Uma pintura “muito rara”, criada pelo casal de artistas Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szénes, foi doada ao museu de seu nome, em Lisboa, pela Fundação Claude & Sofia Marion, revelou esta quarta-feira a diretora da entidade.
Trata-se de “Le feu d’artifice” (“O Fogo de Artifício”), uma obra criada em 1939 em guache sobre cartão, com 74 por 75,5 centímetros, que, sobre um fundo negro, apresenta uma explosão de figuras geométricas e símbolos coloridos, pontuada por estrelas e cometas, com o sol no centro.
“É a única obra que conheço pintada por ambos os artistas. Podem até existir mais, que desconheço, mas são peças muito raras“, sublinhou a diretora do museu, Marina Bairrão Ruivo, contactada pela agência Lusa sobre a nova temporada de exposições, que é inaugurada na quinta-feira.
A Fundação Claude & Sofia Marion, que exerce uma atividade benemérita em várias áreas, da cultura à saúde e educação, doou também uma outra obra ao Museu Arpad Szénes-Vieira da Silva, nas mesmas dimensões, do mesmo ano, e também em guache sobre cartão, assinada unicamente pela pintora, intitulada “Les signes du zodiaque”.
Nesta obra igualmente em fundo negro, a artista usou a mesma paleta de cores para representar os signos do Zodíaco.
De acordo com a diretora do Museu Vieira da Silva, as obras foram restauradas quando da doação, e estão expostas há alguns meses: “A ideia era fazer uma sessão para apresentá-las publicamente em agradecimento aos mecenas, mas não foi possível devido às circunstâncias da pandemia”.
Criada ainda em vida de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), uma das mais importantes pintoras portuguesas, e instituída por decreto-lei em 10 de maio de 1990, a Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva, que tutela o museu com o mesmo nome, tem como missão garantir a existência de um espaço, em Portugal, onde o público possa contactar permanentemente com a obra do casal de artistas.
Quando França sofreu a ocupação nazi, na Segunda Guerra Mundial, Vieira da Silva e Arpad, que viviam em Paris, tentaram regressar a Portugal, mas o presidente do Governo da altura, António Oliveira Salazar, retirou a nacionalidade portuguesa à pintora e ao marido, cidadão húngaro de ascendência judia.
Vieira da Silva e Arpad partiram então para o Brasil onde estiveram exilados entre 1940 e 1947, permanecendo apátridas até 1956, ano em que lhes foi concedida a nacionalidade francesa.
O Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva foi inaugurado a 3 de novembro de 1994, num edifício da Praça das Amoreiras, cedido pela Câmara Municipal de Lisboa, e apresenta regularmente exposições com a obra do casal ou de artistas com os quais tiveram algum tipo de ligação de amizade.
A Fundação Calouste Gulbenkian custeou as obras de remodelação e a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento apoiou o projeto na área da investigação.
A coleção do museu cobre um vasto período da produção de pintura e desenho do casal: de 1911 a 1985, para Arpad Szenes (1897-1985), e de 1926 a 1986, para Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992).
Também foi desejo de Vieira da Silva legar um espaço de investigação aberto ao público, cumprido com a criação do Centro de Documentação e Investigação que, além de desenvolver pesquisas internamente, tem acolhido investigadores portugueses e estrangeiros.
Na Rua João Penha, junto à praça das Amoreiras e ao museu, está também aberta ao público a antiga casa-atelier da pintora, com uma programação própria de exposições e conferências, acolhimento de atividades propostas pela comunidade e residências para artistas e investigadores.
Museu abre ano com cinco exposições e homenagem a Lourdes Castro
Exposições com obras da Coleção Rui Victorino, de Arpad Szénes e Maria Helena Vieira da Silva, de Carlos Nogueira e Ana Pérez-Quiroga, e uma homenagem a Lourdes Castro, são inauguradas esta quinta-feira no Museu Arpad Szénes-Vieira da Silva.
De acordo com o museu, a temporada de exposições de 2022 abre com cinco mostras, entre elas a “Inquieta Ansiedade. Obras da coleção Rui Victorino”, que apresenta ao público, pela primeira vez, um conjunto de 60 obras de arte moderna e contemporânea, da coleção privada do médico e investigador.
Predominantemente com artistas portugueses, e alguns autores estrangeiros, o objetivo da seleção foi “mostrar uma das linhas estruturantes da coleção, expondo alguns dos principais protagonistas dos modernismos, em Portugal, confrontando obras de tendência figurativa e não figurativa”, segundo a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva (FASVS), que tutela o museu.
Amadeo de Souza Cardoso, Almada Negreiros, Mário Eloy, Júlio Pomar, Vieira da Silva, Arpad Szenes, Eduardo Luís, António Quadros, António Areal, Fernando Lanhas, Joaquim Rodrigo e Nadir Afonso estão aqui representados, bem como outros que revelam “prolongamentos experimentais que aconteceram até aos anos 1970, e de que a coleção é representativa”, como Menez, Paula Rego, Helena Almeida, Jorge Pinheiro, Álvaro Lapa, Lourdes Castro, René Bertholo, Escada, Ana Vieira, João Vieira, Eduardo Nery, Noronha da Costa e Jorge Martins.
“Quis-se valorizar as inquietações dos artistas que souberam interpretar com ousadia e atualidade os movimentos estéticos do seu tempo e sublinhar a modernidade artística, proporcionada, em larga medida, pela saída dos artistas, muitos com destino privilegiado para Paris e para Londres, onde tiveram oportunidade de se profissionalizar, de mergulhar em referências internacionais, e de se comparar com os pares”, enquadra um texto do museu enviado à agência Lusa.
Foram ainda selecionadas obras de “raros autores” estrangeiros da coleção, “para potenciar a narrativa” – como Vasarely, Albers e Sónia Deaunay – “sobretudo de um ponto de vista referencial”, e algumas obras contemporâneas, “núcleo que tem vindo a crescer dentro da coleção”, com destaque para Ana Jotta, José Pedro Croft, Rui Chafes, Cabrita, Francisco Tropa e Miguel Ângelo Rocha.
Integrada numa linha programática que pretende mostrar coleções particulares na FASVS, a exposição – patente até 08 de maio – tem a curadoria de Adelaide Duarte, e deve o título a Diogo de Macedo, que, num texto de 1946, fala de “uma inquieta ansiedade” que identificou no percurso artístico de Mário Eloy, um dos artistas mais representados na Coleção Rui Victorino.
Outra exposição que o museu inaugura na mesma data, “Vieira da Silva e Arpad Szenes”, na Galeria Grande, apresentará obras do casal de artistas, incluindo da coleção da FASVS, de instituições, de particulares e da Coleção do Estado Português que estão em depósito na fundação.
A entidade decidiu ainda organizar uma exposição para homenagear a artista Lourdes Castro (1930-2022), que viveu em Paris desde 1958, e que, com René Bertholo, foi amiga dos pintores Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes.
Nesta homenagem a Lourdes Castro, o museu inclui documentos, cartas e postais enviados a Vieira da Silva e a Arpad Szenes, aos quais acrescentou a correspondência trocada com o colecionador, amigo e ´marchand´ de arte Nuno Alves Martins, além do restante espólio de documentos e publicações que este último tem doado ao Centro de Documentação e Investigação da FASVS.
Também na quinta-feira, será inaugurada a mostra individual de Carlos Nogueira “Sombras de vento. Entre águas/Wind shadows. Among waters”, com curadoria de David Revés, com um conjunto de trabalhos desenvolvidos durante 2021 e criados especialmente para o museu Vieira da Silva.
Com um percurso iniciado em 1968, dividido, ao longo dos anos, entre a prática artística e a atividade pedagógica, Carlos Nogueira – nascido em 1947, em Lourenço Marques (atual Maputo) – tem vindo a desenvolver “uma obra multidisciplinar e polissémica que continuamente o tem afirmado como um dos mais relevantes artistas da sua geração”.
“Breviário do Quotidiano #8” é a mostra de Ana Pérez-Quiroga que irá ocupar a partir de quinta-feira a Casa-Atelier Vieira da Silva durante os três primeiros meses de 2022.
A “Casa” é um tema comum no trabalho das duas artistas e abre portas e janelas para diferentes perceções.
Artista visual, ‘performer’ e realizadora, Ana Pérez-Quiroga é doutorada em Arte Contemporânea pelo Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, tem um mestrado em Artes Visuais Intermédia da Universidade de Évora, é licenciada em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e fez o Curso Avançado de Artes Plásticas do Ar.Co.