Portugal foi notícia por ser o quarto país europeu a eliminar a geração a carvão com o encerramento em novembro da central do Pego. Mas aqui ao lado, em Espanha, as centrais a carvão continuam a operar e até aumentaram a produção nos últimos meses num esforço para travar a escalada dos preços grossistas. E como Portugal importa de Espanha mais de 10% da eletricidade que consome, a energia gerada pelo carvão continua a ser consumida cá, tal como o nuclear, que nunca foi opção política para os governos nacionais.

Também no carvão os países ibéricos se distinguem. Portugal acelerou o fim destas centrais para 2023, tendo esse prazo sido antecipado porque a EDP concluiu que Sines não era rentável nas atuais circunstâncias. O Pego encerrou em novembro porque terminou o acordo para a compra de energia que não foi renovado. Espanha assumiu a data limite de 2030, subscrita por vários países.

Do lado de lá, a maioria das centrais a carvão já pediu autorização ao Governo para encerrar portas, mas enquanto a autorização não chega as unidades têm de manter a sua disponibilidade para o sistema elétrico. E com a escalada dos preços no mercado grossista, que no início da semana passada atingiram um novo recorde de mais de 300 euros por MWhora, Espanha está a queimar mais carvão, como é visível nas estatísticas da Rede Elétrica Espanhola, a congénere da REN. Em julho, as centrais a carvão produziram pouco mais de 300 GWh, valor que aumentou para 579 GWh em novembro. Ainda assim, é uma percentagem muito pouco significativa da produção total.

Segundo fonte do setor elétrico espanhol citada pelo jornal El Periodico, “as centrais estavam preparadas para o encerramento e há uns meses não pensávamos voltar a usá-las, mas a situação no mercado está a obrigar-nos a mantê-las ativas”. E, enquanto não chegar a autorização para fechar, temos de “continuar a ir ao mercado e fazer ofertas. E com estes preços da eletricidade e do gás, as centrais a carvão estão a conseguir entrar na escala de mérito que fixa o preço (o que significa que oferecem um preço competitivo apesar do custos avultados do CO2) e têm de produzir”.

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O que salta à vista é que, apesar de existir um mercado ibérico integrado na eletricidade, empresas que em Portugal já fecharam as suas centrais (Sines e o Pego) continuam a queimar carvão do outro lado da fronteira. A EDP justifica a manutenção em operação da central de Aboño nas Astúrias com o fornecimento à indústria pesada que existe na região.

Em resposta ao Observador, fonte oficial da EDP refere: “A central de Aboño é uma instalação estratégica, do ponto de vista de estabilidade de rede para o fornecimento de energia à indústria nas Astúrias e, por outro lado, permite uma reconversão dos gases da siderurgia da ArcelorMittal que, se não fossem aproveitados em Aboño  – onde os gases siderúrgicos são queimados num exemplo único de economia circular em toda a Europa –, seriam emitidos diretamente para a atmosfera”.

A elétrica refere também que até ao seu encerramento definitivo, as centrais a carvão estão disponíveis para responder às necessidades do sistema elétrico e satisfazer a procura do mercado, sobretudo numa conjuntura excecional como a atual (numa referência à volatilidade dos preços) – isto não se passa apenas em Espanha, mas em toda a Europa. Também é habitual existir alguma evolução da atividade em função da hidraulicidade do período.

Endesa espera desde 2019 a luz verde para fechar central na Galiza

Outra das unidades que ainda está a operar, contra a vontade já manifestada pela proprietária, é a central de As Pontas na Corunha (Galiza) que voltou a queimar carvão em novembro, apesar de se encontrar em processo de desmantelamento desde o final de 2019 quando a Endesa pediu o seu descomissionamento. Para a retoma de um dos quatro grupos geradores — a central tem uma capacidade comparável à de Sines  — contribuíram também razões de segurança de abastecimento já que a ordem para estar disponível coincidiu com a descida da temperatura.

Em declarações ao Observador, fonte oficial da elétrica espanhola (que é controlada pela Enel) confirma: “Estamos à espera de que o Governo dê luz verde ao fecho que foi pedido em 2019”. E destaca que, apesar de o compromisso com a neutralidade das emissões ser firme e o facto de por estes dias a central de As Pontes ter tido de entrar em funcionamento, obedece ao que temos de cumprir. Estamos obrigados por lei a fazer ofertas de todas as centrais que estão no mercado e estar disponíveis para o sistema” enquanto não chegar a autorização para desligar. De acordo com a imprensa espanhola, para voltar a operar em novembro — pela primeira vez desde julho — a central galega teve de provisionar 180 mil toneladas de carvão que permitem o funcionamento durante 55 dias.

Mas isso, realça a empresa ao Observador, não representa “nenhum passo atrás na decisão de encerrar todas as unidades a carvão. E o fim do carvão também não significa o abandono das zonas em que estavam inseridas as centrais porque projetamos substituir a potência instalada por projetos renováveis que vão continuar a gerar riqueza para aquelas regiões”.

No início da semana passada, a Endesa anunciou o fecho da central a carvão de Carboneras na Andaluzia onde será implementado o plano Futur-e no Litoral, que tem como objetivo “procurar emprego de forma proactiva, promover a atividade económica na área, proporcionar educação e formação à população local e promover iniciativas de sustentabilidade no município”.

A Endesa sublinha que está em processo de desmantelamento das centrais de Andorra (Terruel) e Compostilla (Leão) e que Alcudia (Baleares) está a ser alvo de um fecho progressivo que iniciou em 2019 com o desligar do primeiro e segundo grupo. E diz ainda “estar completamente comprometida” com o fecho do carvão em Espanha e “tem uma data firme para o adeus definitivo a este combustível: 2027”.