É tudo tão insólito que não poderia ter sido inventado — sob pena de não ter qualquer credibilidade. E, embora tenha muitos floreados para tornar a narrativa interessante, “Landscapers” é uma história verídica. Logo na primeira cena, quando se resume o caso de Susan e Christopher Edwards, condenados a 25 anos de prisão por homicídio, a legenda “esta é uma história verídica” perde a última palavra e transforma-se em “esta é uma história”, deixando estabelecido que realidade e ficção vão andar lado a lado nesta minissérie na HBO — cujo primeiro de quatro episódios fica disponível na plataforma esta quarta-feira, 8 de dezembro.
“Até hoje, [Susan e Christopher] mantêm a sua inocência”, diz também a introdução. A partir daqui, cada espectador é livre de elaborar a sua opinião em relação ao casal real. O que interessa no guião — escrito por Ed Sinclair, marido da protagonista, Olivia Colman — não é tanto esmiuçar teorias sobre “quem fez o quê”, “quando” ou “como”, mas sobretudo quem é este estranho casal.
Neste caso, Susan é Olivia Colman e Christopher é interpretado por David Thewlis — e que maravilha é vê-los a contracenar. Quando a série começa, vivem em França, onde convenientemente se instalaram há algum tempo. Os pais de Susan foram assassinados há 15 anos e enterrados no jardim da própria casa. O mais incrível é que ninguém estranhou o desaparecimento e, não fosse um deslize, provavelmente seria o crime perfeito que nunca ninguém descobriria.
[o trailer de “Landscapers”:]
Em França, o dinheiro acaba-se, Christopher não consegue arranjar um emprego com o seu fraco francês e telefona à madrasta a pedir ajuda. Enquanto isso, Susan vive fora da realidade — coleciona memorabilia num quarto que parece um mausoléu dedicado a Gary Cooper e os olhos brilham, tal e qual uma criança, quando assiste aos westerns com o ator americano. Aliás, isso é aproveitado para a própria narrativa de “Landscapers”, cujas cenas de vez em quando ficam a preto e branco e podiam perfeitamente pertencer a clássicos de Hollywood.
Colman é mais do que a atriz dos sete ofícios, não há papel que ela não domine e desta vez navega na perfeição entre uma mulher tonta — mas não burra, atenção, é uma escolha para não enfrentar a realidade — e uma apaixonada que ainda fica com o coração aos pulos e espera atrás da porta pela chegada do marido. Thewlis é um panhonha, não tenhamos medo das palavras, e ao mesmo tempo quer tanto proteger a mulher — a quem chama “frágil”, não num tom depreciativo, mas para que ela não sofra — que assume sozinho a pressão e as responsabilidades. Claro que é uma bomba-relógio que acaba por deitar tudo a perder.
Quando as provas começam a apontar para eles, já estamos envolvidos nesta história de amor à moda antiga, com jantares à luz das velas onde o simples ato de servir água como se fosse um vinho caro parece a coisa mais romântica do mundo. Susan e Christopher estão juntos nisto (seja lá o que isto for) e farão tudo para se protegerem um ao outro. Decidem entregar-se à polícia inglesa — depois da troca de e-mails mais educada entre detetive e possível assassino — para serem interrogados e na chegada a Londres são recebidos por um gigantesco aparato policial. Os dois aparecem de malas e com posters debaixo do braço, como se fossem os turistas mais inofensivos do mundo.
Do lado das forças policiais estão personagens não menos insólitas. O detetive que lidera a investigação passa o tempo a refilar, ora porque o café está demasiado quente, ora porque quer apanhar aquela a quem chama “croque madame” (a expressão francesa que define uma tosta mista com ovo estrelado); a inspetora mais empenhada no caso está constantemente com uma expressão de incredulidade; e o terceiro polícia acha boa ideia aceitar um cachorro-quente quando está a interrogar os vizinhos do casal assassinado. Eu também estaria pasmada com tudo isto, como a detetive Emma Lansing (Kate O’Flynn).
Apesar de “Landscapers” parecer uma comédia, não se deixem enganar pelos elementos estapafúrdios. Eles existem, sim, e são hilariantes mas são apenas uma das peças de um puzzle que tem drama, amor arrebatado e a mistura do que é real com o que é bucólico. Susan transporta o cinema para a própria vida e o espectador é engolido por esta fantasia — que sabemos que nos afasta da realidade, mas contra a qual não lutamos. As personagens também falam para a câmara, diretamente para nós, e a banda sonora vagueia entre suspense e comédia. Parece uma confusão, mas tudo faz estranhamente sentido aqui.
No entanto, no final de cada episódio, como se acendessem a luz da sala de repente e nos arrancassem da vida destes amantes separados à força — a polícia faz tudo para virar um contra o outro, obviamente — ainda antes de acabar a história, há uma sequência de imagens verídicas da cobertura mediática do crime de 1998. Afinal, eles não são Romeu e Julieta, Rick e Ilsa (“Casablanca”), Scarlett e Rhett (“E Tudo o Vento Levou”). São Susan e Christopher Edwards, condenados a 25 anos por homicídio.