Um paciente do Curry Cabral, em Lisboa, recebeu este sábado um rim doado inicialmente a um do Hospital de Santo António, enquanto ao doente do Porto foi implantado o órgão colhido na capital, descreveu um dos responsáveis pelas intervenções.

Em causa está uma prática chamada “doação renal cruzada” e duas intervenções que decorreram em simultâneo.

Em Lisboa, o caso junta um pai que necessitava de um rim e uma filha disposta a doar, mas os dois não eram compatíveis. Já no Porto, o marido receberia o rim da mulher, mas esta teve igual infelicidade no que diz respeito à compatibilidade.

“Graças ao programa nacional de doação cruzada foi possível cruzar estes dois dadores [filha de Lisboa e mulher do Porto] e os dois recetores [pai de Lisboa e marido do Porto] e realizar as duas intervenções”, explicou à agência Lusa o diretor do gabinete coordenador de colheita e transplantação do Hospital de São José, Fernando Rodrigues.

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As cirurgias — quatro no total, duas para colheita dos órgãos e duas para implantação — decorreram ao longo deste sábado. Cerca das 19h00, dadores e recetores encontravam-se bem, garantiram à Lusa fontes quer do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC), ao qual pertence o Hospital Curry Cabral, quer do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP), que integra o Santo António.

O transporte dos órgãos foi feito pela brigada de trânsito da Guarda Nacional Republicana.

A realização destes dois transplantes foi possível graças ao Programa Nacional de Doação Renal Cruzada (PNDRC) que é utilizado no caso de pessoas que precisem de um transplante e têm um dador vivo que não é compatível.

Assim, recorrendo a uma base de dados que contém outros pares incompatíveis, procura-se encontrar um dador compatível para cada caso.

Se o sistema encontrar uma combinação possível, podem acontecer dois ou mais transplantes em simultâneo através da “troca” de rins entre os vários pares participantes.

O PNDRC data de 2010, sendo que desde 2007 é possível em Portugal realizar transplantes renais entre dadores e recetores sem consanguinidade, ou seja, na prática antes um marido não podia doar à mulher, mas um pai podia doar a um filho e vice-versa.

“O que preconizamos é a maximização do dador cadáver, mas esta é mais uma forma de realizar intervenções e ultrapassar as limitações da falta de órgãos. E a doação renal cruzada vem ultrapassar outra limitação porque mesmo havendo um dador renal vivo e havendo a intencionalidade de doar, podem ser incompatíveis entre si. É mais uma probabilidade de a pessoa ter acesso a um órgão”, descreveu Fernando Rodrigues.

O diretor do gabinete coordenador de colheita e transplantação de São José, hospital que pertence ao CHULC, recordou que “quando não há compatibilidade o risco de rejeição do órgão que é transplantado é muito grande”, mas que “por vezes existem pares que entre si não são compatíveis, mas de forma cruzada têm compatibilidade”.

À Lusa, Fernando Rodrigues recordou que “o rim é o órgão que tem mais pessoas em lista de espera”, uma lista que em Portugal é superior a 2.000 doentes.

“E o número de órgãos que tem sido possível recolher em dador cadáver não permite colmatar as necessidades”, disse o diretor sobre uma realidade que não é apenas portuguesa, mas sim transversal ao resto do mundo.

Esta prática realizou-se pela primeira vez este sábado no CHULC, enquanto o CHUP tem já outros transplantes do género no currículo.

Paralelamente, Portugal aderiu já ao Programa de Doação Renal Cruzada Internacional, podendo fazê-lo com Espanha e Itália.