Acolhida desde o início da carreira por críticos e colecionadores públicos e privados, foi já tarde que Menez se tornou conhecida do grande público. Aconteceu-lhe depois dos 60 anos, mais precisamente em 1990, quando apresentou em simultâneo cinco exposições individuais, sendo a principal uma retrospetiva na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, que teve intensa cobertura mediática. No mesmo ano, receberia o então recém-criado Prémio Pessoa.

A seguir à sua morte, em 1995, caiu num relativo esquecimento e só nos últimos anos, em parte devido à política de reavaliação do trabalho de mulheres artistas, é que a obra de Menez tem ganhado novo protagonismo. Depois da inauguração na zona de Belém, em janeiro de 2020, de um memorial de homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen, a partir de azulejos de Menez, a artista esteve representada na exposição “Tudo o Que eu Quero”, que a Gulbenkian organizou no verão do ano passado, e até 10 de abril marca presença na exposição “Imagem em Fuga”, no Atelier-Museu Júlio Pomar, em Lisboa.

Nova exposição de Júlio Pomar cruza obra do artista com Menez e Sónia Almeida

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A partir desta semana pode também ser vista no Museu Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais. A nova exposição intitula-se “Menez” e tem curadoria de Catarina Alfaro, coordenadora da programação e conservação do museu dedicado a Paula Rego. Trata-se de uma retrospetiva que “dá a conhecer quatro décadas da obra da artista, permitindo uma compreensão abrangente das suas diferentes fases e práticas, através de uma cuidadosa seleção de 29 trabalhos que transitam do abstracionismo ao figurativismo”, lê-se na folha de sala.

As obras provêm de coleções institucionais, como a do Millennium BCP e da Caixa Geral de Depósitos, além da Galeria Ratton, da Galeria 111 e de colecionadores particulares. A mostra decorre até 2 de outubro, com organização da Fundação D. Luís I e da Câmara de Cascais. A inauguração está marcada para esta quinta-feira ao fim da tarde e a abertura ao público acontece na sexta-feira.

Sem título, 1986. Tinta acrílica sobre tela. 156,5 x 192 cm. Coleção Millennium BCP (foto: Pedro Aboim/Millennium BCP)

Visitas a Paula Rego em Londres

Ao Observador, a curadora fez notar que a exposição abrange trabalhos em desenho, gravura, azulejo e tapeçaria, para evidenciar que o percurso de Menez não se circunscreveu à pintura — apesar de ter começado por aí.

Curiosamente, o percurso de Menez teve bastantes afinidades com o de Paula Rego. Foram muito amigas e corresponderam-se ao longo de décadas. Menez visitava em Londres Paula Rego e o marido, Victor Willing, e definia o casal como “lovely people”. Paula Rego dizia, segundo Catarina Alfaro, que quando estava no atelier de Menez tirava ideias à amiga, para depois as aplicar nas suas pinturas.

Logo em 1961, ainda em Portugal, participam ambas na II Exposição de Artes Plásticas da Gulbenkian e Menez ganha o segundo lugar do Prémio Pintura (em primeiro, ex aequo, ficaram Fernando Azevedo, Carlos Botelho, João Hogan e Júlio Pomar). É então apontada como “o exemplo mais definido de uma diretriz atual para a abstração”, ainda que nunca tenha gostado de se definir como pintora abstrata.

“Tanto uma como outra começaram as suas carreiras com obras de caráter abstrato, embora o figurativo de Paula Rego estivesse lá de forma diluía. E ambas foram, dos anos 60 até aos anos 80 e 90, caminhando no sentido da figuração”, referiu Catarina Alfaro. É por isso que se reconhecem parecenças.

“Uma e outra acompanhavam com curiosidade o respetivo trabalho. Na década de 80, ambas executaram obras que evocam temas sagrados, como calvários, crucificações, anunciações. Ambas deram atenção ao modo como organizavam a composição e como exploravam as perspetivas, com uma dimensão cenográfica. No que há grande distância é na narratividade, que não vemos na obra de Menez”, acrescentou a curadora.

Porém, ao contrário de Paula Rego, Menez não fez um percurso de aprendizagem académica das artes plásticas. Gostava de se apresentar como autodidata, ainda que tivesse passado brevemente pela Slade School. Por duas vezes recebeu bolsas da Fundação Gulbenkian, 1964-65 e 1969, tendo permanecido em Londres nessa fase e participado em mostras internacionais de arte portuguesa, incluindo a Bienal de Tóquio, em 1966.

Menez retratada em 1990 por António Homem Cardoso

Vida trágica e misteriosa

Nascida em Lisboa a 06 de setembro 1926 (Paula Rego é de 1935), Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca, que veio a ser conhecida como Menez, mudou-se para a Suíça aos dois anos e aí cresceu, tendo regressado a Portugal já depois da adolescência.

É hoje considerada “um dos expoentes da arte portuguesa do século XX”. O crítico José-Augusto França, dos primeiros que a notaram, logo na década de 50, chegou a descrevê-la como fundadora portuguesa do expressionismo lírico e abstrato de influência francesa. Foi ele quem levou Menez para a Galeria de Março, em Lisboa, onde a artista teve a primeira exposição. Em 1954. Quatro anos depois, ela apresentava um painel em cerâmica no Pavilhão de Portugal da Exposição Universal de Bruxelas.

Menez era neta do general Carmona, Presidente da República entre 1926 e 1951. Teve como companheiros o arquiteto Bartolomeu Costa Cabral e o advogado e diplomata Rui Burnay Morales de Los Rios da Silva Leitão (primo do escritor Ruben A.). De entre as amizades que cultivou destacam-se o casal Arpad Szenes e Vieira da Silva.

Segundo Catarina Alfaro, a artista teve uma vida enigmática, que em parte se refletiu na obra. A morte dos três filhos, em 1976, 1977 e 1991, os circuitos cosmopolitas que frequentava e as mudanças constantes de cidade — viveu em Washington, Buenos Aires, Estocolmo, Paris, Roma — ajudam a adensar a aura de mistério. O escritor e jornalista Luís Amorim de Sousa, que a conheceu, refere no catálogo da exposição que Menez tinha “uma presença sedutora”, uma “elegância natural”, “uma vida interior intensa que transparecia dos seus gestos e expressões”.

“O lado intimista da sua pintura é o que lhe dá intensidade. Muitas obras dão conta dessa dimensão indecifrável”, disse a curadora. “Mesmo quando o espaço do atelier é objeto de representação, nunca há inteira proximidade. É uma pintura muito enigmática, uma desmultiplicação de portas e janelas que dão para o exterior. Quando parece autorretratar-se, mantém o enigma”, sublinhou Catarina Alfaro.

Sem título, cerca de 1965. Óleo sobre platex. 61 x 61 x 61 cm. Coleção Manuel de Brito (foto: Luísa Ferreira/Fundação D. Luís I — Casa das Histórias Paula Rego)

Menez não dava títulos aos trabalhos, por entender que cada trabalho deve falar por si mesmo, e parecia desligada da opinião da crítica de arte. Também não gostava de falar sobre si e muito menos de dar entrevistas. Uma das raras ocasiões em que se expôs foi no jornal Expresso, em 1990, numa entrevista conduzida por Inês Pedrosa e Alexandre Pomar. Disse então, a propósito da aprendizagem técnica, que tinha tido “vagas lições” de pintura na Suíça, quando criança.

A artista está hoje representada na Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE) com apenas uma obra, de 1958: um óleo sobre papel hoje em depósito no Centro de Arte Contemporânea de Coimbra, indica o site da CACE.

Na coleção da Gulbenkian constam pelo menos 21 obras, produzidas sobretudo na década de 60. No Museu de Lisboa (pertencente à Câmara Municipal) os catálogos indicam quatro obras, incluindo uma tapeçaria tecida em 1991 pela Manufatura de Tapeçarias de Portalegre.

Menez realizou ainda diversos trabalhos para azulejo, visíveis no Metro de Lisboa (estação do Marquês de Pombal), na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa ou ainda no interior do restaurante Vá-Vá. Morreu em Lisboa, aos 68 anos, a 11 de abril de 1995.