Quatro dias depois de ter sido publicada a entrevista que deu à Mother Jones, em que se assumiu contra qualquer tipo de guerra e revelou que os seus pensamentos “estavam com os civis ucranianos”, Arkady Dvorkovich, entre 2012 e 2018 conselheiro principal de Dmitry Medvedev para os assuntos económicos e um dos seus vices, demitiu-se da organização não governamental a que presidia há quatro anos.

O pedido de demissão do antigo oficial de topo do Kremlin foi divulgado esta sexta-feira através de uma declaração emitida pela Fundação Skolkovo, uma organização que investe em startups e capitais de risco e que, segundo a Reuters, se descreve como a “Silicon Valley russa”. E surgiu depois de vários representantes do partido no poder se terem insurgido contra as palavras do ex-governante e de terem exigido o seu despedimento.

“Ele fez a sua escolha. Isto não é nada menos do que a verdadeira traição nacional”, acusou Andrei Turchak, membro do Conselho da Federação da Rússia, um dia depois de Arkady Dvorkovich, de 49 anos, se ter tentado retratar, fazendo publicar no site da Fundação Skolkovo uma declaração em que se assumia “sinceramente orgulhoso da coragem” dos soldados russos e lamentava o facto de a Rússia ter sido alvo de “sanções duras e sem sentido”.

A emenda não foi capaz de suplantar as declarações iniciais, ainda para mais feitas a uma revista ocidental. “Uma guerra é a pior coisa que alguém pode enfrentar na vida… incluindo esta guerra”, tinha dito àquela revista Dvorkovich, que é também presidente da Federação Internacional de Xadrez, a FIDE — e esse cargo manteve.  Aliás, terá sido por não conseguir conciliar os dois, justificou Igor Shuvalov, presidente da Corporação Estatal para o Desenvolvimento, que tutela a Fundação Skolkovo, que apresentou a sua demissão.

“As guerras não matam apenas vidas que não têm preço. As guerras matam esperanças e aspirações, congelam ou destroem relações e ligações”, tinha ainda considerado o antigo oficial de topo do Kremlin na entrevista que deu à Mother Jones. E que fez com que até o próprio Vladimir Putin se tivesse insurgido — apesar de nunca o ter nomeado diretamente em público.

Na quarta-feira passada, dois dias após a publicação da entrevista, o presidente russo falou aos seus ministros e deixou um aviso sério sobre aqueles a que chamou “escória” e “traidores” da Rússia. “Claro que eles [o Ocidente] vão tentar apostar na chamada quinta coluna, nos traidores — aqueles que ganham o seu dinheiro aqui, mas vivem lá. Vivem, não no sentido geográfico, mas no sentido do seu pensamento, do seu pensamento servil”, disse. “Qualquer povo, e especialmente o povo russo, será sempre capaz de distinguir os verdadeiros patriotas da escória e dos traidores, e de os cuspir como fazem com um mosquito que lhes entrou acidentalmente pela boca.”

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