“Este é o pior lugar, claro… Mas pronto… Não há nada a fazer, já passou… Estava a sentir-me bem, se disser que não me estava a sentir bem não era verdade porque estava mesmo. Até no aquecimento estava a sentir-me bem mas depois não sei o que é que se passou… Há coisas que não consigo explicar… Estava bem… Mesmo com o calor, o calor é na cabeça de todo o mundo e eu estava bem… Mas pronto, é uma coisa que me dói muito, ficar no quarto lugar é a coisa mais horrível da minha vida. As adversárias são fortes, de nível mundial, vencedoras de Mundiais e Jogos. Tinha a ideia de que poderia ganhar uma medalha na mesma. Ser a melhor da Europa serve de consolação? Não, não vale nada. Para mim não vale nada…”
Ainda de lágrimas nos olhos na zona mista dos Jogos Olímpicos de Tóquio, Auriol Dongmo ia lamentando o quarto lugar na final do lançamento do peso. A chinesa Gong Lijiao não deu hipóteses à concorrência com um lançamento a 20,78, a norte-americana Raven Saunders esteve também em bom plano com 19,79 mas, mesmo não passando dos 19,57, a luso-camaronesa achava que seria possível chegar às medalhas. Valerie Adams renasceu das cinzas e foi aos 19,62. Não deu para mais. Mas foi nesse dia que a atleta radicada por uma questão de fé na zona de Fátima colocou no topo das prioridades “compensar” esse momento com um ano de 2022 onde teria Mundiais de Pista Coberta e Mundiais e Europeus ao Ar Livre.
Esta sexta-feira, em Belgrado, começava essa tentativa de redenção. Uma redenção sobretudo para a própria, aquela que mais sofreu com a quarta posição em Tóquio. E após a medalha de prata de Pedro Pablo Pichardo Portugal via a grande possibilidade de chegar ao segundo pódio logo no primeiro dia de Mundiais.
Depois de bater o recorde nacional em Pista Coberta por duas vezes nos Campeonatos de Portugal, primeiro com um registo de 19,69 e na sexta e última tentativa com a marca de 19,90, Auriol Dongmo ganhou a Taça da Europa de Lançamentos, em Leiria, alcançando 19,68 em condições adversas com chuva e vento. “Correu bem. Estava em forma, fiz uma boa preparação. Queria fazer mais mas estava a escorregar e não foi fácil. Mas estou satisfeita com a marca. Agora vou focar-me nos Mundiais, que é a competição mais importante. Posso fazer ainda melhor”, comentou no último fim de semana. Agora chegava não só com a melhor marca do ano como na liderança do ranking mundial, tendo na teoria como principais adversárias as norte-americanas Maggie Ewen e Chase Ealey, a sueca Fanny Roos e a surpresa neerlandesa Jessica Schilder.
As duas primeiras rondas de lançamento confirmaram esse favoritismo de Auriol Dongmo, não tanto pela marca mas pela própria postura da atleta: apesar de ter marcado por duas vezes 19,32, longe das marcas que conseguiu nos Campeonatos de Portugal, a atleta liderava a prova com uma boa vantagem sobre Chase Ealey (19,11), tendo Jessica Schilder na terceira posição (19,01). Mais do que isso, a luso-camaronesa olhava para a bancada onde estava o treinador fazendo o gesto de um lançamento no ar que ainda não estava como tanto queria. Na terceira tentativa, arriscando um pouco mais, Auriol acabou por ter o primeiro nulo. Já Jéssica Inchude, a outra portuguesa em prova, não passou o “corte”, ficando em 12.º com meros 17,58 no primeiro ensaio feito, acima dos 17,52 do segundo e de um nulo no terceiro e último tentado.
What a time to produce your first ever 20 metre-plus throw! ????
Auriol Dongmo ???????? wins shot put gold at the #WorldIndoorChamps with a huge throw of 20.43m! pic.twitter.com/kl085ArTCD
— European Athletics (@EuroAthletics) March 18, 2022
A segunda metade da final chegava com Auriol na frente mas seguida pela sueca Fanny Roos, que superou o melhor registo do ano com 19,22. As potenciais adversárias começavam a mostrar-se, como aconteceu ainda com Maggie Ewen (19,15), e conseguiram mesmo bater o registo da atleta nacional, neste caso com Jessica Schilder a aproximar-se mesmo da melhor marca do ano com 19,46 que lhe dava a liderança perante mais uma tentativa nula da número 1 do ranking mundial no quarto ensaio. O que aconteceria a partir daí seria o grande momento do primeiro dia de Mundiais de Pista Coberta: Chase Ealey bateu o recorde nacional com 20,21 e, logo de seguida, Auriol pulverizou o recorde nacional absoluto com um fantástico 20,43 (que fica também de longe como a melhor marca mundial até ao momento de um ano que promete ser longo), antes de uma sexta e última tentativa que foi nula quando já tinha assegurado a vitória na competição.
PARABÉNS Auriol Dongmo ????????????????
e @PauloJGReis.Campeã Mundial do lançamento do peso de pista coberta.
O lançamento que deu a medalha de Ouro ????????????.#Belgrado2022 #AtletismoSCP #AtletismoPortugal pic.twitter.com/65KwQgusbk
— 3 Gerações (@GeracoesSusp) March 18, 2022
Estava confirmada a segunda medalha nacional em Belgrado e a quinta vitória de sempre de Portugal em Mundiais de Pista Coberta depois de João Campos (3.000 metros em 1985, Paris), Rui Silva (1.500 metros em 2001, Lisboa) e Naide Gomes (pentatlo em 2004, Budapeste e comprimento em 2008, Valência).
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