A defesa do ex-ministro Manuel Pinho considerou falso existir perigo de fuga no âmbito do caso EDP e criticou o Ministério Público (MP) por pedir o agravamento das medidas de coação quando o processo mudou de juiz de instrução.

No recurso contra as medidas de coação aplicadas pelo juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), a Manuel Pinho e à sua mulher, Alexandra Pinho, em dezembro de 2021, o advogado Ricardo Sá Fernandes refutou a validade do mandado de detenção emitido contra o antigo governante e contestou a legalidade da aplicação de uma “caução milionária” de seis milhões de euros como alternativa à prisão domiciliária com vigilância eletrónica.

Segundo Sá Fernandes, “é inconstitucional” sujeitar o arguido a uma caução como alternativa à obrigação de permanência na habitação, já que esta “só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação”. Desta forma, sublinha que a prisão domiciliária “não é alternativa ao pagamento da caução”.

“O Juiz não pode determinar que há um perigo de fuga de tal maneira evidente que a única forma de evitar a concretização desse perigo é retirar a liberdade a alguém, para logo de seguida determinar que pode estar em liberdade, desde que pague”, lê-se no recurso a que a Lusa teve acesso, e que acrescenta: “Isto significa, desde logo, que considera que o pagamento de uma caução é suficiente para acautelar o invocado perigo de fuga”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Paralelamente, o advogado de Manuel Pinho relembra que desde 2012 o processo já passou pelas mãos de quatro juízes de instrução — Ivo Rosa, Ana Peres, Maria dos Inocentes Moreno e Carlos Alexandre —, e que o MP “nunca fez qualquer promoção de interrogatório e aplicação de medidas de coação”.

Aquilo que se alterou foi a janela de oportunidade que o MP intuiu, de que, entre o dia 06.12.2021 e 04.01.2022, o processo estaria afeto a um juiz que tem uma conceção do exercício da função de juiz de instrução habitualmente muito favorável à perspetiva do Ministério Público. Trata-se de um facto público e notório, que nem sequer consubstancia um juízo de censura sobre o juiz. É a verificação de um facto, refere.

No recurso submetido na quarta-feira ao TCIC e que é dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, Sá Fernandes alega ainda que os procuradores “selecionaram o momento processual em que pediram o interrogatório judicial dos arguidos de forma a fazer prevalecer a imposição de medidas de coação aos arguidos”, entendendo que esta atuação constitui um “abuso de direito grave e incontestável” e que “viola princípios de boa-fé e de lealdade processual”.

Entre outros pontos, a defesa aponta nos autos a ausência de provas que sustentem a “existência de alegados pactos corruptivos” entre o ex-ministro com o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, e o ex-administrador da EDP António Mexia, notando que o processo não contém “qualquer elemento de prova” de favorecimento ao BES/GES ou à EDP.

Relativamente à mulher do antigo governante, o recurso invoca que os factos imputados “não estão minimamente indiciados”, pelo que não lhe podia ter sido imposta a caução de um milhão de euros, a proibição de se ausentar para o estrangeiro e as apresentações quinzenais às autoridades. Alexandra Pinho é suspeita de um crime de branqueamento de capitais e dois crimes de fraude fiscal.

O antigo governante, que manifestou a sua indisponibilidade para pagar a caução de seis milhões de euros, está indiciado por corrupção passiva, participação económica em negócio, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. Ao não pagar, Manuel Pinho ficou em prisão domiciliária com vigilância eletrónica e proibição de contactos com os outros arguidos.

Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP no verão de 2017, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo. No processo EDP/CMEC, o MP imputa aos antigos administradores António Mexia e Manso Neto, em coautoria, quatro crimes de corrupção ativa e um crime de participação económica em negócio.

O caso está relacionado com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o MP, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.

O processo tem ainda como arguidos o administrador da REN e antigo consultor de Manuel Pinho João Conceição, Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia, Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas, e o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado.