Têm duas pernas como os outros, têm duas mãos como os outros, têm uma cabeça mais forte do que todos os outros. A meia-final do Europeu frente à Espanha, que voltou a começar com dois golos de desvantagem (que se prolongaram até ao intervalo), voltou a ser mais um teste à capacidade mental da Seleção. Um teste e uma prova de superação. Mais uma. Pela terceira vez consecutiva, e sempre a perder no início, a equipa nacional conseguiu “dobrar” o conjunto espanhol que até aí tinha 25 vitórias em 28 jogos nos duelos ibéricos. “Estive calado toda a segunda parte ali e senti uma satisfação enorme de olhar, de ver o jogo, sem ter ainda bem a certeza, acreditando que íamos virar, pelos comportamentos que estava a ver”, comentou Jorge Braz.

Portugal vence Rússia após nova reviravolta e é bicampeão europeu de futsal

Mais de cinco anos depois, Portugal mantinha a série sem derrotas em jogos oficiais. Uma série que teve o seu início após o Campeonato de 2016 e que passou depois por qualificações e fases finais para o Europeu de 2018 e para o Mundial de 2021, ambos conquistados pela Seleção ainda com Ricardinho em campo. Agora, faltava apenas mais um passo para o tri em grandes competições, o tal cume de uma montanha que voltava ser escalada com grande brilhantismo e a conseguir superar todos os obstáculos que foram surgindo. Mas este seria o encontro mais complicado da competição, ou não tivesse a Rússia ganho todos os 11 jogos entre qualificação e fase final. Quando muitos falavam em favoritismo teórico, Jorge Braz pedia contenção.

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“A Rússia é a seleção com os melhores indicadores neste Europeu e tem uma variabilidade de jogadores que lhes traz uma riqueza enorme em termos de jogo. Não tenho dúvidas de que é o jogo mais difícil que vamos ter. Temos muita consciência da dificuldade. Temos de ter consciência da importância do jogo e de que nada do que está para trás conta ou nos dá alguma vantagem. Geração de ouro? Temos é de continuar a trabalhar para que isto seja sustentado e contínuo. Trabalhar e proporcionar oportunidades para que cheguem à idade sénior com esta mentalidade e ambição. Não pode ser uma questão de gerações de ouro, prata ou bronze. Olhar para as bases e para o trabalho de formação que muitos clubes fazem, apoiar e continuar a sustentar isso tudo, se queremos que aconteça com frequência. Agora temos de baixar a adrenalina, perceber que vem aí um desafio difícil e que vamos ter de ser consistentes e ter enorme orgulho no que fazemos”, tinha destacado o selecionador na antecâmara da partida, recusando qualquer tipo de euforia precoce.

Ele sabia do que falava. Mas também sabia e sabe o que tem nas mãos, dos mais experientes como João Matos e Bruno Coelho aos mais novos como Tomás Paçó ou Zicky Té. E o pivô que na final não marcou mas que nem por isso deixou de ser importante chega aos 20 anos com todos os títulos de clubes e seleções já conquistados com um par de anos nos seniores. Tem tudo a ver com a cabeça e ele é o melhor exemplo, tendo conseguido ganhar o prémio de MVP da competição em que Portugal se “emancipou” de Ricardinho.

O encontro teve um início muito “fechado”, sem grandes oportunidades nas duas balizas e com uma única ameaça que poderia trazer mais perigo quando Bruno Coelho ganhou em zona mas adiantada, arrancou forte para a área russa mas viu o remate ser desviado por um defesa contrário para canto (4′). Em 4:0 ou 3:1 com Zicky Té em campo, Portugal não conseguia encontrar caminhos para visar Putilov ao contrário da Rússia, que aos poucos foi começando a atacar com outro critério com Antoshkin a ficar muito perto do golo de livre direto (8′) e André Sousa a evitar um remate isolado de Abramov (10′). Os russos percebiam que a Seleção não estava a defender com a mesma agressividade habitual e, num lance em que aproveitou os cruzamentos para ficar com Pany Varela, Sokolov rematou enrolado para o 1-0 com culpas de André Sousa (10′).

A Rússia estava melhor e sobretudo mais confortável no jogo perante uma equipa portuguesa que não tinha capacidades para colocar Putilov à prova. Foi por isso que Jorge Braz pediu uma pausa técnica, falando em “tranquilidade” e “coragem” entre correções nos movimentos ofensivos da equipa. No entanto, os efeitos da paragem foram nulos e os russos aumentaram mesmo a vantagem por Afanasyev, a aproveitar mais um erro de marcação para fazer o 2-0 (13′). As coisas não estavam fáceis e André Sousa impediu que a desvantagem fosse ainda mais aumentada até a uma parte final antes do intervalo em que Portugal melhorou a nível de intensidade e agressividade, teve um primeiro aviso por Zicky Té para defesa de Putilov (18′) e conseguiu mesmo reduzir por Tomás Paçó, na sequência de uma reposição lateral bem trabalhada (19′).

Estava dado o mote para a segunda parte, com Portugal a aproximar-se mais do que é capaz de fazer no plano ofensivo e André Sousa a segurar a equipa cá atrás com poucas mas decisivas intervenções. E foi assim que, já depois de um grande lance individual em que Zicky Té afundou na profundidade e recebeu um passe longo para rematar de primeira pouco ao lado (25′), o empate chegou mesmo com muito demérito dos russos e do guarda-redes Putilov, que desviou para a própria baliza uma reposição lateral de André Coelho (27′). E, cinco minutos depois, numa das melhores jogadas coletivas do encontro, o mesmo André Coelho marcou o 3-2 depois de uma grande assistência para o segundo poste de Miguel Ângelo (32′). As contas tinham mudado.

A Rússia apostou tudo, teve um remate de Chishkala que só por milagre não entrou, uma bola na trave de Abramov e o habitual sofrimento com o 5×4 que colocou Abramov como guarda-redes avançado. Mais uma vez, Portugal mostrou que é a melhor seleção do mundo a defender em inferioridade, André Sousa esteve gigante na baliza e tudo acabou ainda com o 4-2 por Pany Varela, que marcou de baliza aberta no último segundo após um erro no ataque dos russos que deitou tudo a perder de vez para o bicampeonato europeu.