O antigo Presidente moçambicano Armando Guebuza disse esta sexta-feira em tribunal que seria “irresponsável” pedir ao parlamento a aprovação das dívidas ocultas, porque a Renamo, principal partido da oposição, estava em guerra com o governo e tem representação parlamentar.

“Pedir àqueles que matam os moçambicanos que aceitem que o governo vá buscar mais armas, mais recursos para combatê-los, não é realista, eu diria mesmo que é irresponsável, seria irresponsável”, enfatizou Guebuza.

O antigo chefe de Estado respondia na qualidade de declarante a uma pergunta da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), que atua como auxiliar da acusação, no julgamento do processo principal das dívidas ocultas.

“Acontece que algumas das pessoas que eram combatidas [pelo Governo], isto é, da Renamo, tinham deputados na Assembleia da República. Como levar uma questão destas” ao parlamento?, questionou.

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O antigo chefe de Estado insistiu que o governo precisava de meios militares para enfrentar a guerrilha da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) e de capacidade de defesa das águas territoriais nacionais, face à pirataria e tráfico de drogas.

Armando Guebuza fez uma analogia entre a Renamo e os grupos armados que atuam na província de Cabo Delgado, assinalando que informar o parlamento sobre as dívidas ocultas seria o mesmo que comunicar aos “terroristas” a estratégia militar do governo.

“Se os terroristas em Cabo delegado estivessem na AR”, seria o mesmo que “ir pedir aos terroristas, também, autorização para termos armas. Não faz sentido”. “Para mim não fazia sentido naquela altura e não faz sentido ainda hoje, se fosse o caso”, declarou.

Questionado pela OAM sobre se tinha instruído o então ministro das Finanças, Manuel Chang, para emitir as garantias estatais que viabilizaram as dívidas ocultas, o antigo chefe de Estado respondeu negativamente.

Assumiu que incumbiu o comando operativo, na altura coordenado pelo ministro da Defesa e atual Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, a tarefa de procurar recursos para a implementação do Sistema Integrado de Monitoria e Proteção (SIMP) da Zona Económica Exclusiva (ZEE).

“Eu confiava, deleguei, porque confiava e nem sei se hoje tenho muitos motivos para duvidar da minha confiança [dada ao comando operativo]”, frisou.

Armando Guebuza insistiu que os “detalhes” da execução do SIMP — considerado pela acusação o pretexto para as dívidas ocultas –, devem ser esclarecidas pelos membros do comando operativo.

“A delegação foi feita ao comando operativo, portanto, não é minha responsabilidade entrar no detalhe“, frisou.

Guebuza classificou como “invenções” as declarações em tribunal do então ministro do Interior Alberto Mondlane de que matérias sobre o SIMP e criação das empresas beneficiárias do dinheiro das dívidas ocultas terão sido discutidas em reuniões restritas, sem a presença de todos os membros do comando operativo.

“Presume, portanto, que as invenções do antigo ministro [Alberto] Mondlane são factos”, questionou Armando Guebuza, respondendo a mais uma pergunta da OAM.

Sem que tenha sido diretamente questionado sobre o assunto, o antigo Presidente moçambicano disse que o governo de Filipe Nyusi “cruzou os braços” perante a suspensão do apoio das instituições financeiras internacionais e dos doadores ao Orçamento do Estado, na sequência das dívidas ocultas, assinalando que o país resistiu a anteriores dificuldades económicas e financeiras.

Em resposta a perguntas do advogado do seu filho, Ndambi Guebuza, arguido, o antigo chefe de Estado usou a ocasião para dizer que a economia do país estava melhor durante a sua governação e que foram alcançados avanços nas áreas sociais e económicas.

As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM para projetos de pesca de atum e proteção marítima.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado por Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.