Já te aconteceu apaixonares-te?
Já te aconteceu ficares com o coração despedaçado?
Já te aconteceu tentar matares-te por amor?
Já te aconteceu os teus pais obrigarem-te a fazer algo que não querias?
Em “Porque é Infinito”, a nova criação do coreógrafo Victor Hugo Pontes, o ponto de partida são as palavras de Shakespeare — “Romeu e Julieta”– , reescritas pela atriz e dramaturga Joana Craveiro, numa reflexão sobre como é amar nos nossos dias. Em palco estão 11 intérpretes, maioritariamente entre os 15 e os 20 anos, sem desgostos amorosos no curriculum e a construir a suas primeiras relações na vida real. Entre a palavra e o movimento, dão uma voz atual ao drama da literatura clássica e questionam o público, e, consequentemente, a eles próprios, sobre o que é, afinal, o amor.
“Perante os momentos que o Shakespeare nos coloca na narrativa, estas questões são colocadas e respondidas numa espécie de jogo em que tudo pode ser verdade e tudo pode ser mentira. Não é um espetáculo biográfico, pois nem sempre os interpretes estão a falar na primeira pessoa, é mais uma reflexão sobre como se dizia ‘amo-te’ no tempo de Shakespeare e como o dizemos agora”, explica Victor Hugo Pontes ao Observador.
Há referências ao Tinder, à rapidez e ao imediato, ao medo do futuro e a pistas de um manual de instruções sobre como lidar com um coração partido, estando também presentes elementos da história original, como os figurinos majestosos, as duas famílias rivais, os pajens, os bailes e o primeiro beijo. Numa dinâmica ritmada pela pujança da juventude, onde a música e as luzes combinam com a efervescência própria da adolescência, a peça explora a dor e a tristeza inerentes ao amor e à morte, mas também a euforia e a alegria de ser correspondido, em interrogações permanentes sobre se é possível amar para sempre ou em demasia.
“O problema é tentarmos medir uma coisa que não tem medida. O que é este amor maior do que a vida, que a certa altura leva a própria vida? No fundo, é isto que acontece às duas personagens principais, têm um amor tão grande que acaba por abafar a sua vida”, sublinha o coreógrafo e diretor artístico, acrescentando que o movimento no espetáculo surgiu do improviso e de “uma profunda análise dramatúrgica do texto”.
Mais ou menos coreografada, a componente corporal das personagens está associada à palavra, à ação e a uma intenção, sendo capaz de transmitir vários estados de alma e ficando na memória através de um flash estático que quase imita uma fotografia. “A ideia é que, flutuando entre gestos e palavras, o público fique imerso nesta narrativa”, afirma Victor Hugo Pontes.
Esta não é a primeira vez que o coreógrafo vimaranense pega num clássico da dramaturgia e lhe dá uma vida nova, mais prática e atual. “Gosto tanto dos clássicos que tento que sejam meus, tento perceber em que medida posso acrescentar ou subtrair alguma coisa ao que eles são. Não é uma tentativa de os simplificar, é mesmo olhá-los com outra perspetiva”, justifica.
Depois de mergulhar em “A Gaivota”, de Tchékhov ou “Seis personagens à procura de um ator”, de Pirandello, onde retirou a palavra e trabalhou apenas a ação, em “Porque é Infinito”, Victor Hugo Pontes usa as palavras de Shakespeare e reinventa-as, à semelhança do que fez em “Margem”, partindo do texto “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. “Nesta obra há mesmo uma ideia de releitura, onde pretendemos transformar uma linguagem rebuscada e erudita, que é muito bonita, mas que não é o essencial. Tentamos reduzir o ‘Romeu e Julieta’ à sua significância máxima, retirando tudo o que possa ser acessório e ficando apenas com o que é primordial na ação. Aliás, em Shakespeare há pouca ação e muito discurso”, revela.
“Porque é Infinito” pode ver-se no Teatro Nacional São João, no Porto, de quarta-feira a sábado, às 19h, passando depois por Aveiro, Ovar e Lisboa. O preço dos bilhetes variam entre 7,50 e os 16 euros.