo ou não devo revelar sobre a minha vida. Contudo, respeito os limites das pessoas à minha volta, consulto-as antes de usar as imagens delas. Quero que toda a gente se sinta parte desta colaboração, embora seja a minha história. Esta temporada prova que não existem limites para me embaraçar…”

Pequena interrupção no discurso do autor para confirmarmos a tendência de John Wilson para que isto aconteça. Continuando:

“Quando começo a trabalhar num episódio, costumo utilizar as coisas mais embaraçosas da minha vida, pelo menos aquelas de que me lembro. Para tornar as coisas terrenas, mas também para lhes dar algum peso emocional. Gosto de incluir isso em cada episódio, ajuda a audiência a perceber que é algo real e não um documentário que é apenas engraçado. Isto é muito pessoal e quero que seja consistente.”

Voltando ao assunto pandemia: “How To With John Wilson” não é um programa sobre a pandemia. Por força das circunstâncias, o último episódio da primeira temporada lida com isso, mas tal acontece de uma forma completamente natural na lógica de conclusão da época. E não aparece no alinhamento para criar empatia, está lá porque tinha de lá estar. A segunda temporada também não é uma de pandemia. John Wilson, a sua forma de pensar e de ver o mundo continuam a ser o assunto dominante. É a forma como o faz que nos conquista. É de um humor único, a vontade de partilha sem filtros – ou processamento, como o próprio diz – tornam a coisa muito próxima das pessoas que estão do outro lado ecrã — nós, melhor dizendo. Lida com coisas sérias, mas é um programa leve. É leveza para ser levada a sério, porque a desconstrução que Wilson faz das coisas serve para explicar porque agimos como agimos em certas situações, porque é que tão facilmente aceitamos certos hábitos, decidimos seguir a carneirada, evoluir para certas manias e porque é que nos perdemos – enquanto humanos, enquanto civilização – no meio disso.

Orgulhosamente, ou ingenuamente, John Wilson é o seu próprio objeto de estudo. A honestidade, a forma única de ver e partilhar o mundo, tornam este programa universal

Wilson faz isso sem o julgar a si, espectador. Quer que fique a pensar nos porquês. Por exemplo: porque é que embrulha mobília em plástico? Será só para a manter limpa? Também não julga as pessoas que entrevista, Wilson faz mesmo um esforço para as tentar perceber e perceber-se a ele próprio: “será que elas estão a fazer tudo bem e eu não?”. É uma pergunta que nos assalta constantemente ao longo dos episódios. Afinal, os absurdos dos outros podem ser a resposta para os nossos problemas. Nem que seja para garantir que se está a fazer tudo bem.

O sucesso de “How To With John Wilson” apanhou toda a gente desprevenida. Quem há cerca de um ano – e depois disso – viu um episódio na HBO de forma aleatória estava longe de imaginar que este se tornaria num dos programas mais queridos dos últimos tempos:

“É estranho ver pessoas de todas as partes do mundo a reagirem ao meu programa. A primeira temporada acabou e não saí do meu apartamento. Não tive aquele momento em que pude ver tudo a três dimensões. Não viajei para mostrar os episódios, falar da série… espero que isso eventualmente aconteça, mas ainda não aconteceu. O programa tornou-se aquela coisa que não é vista apenas pelos meus amigos de Nova Iorque. Está toda a gente a ver.”

Noutras palavras: John Wilson não faz ideia do quão popular é. E isso faz parte do seu charme. O John Wilson que encontramos nesta curta entrevista é o mesmo da série. Não há máscara. É alguém desconfortável no seu papel, mas que abraça esse desconforto para falar abertamente sobre tudo. Sem filtro, sem processamento. No episódio sobre estacionamento em Nova Iorque, Wilson explica o problema através de um contrato social oficioso que é difícil de perceber para quem não reside em Nova Iorque. Os filmes que nos mostraram mil recantos da cidade nunca nos mostraram esta dimensão. Mas ele explica e, ao fazê-lo, percebe que também é parte do problema:

“Estacionar em Nova Iorque é tão agonizante como imaginas que é. E sei que estou a contribuir para o problema. Agora tenho um carro e reparo em padrões que não notava antes, contratos sociais que existem entre os vizinhos. Queria ter um carro porque queria ter uma forma de me escapar se precisasse. A pandemia provocou-me isso. Honestamente… às vezes já não consigo distanciar o que faria normalmente e se o estou a fazer só para usar o resultado no programa.”

Orgulhosamente, ou ingenuamente, John Wilson é o seu próprio objeto de estudo. Entre uma e outra temporada, percebe-se como Nova Iorque mudou com a pandemia: “Queria mostrar como Nova Iorque está hoje, por isso foi importante ter mais imagens de arquivo da cidade durante este momento.” A vida de John Wilson também mudou. Bastante. E vamos descobrir mais sobre isso ao longo da segunda temporada. Entramos na vida real do seu autor, não como um reality show, mas como leitores do diário de alguém com trinta e cinco anos (acabados de fazer) em 2021. A honestidade, a forma única de ver e partilhar o mundo, tornam este programa universal. Porque acontece (aparentemente) sem esforço, sem uma missão concreta de como revelar o mundo. É, por isso, que este é o programa mais importante estreado após a pandemia. E, também, um dos mais divertidos e geniais dos últimos tempos. Temos muito a agradecer a John Wilson.

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