Um debate sobre qual será a melhor forma de testagem à deteção do SARS-CoV-2 eclodiu na comunidade científica após o surgimento da Ómicron: há cientistas que defendem que, em vez de serem recolhidas no nariz ou nasofaringe, as amostras para testes rápidos devem ser retiradas na garganta, porque a nova variante terá mais facilidade em proliferar-se nesta região do corpo humano.

É que alguns estudos preliminares apontam que, nos três dias anteriores ao surgimento dos sintomas e nos dois dias seguintes, as amostras de saliva contêm cerca de três vezes mais vírus do que as amostras nasais e têm maior probabilidade de testar positivo com PCR. Depois disso, a tendência inverte-se: passava a haver maior carga viral no nariz em comparação com a orofaringe.

Os especialistas portugueses admitem que o assunto está a ser acompanhado, mas que a informação é escassa e, por isso, continuam a seguir à risca as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS). A Orientação nº 015/2020, lançada a 23 de março de 2020 e atualizada a 24 de abril, já determina que a amostra deve preferencialmente ser recolhida no “exsudado da nasofaringe e exsudado da orofaringe” — por outras palavras, nos mucos que existem no fundo do nariz e na zona da garganta.

Mas quando não é possível recolher amostras nos dois sítios “deve dar-se prioridade” ao esfregaço que se retira do nariz, prossegue o documento. E é isso que acontece na prática, na esmagadora maioria dos testes realizados em Portugal. É assim, porque, nas primeiras variantes do SARS-CoV-2 (a originalmente detetada em Wuhan, na China, e a Alfa), nos estudos efetuados em doentes sintomáticos, as amostras recolhidas na nasofaringe eram mais sensíveis para a deteção do coronavírus (63%) do que as recolhidas na boca (32%).

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Mas a variante Ómicron tem mutações nos genes-alvo dos testes PCR e sobre isso ainda faltam estudos que determinem a sensibilidade dos diferentes tipos de amostras, explica Laura Brum: “Não estão publicados em Portugal estudos que indiquem em que tipo de amostra foi feita a deteção do SARS-Co-V2, mas sabemos que as PCR são maioritariamente feitas em exsudado nasofaríngeo”.

Em resposta ao Observador, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) sublinha que as recomendações da DGS mantêm-se, embora haja uma monitorização constante das autoridades de saúde.

Mas recorda que, embora a amostra preferencial para a deteção de vírus respiratórios (o SARS-CoV-2 e os outros) seja a recolhida na nasofaringe, a sensibilidade do testes ao ARN viral aumenta se a colheita for realizada também na orofaringe com a mesma zaragatoa, conservada no mesmo tubo. “Desta forma é possível cobrir os diferentes estádios da infeção, que decorre com a replicação viral na orofaringe e na nasofaringe”, completa o INSA.

Laura Brum, diretora clínica da Synlab, explicou ao Observador que a variante Ómicron tem mutações numa das moléculas que, além da proteína Spyke (S), é utilizada em testes de antigénio para detetar o SARS-CoV-2: a proteína N, de nucleocapside, o envelope da informação genética no interior dos vírus.

Algumas empresas produtoras de testes rápidos de antigénio já asseguraram que a fiabilidade dos testes não foi afetada, mas a especialista aponta que, na verdade, “ainda não se sabe se estas mutações podem ter impacto na capacidade dos testes rápidos para detetarem a variante Ómicron”.

De facto, o tema não é consensual entre os especialistas. Fonte oficial da Unilabs confirmou ao Observador que o laboratório está a acompanhar de perto a discussão que está a emergir na comunidade científica, mas que “está longe de ser um tema ainda com suficiente cobertura científica”, por isso continua a seguir as orientações que a Direção-Geral da Saúde (DGS) definiu para a testagem à deteção do SARS-CoV-2.

A Synlab, por outro lado, já oferece a possibilidade de realizar os testes de diagnósticos com amostras recolhidas na saliva em vez das retiradas do nariz há um ano — não por causa destas primeiras evidências científicas, mas a bem do conforto dos clientes.

Laura Brum, diretora clínica deste laboratório, confirma que esta opção tem sido mais procurada nos últimos dois meses graças a um esforço de divulgação da Synlab, mas a maioria dos testes continua a realizar-se com base nas amostras habituais retiradas através do nariz.

Um estudo em pré-publicação colocado na plataforma MedRXiv a 24 de dezembro defende que os “esfregaços de saliva são a amostra preferível para a deteção da Ómicron” após ter analisado o caso de 382 doentes com sintomas fortes (mas sem necessidade de internamento) que foram testados entre agosto e dezembro de 2021 num hospital na Cidade do Cabo. Se um caso testasse positivo com uma amostra de saliva ou com uma amostra recolhida no nariz, ele era considerado positivo — mesmo que testasse negativo ao outro método.

Todas as amostras positivas recolhidas neste grupo foram sequenciadas para determinar por que variante os doentes estavam infetados — 36 eram casos de infeção pela Ómicron, 31 pela variante Delta. Descobriu-se assim que, entre os casos positivos para a variante Delta, 71% deles confirmava a presença do SARS-CoV-2 com amostras recolhidas na saliva; e 100% com amostras recolhidas no trato respiratório superior. São valores que já coincidiam com o observado com a variante Beta. Mas, no caso das pessoas infetadas com a Ómicron, os números inverteram-se: o coronavírus foi encontrado em 100% das amostras recolhidas na saliva e em 86% das amostras retiradas do nariz.

“Estas descobertas sugerem que o padrão de disseminação do vírus durante a infeção é alterado com a Ómicron, com mais disseminação viral na saliva em relação às amostras nasais, resultando num melhor desempenho de diagnóstico em amostras de saliva”, concluíram os autores do estudo, que avisaram que “o diagnóstico com amostras da mucosa nasal e da nasofaringe pode ser abaixo do ideal para a variante Ómicron”.

Eric Feigl-Ding, epidemiologista da Federação de Cientistas Americanos, defendeu esta mudança de práticas no Twitter, argumentando que a Ómicron é “uma besta muito diferente”, que a testagem com amostras de saliva são “muito melhores” e que é preciso “mensagens claras de saúde pública para nos adaptarmos a esta nova realidade”.