Enviado especial do Observador, em Tóquio

Para Auriol Dongmo, quanto menos calor melhor. Também isso não quis estar alinhado, com as temperaturas a marcarem 38º no ecrã colocado no relvado do Estádio Olímpico. Meia hora depois, no corte feito na final, chegou mesmo aos 40º. No entanto, não foi por isso que a lançadora falhou a medalha no lançamento do peso. Aliás, e como se percebeu melhor ainda na zona mista, era para esse objetivo que estava a apontar. E percebeu-se no final porquê: deixando a chinesa Lijiao Gong de parte, o recorde nacional daria garantidamente uma medalha e um lançamento perto dos 20 metros como pretendia assegurava a prata. Não houve nem um nem outro.

A única promessa que Auriol fez foi ter fé no seu trabalho. Não chegou. “Este é o pior lugar, a coisa mais horrível da minha vida…”

Com uma toalha branca na cabeça nos momentos que antecederam o início da competição e sempre que saía da sombra colocada em bancos perto da zona de lançamento, Auriol deslocou-se por duas vezes até à bancada para falar com o seu treinador, Paulo Reis. Antes, no aquecimento, estava a sentir-se bem e confiante. Antes, ainda mais antes nos treinos que fez, estava a lançar para bater o recorde nacional de 19,75 feito em junho. No final, acabando na quarta posição sem esse novo registo máximo, encolheu os ombros para a bancada, fez um cara e uma expressão de alguém que não sabe mais o que fazer e viu fugir a medalha para Valerie Adams, uma das atletas que foi cumprimentando quando acabou o concurso. Não foi uma derrota fácil de digerir.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O concurso começou com a excêntrica americana Raven Saunders, de cabelo curto pintado de verde e roxo e uma máscara a simular um sorriso de caveira que assusta os mais desprevenidos, a marcar logo a abrir 19,65. Auriol Dongmo foi a quarta a lançar, atirando a 19,29 num lançamento que não a deixou propriamente satisfeita, como se viu enquanto fazia o caminho até perto da bancada onde estava o treinador Paulo Reis. No entanto, e no final da ronda inicial, só Lijiao Gong superou mais esse registo (19,95), o que colocava a luso-camaronesa de forma provisória na terceira posição e com uma vantagem razoável em relação à concorrência.

O início poderia ser melhor mas não foi mau, tendo em conta o que se passaria nas duas tentativas seguintes antes do corte para os últimos três ensaios: Auriol não melhorou nas duas tentativas seguintes (18,95 e 19,17) e apareceu a veterana neozelandesa Valerie Adams, de 36 anos, campeã olímpica em 2008 e 2012 que acabou na segunda posição em 2016. Foi quase como um renascer das cinzas da atleta que, do Rio de Janeiro para cá, foi mãe duas vezes, depois de uma série de lesões antes dos Jogos no Brasil que levaram a cinco operações no joelho, no tornozelo, no ombro esquerdo e no cotovelo direito. Aqui, após ter começado com 18,62, subiu a 19,42 no segundo ensaio e colocou-se muito perto de Saunders pouco depois, com um 19,62 que pedia outra resposta.

O corte foi feito na bielorrussa Aliona Dubitskaya, ultrapassada mesmo no último lançamento pela sueca Fanny Roos, deixando também de fora a chinesa Yang Gao, a tobaguenha Portious Warren e a americana Jessica Ramsey, que fez três nulos. Quando os três últimos ensaios da final começaram com a alemã Sara Gambetta, o termómetro no meio do relvado apontava já 40º, tendo descido pouco depois para os 39º onde se fixou. E foi nessa viragem que Auriol conseguiu o seu melhor resultado com um 19,57 ao som das palmas dos elementos da comitiva nacional presentes na bancada que puxavam por aquele lançamento que estava mais perto.

Lá na frente, Dong iria bater por duas vezes o seu recorde pessoal, naqueles que foram os únicos lançamentos acima de 20 da final (20,53 e 20,58), e Raven Saunders ainda subiu para 19,79 no quinto ensaio para reforçar a segunda posição, deixando a luta pelo bronze entre Valerie Adams e Aurio Dongmo. Depois de mais um nulo, a neozelandesa ficou pelo 18,76 mas a luso-camaronesa repetiu duas vezes os 19,45, ficando assim apenas a cinco centímetros da medalha depois de ter sido campeã europeia de Pista Coberta este ano. O recorde nacional não saiu nem ficou próximo, o lançamento dos 20 metros ainda menos e a atleta não passou mesmo do quarto lugar.