“Chegou a hora de voltar a mexer, perder os quilos que tenho a mais e mudar de hábitos, por isso decidi sair deste buraco negro e vou voltar ao Dakar! Vou continuar em Honra do Paulo, meu amigo, meu parceiro, e minha família. Quatro meses e 11 dias passaram desde o momento em que a minha família sofreu provavelmente o maior choque das nossas vidas e estes meses têm sido arrasadores, pela minha querida irmã, os meus sobrinhos e afilhada, que perderam o maior pilar da vida deles, o marido e pai.

Paulo Gonçalves morre no Dakar 2020

Tenho vivido este sofrimento arduamente, principalmente por tudo o que vivi naquele deserto da manhã de domingo do dia 12 de janeiro, domingo esse em que vivi o maior trauma da minha vida, onde o desespero de o ter ali deitado nos meus braços enquanto todos tentávamos trazê-lo de volta entre os gritos e o choro sentindo-me impotente, chamando pela minha irmã, não querendo acreditar que estava a ser real e pensando que estava num filme ou em algum pesadelo, pesadelo esse que me vem perturbando psicologicamente até hoje, onde me levou noites e noites a acordar a meio da noite a chorar assustado agarrado à minha companheira, perdido sem saber para onde me virar.

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“Fiquei desidratado com as lágrimas”. As revelações de Toby Price, o primeiro a assistir Paulo Gonçalves

Passei quatro meses sentado no sofá a entrar em depressão profunda a cada dia que passava, com vontade de desistir de tudo, entrando num estado onde as pessoas que estavam comigo falavam para mim e eu não ouvia porque a minha cabeça estava num mundo ou planeta completamente diferente do mundo real. Fiquei sozinho fechado no meu mundo depressivo. Ganhei dez quilos. Com isto tudo acabei por perder pessoas importantes na minha vida e fiquei completamente sozinho e perdido.

Partiu o motor, foi anunciado fora, voltou. Speedy tinha uma relação à antiga com o Dakar mas entrou na (longa) lista que todos evitam

Felizmente tenho uma equipa, a Hero Motosports Team Rally, que nunca nos faltou com apoio, equipa onde me sinto como se fosse uma segunda família. Falámos e devo voltar a andar de moto já nesta próxima semana com os novos testes de preparação 2020 em Portugal! Quero agradecer a todos os que me apoiaram até ao dia de hoje, a todos os patrocinadores e amigos por terem estado sempre a meu lado nesta difícil fase da minha vida”.

Paulo Gonçalves condecorado a título póstumo com Colar de Honra ao Mérito Desportivo

Em maio de 2020, quando anunciou que iria voltar a competir, Joaquim Rodrigues ainda tinha Paulo Gonçalves muito presente. O piloto, o amigo, o cunhado. Foi também por ele que se reergueu, foi também para ele que se reergueu. A participação na edição de 2021 pode ter sido discreta mas tinha em si só uma vitória conjuntural dentro da derrota estrutural que sofrera um ano antes. Aquele capacete que vários outros pilotos reconheciam e homenageavam, com as frases “We Will Always Ride Together” e “For Speedy”, numa alusão ao português que morreu em competição em 2020, era quase como uma força extra para alguém que perdera todas as forças por mais que estivesse de novo a fazer o mais que gostava.

Portugueses em bom plano na segunda etapa do rali Dakar

Esta terça-feira, o piloto de Barcelos teve o seu encontro com o destino numa vitória que acabou por ser saudada por tudo e por todos, entre adversários e a própria imprensa internacional que tem acompanhado a edição deste ano do Rali Dakar: Joaquim Rodrigues conseguiu ganhar a terceira etapa das motas, disputada em Al Qaisumah (2.34.41), à frente do australiano Toby Price (a 1.03) e do norte-americano Mason Klein (1.14). Com esse resultado, o piloto da Hero subiu à 17.ª posição da classificação geral, a 37.43 do britânico Sam Sunderland (Gasgas Factory Racing). No entanto, nem isso foi superior às emoções sentidas.

Rali Dakar. Joaquim Rodrigues Jr. vence terceira etapa das motas

“Estou muito feliz com o resultado e pela primeira vitória. Quando acabei, vi que tinha o melhor tempo, mas tinha sido o sexto a chegar, por isso ainda vieram alguns pilotos de topo atrás de mim. Só soube que ganhei quando cheguei aqui. Estou muito, muito feliz, fiz história. Hoje estava a sentir-me muito bem na moto, a pilotar rápido e até disse para mim mesmo ‘O Paulo está aqui comigo’. Veio-me esse pensamento porque a navegação foi perfeita, pensei para mim ‘Ele está aqui comigo hoje’. No final, ganhámos. Fomos nós os dois… eu e ele, ganhámos hoje”, comentou no final em declarações reproduzidas pela organização.

“Foi uma etapa muito, muito boa. Fui capaz de imprimir um bom ritmo desde o começo. Felizmente não cometi erros e tive tudo no ponto certo. Estava simplesmente a tentar puxar ao máximo e a mota correspondeu. Ajudou-me bastante a conseguir esta vitória. A Hero fez um enorme esforço durante o ano de 2021 para dar aos pilotos muitas provas para desenvolver a mota, para dar algum deserto e tempo de competição. Ajudou imenso e temos agora essa mesma recompensa. Eles deram tudo e nós estamos a entregar os resultados”, acrescentou Joaquim Rodrigues, que se tornou o nono português a ganhar uma etapa naquela que é a corrida mundial mais conhecida e reconhecida do todo-o-terreno.