Um navio quebra-gelo sul-africano partiu da Cidade do Cabo no dia 5 de fevereiro rumo à Antártida. A sua missão: encontrar o navio Endurance, naufragado em 1915.
O SA Agulhas II partiu no início do mês rumo ao Mar de Weddell, na Antártida, com uma tripulação de 46 membros e 64 investigadores que fazem parte da expedição, e que vão de áreas como a biologia marinha à arqueologia.
O objetivo é encontrar o navio, também ele um quebra-gelo do início do século XX, que foi lentamente devorado pelo mar em 1915. A embarcação encontra-se em lugar incerto, embora numa área geográfica relativamente precisa, de 33 por 18 quilómetros, segundo a BBC, a três mil metros de profundidade.
No entanto, o mesmo motivo que levou o navio a afundar-se no polo sul pode dificultar a própria expedição que vai procurar pelos seus destroços: o bloco gigante e maciço de gelo que flutua sobre fortes correntes marítimas no Mar de Weddell.
A embarcação naufragada transportava uma expedição orientada por Ernest Shackleton, e que, não tendo cumprido o seu propósito inicial, foi o responsável por uma das mais bem-sucedidas operações de resgate. Como? É preciso recuar mais de 100 anos para descobrir.
Uma expedição condenada a permanecer à deriva em gelo (não tão) fino
Ernest Shackleton pretendia realizar a primeira travessia por terra da Antártida durante a sua expedição Trans-Antártica, entre 1914 e 1917. O destino do navio seria a Baía de Vahsel, a leste do Mar de Weddell. O objetivo seria, segundo o New York Times, atracar na baía e realizar depois uma viagem por terra até ao polo sul.
Embora o norueguês Roald Amundsen já tivesse atingido esse marco em 1911, o objetivo da expedição de Ernest Shakleton era continuar depois rumo ao Mar de Ross, no outro lado do continente de gelo.
Construído na Noruega, o navio foi feito para suportar as pressões exercidas pelos blocos de gelo das regiões mais frias. Movido com recurso a velas, mas também a carvão, o Endurance partiu de Londres em agosto de 1914 com 28 homens.
Contudo, nunca chegou à baía. A 18 de janeiro de 1915, a embarcação encalhou a cerca de 160 quilómetros do destino. Presos no bloco de gelo flutuante, os 28 homens acamparam junto do navio, tendo depois, no final de fevereiro, quando a temperatura começou a diminuir, passado a residir novamente no interior do navio, que serviu como posto de inverno.
O plano seria aguardar até que os meses mais quentes levassem o navio a soltar-se do gelo, tornando-se novamente navegável. Contudo, a tripulação apenas pôde assistir ao estalar de madeira que durante 10 meses deu sinal do esmagamento da embarcação pelos blocos de gelo.
Antes do navio afundar, em novembro do mesmo ano, a tripulação esvaziou o Endurance de todos os seus mantimentos e de três barcos salva-vidas, antes de levantar acampamento. Toda a tripulação sobreviveu ao naufrágio.
Os 28 homens acabaram por acampar num outro bloco de gelo, na esperança de que este os levasse para perto de alguma ilha. Em abril de 1916, os três salva-vidas foram colocados na água, tendo levado a expedição até à Ilha Elefante — uma ilha inóspita a norte da Península da Antártida.
A única hipótese de salvação, contudo, residia na ilha da Geórgia do Sul, onde se encontrava um posto fixo dedicado à caça da baleia. Em maio, Ernest Shackleton partiu, com cinco membros da tripulação, incluindo o capitão do navio, Frank Worsley, em direção ao posto da Geórgia do Sul. A restante tripulação que permaneceu na ilha inabitada foi resgata em agosto de 1916.
Endurance22: uma expedição para localizar o Endurance original
O motivo por trás da expedição que partiu da Cidade do Cabo foi explicado pelo arqueólogo marinho e diretor de exploração da equipa, Mensun Bound, ao New York Times.
É o naufrágio mais inacessível de sempre, o que faz desta também a maior caça de um naufrágio de sempre.”
A Endurance22 foi financiada por um doador anónimo, que investiu mais de 8,8 milhões de euros no empreendimento. Já próxima do Mar de Weddell, a equipa do navio quebra-gelo Agulhas II terá, chegando ao destino final, menos de duas semanas para localizar o Endurance. Se o navio naufragado for localizado, dois drones irão tirar fotos dos restos da embarcação e farão ainda um mapeamento a laser dos destroços.
Caso o gelo seja demasiado denso para o avanço do Agulhas II, um plano B será levado a cabo. A expedição irá utilizar dois helicópteros para colocar peritos e equipamento num bloco de gelo, onde será feito um furo na placa de água congelada, sendo os dois drones submarinos lançados através da “escotilha improvisada” — os drones têm capacidade para se deslocarem num raio de cerca de 160 quilómetros.
Para tal ser possível, o chefe-cientista do empreendimento, Lasse Rabenstein, e outros peritos em gelo marinho, teriam de determinar o bloco de gelo mais apropriado a comportar o peso tanto do equipamento como da equipa.
Mas um quebra-cabeças maior teria de ser resolvido. Caso o plano B fosse levado a cabo, a equipa de peritos em gelo marinho teria ainda de calcular qual o bloco que estaria sobre o local do naufrágio ao fim de dois dias, uma vez que a deslocação da equipa e do equipamento para a placa de gelo levaria alguns dias a ser concluída.
O Endurance, contudo, não poderá ser perturbado pela expedição. Isto porque segundo o Tratado da Antártida, celebrado em 1959 para preservar o continente de gelo, os destroços do navio são considerados um monumento histórico.
Em relação à localização do Endurance, o local aproximado do seu naufrágio é conhecido graças ao capitão do navio do início do século XX, Frank Worsley, que foi capaz de determinar a localização do seu navio na altura em que afundou. “Sabemos muito bem para onde temos de ir”, explicou o líder da Edurance22, John Shears.
Em 2019, uma primeira expedição com vista a determinar a localização do Endurance, realizada igualmente a bordo do Agulhas II, resultou em fracasso quando um submersível que utilizava tecnologia mais antiga foi perdido debaixo de água, sem que a equipa conseguisse determinar se a localização dos destroços do naufrágio tinha sido descoberta.