Os Artistas Unidos estão em risco de ficar sem o Teatro da Politécnica, depois de o reitor da Universidade de Lisboa lhes ter comunicado que não pretende renovar-lhes o contrato, que termina em fevereiro de 2023.
O ator e encenador João Meireles, sócio da companhia fundada em 1995 por Jorge Silva Melo, disse à agência Lusa que a pretensão de não renovação do contrato lhes foi comunicada pelo reitor, no passado dia 09, alegando que necessitam daquele espaço para instalar outros serviços.
“Este mês tem sido um mês de desagradáveis surpresas, tem sido um pavor”, sublinhou João Meireles, aludindo também à morte do fundador da companhia, no passado dia 14, aos 73 anos.
“Tem sido pesado para este grupo de pessoas e para tantas outras pessoais que estão à nossa volta e são nossas amigas”, frisou.
Os Artistas Unidos encontram-se no Teatro da Politécnica desde 2011, na sequência de um contrato que tem sido sempre renovado com a Universidade de Lisboa.
No início, era de três anos e depois passou a ser de dois anos, observou João Meireles, acrescentando que o contrato em vigor termina em fevereiro de 2023.
“Ficámos, mais uma vez, desde que saímos de A Capital, com a casa às costas”, sublinhou o ator e encenador.
João Meireles disse que, “num momento informal”, já tinha falado sobre a decisão da Reitoria não lhes renovar o contrato com o vereador da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, e que “ficaram de se reunir brevemente”.
“Mas, desde essa conversa, já passou uma semana e ainda não temos agendada essa reunião para podermos olhar para esta situação”, frisou.
Uma situação “que não é nova, é só uma repetição do que já aconteceu e que tem acontecido desde que saímos de A Capital, há 20 anos”, observou, numa alusão a 29 de agosto de 2002, quando a Câmara de Lisboa, então presidida por Pedro Santana Lopes, os obrigou a sair do edifício A Capital, no Bairro Alto.
“Aparentemente, penso eu, que estaria na cabeça de toda a gente que os Artistas Unidos, que já estamos há 11 anos no Teatro da Politécnica, teriam o problema resolvido, mas, de facto, temos vindo a resolvê-lo a cada renovação de contrato e sempre nesta precariedade de haver um contrato que não é renovado”, indicou.
Quando foram obrigados a sair de A Capital, houve um “compromisso” da autarquia de Lisboa no sentido de se encontrar “uma solução duradoura, estável e digna para esta companhia”. “Passaram 20 anos e ainda não está resolvido”, disse.
Para João Meireles, a companhia está a viver “uma aflição”.
“Porque temos projeto que se tornou sólido, viável, com o Jorge [Silva Melo], que, entretanto, formou esta equipa e esta força de trabalho e de produção e de criação e que, sem termos um espaço, não tem viabilidade”, referiu.
“Não me passa pela cabeça que os Artistas Unidos fiquem confinados a um escritório e a produzir para quem os queira acolher”, frisou.
Se tal acontecer, “é uma perda de identidade, uma perda de lugar que não conseguimos admitir, obviamente”, concluiu, sublinhando que, “quando desaparece esta figura tutelar, que era o Jorge Silva Melo, tudo se desmorona quase como se não tivesse existido”.
Os Artistas Unidos formaram-se a partir do grupo que estreou, em 1995, “António, um Rapaz de Lisboa”, de Jorge Silva Melo.
“O Fim ou tende misericórdia de nós”, “Prometeu”, de Jorge Silva Melo, “A Queda do Egoísta Johann Fatzer”, de Brecht, e “Coriolano”, de Shakespeare, foram algumas das produções com que deram os primeiros passos.
O seminário “Sem Deus nem chefe”, realizado na Antiga Fábrica Mundet, no Seixal, em que foram criadas cinco pequenas produções, cada uma coordenada por um ator que nela participava, serviu de ensaio para os dois anos e meio de trabalho no espaço do jornal A Capital/ Teatro Paulo Claro, que a companhia viria a utilizar e que viu encerrado em 29 de agosto de 2002, pela Câmara Municipal de Lisboa.
Peças das principais dramaturgias contemporâneas, de dramaturgos como Sarah Kane, Gregory Motton, Jon Fosse, David Harrower, Mark O’Rowe, Xavier Durringer, Spiro Scimone, e dos portugueses Jorge Silva Melo, José Maria Vieira Mendes, Rui Guilherme Lopes e Francisco Luís Parreira, têm sido apostas da companhia.
O mesmo se verifica com clássicos como Melville, Kleist, Kafka, e com obras de autores como Samuel Beckett e Harold Pinter, que marcaram o teatro contemporâneo, e que foram também levados à cena em perto de trinta estreias, vários acolhimentos e coproduções, seminários e leituras encenadas, como as dedicadas ao teatro escocês e neerlandês, e às obras de Sarah Kane, Arne Sierens e Antonio Onetti.
Com o fecho d’A Capital, depois de apresentarem “Baal”, de Brecht, os Artistas Unidos mudaram-se para o Teatro Taborda, onde permaneceram até junho de 2005.
No Taborda encenaram autores como os Irmãos Presniakov, Anthony Neilson, Davide Enia, Jean-Luc Lagarce, voltaram a pôr em palco peças de Pinter, Scimone, Judith Herzberg, Jon Fosse, José Maria Vieira Mendes, e lembraram Joe Orton e Jacques Prévert.
Em 2006, depois de terem renunciado à utilização do Teatro Taborda, a companhia dirigida por Jorge Silva Melo esteve instalada no antigo Convento das Mónicas, onde estrearam peças de Antonio Tarantino, Juan Mayorga, Vieira Mendes e Gerardjan Rijnders.
Judith Herzberg, Enda Walsh, Pier Paolo Pasolini, Jesper Halle, Miguel Castro Caldas, Jorge Silva Melo ou José Maria Vieira Mendes foram outros dramaturgos postos em palco pela companhia, nesta altura.
Além de espectáculos e da produção de filmes, os Artistas Unidos organizaram também exposições de Sofia Areal, Álvaro Lapa, Pedro Proença, Xana, Pedro Chorão, Miguel Ribeiro, Michael Biberstein, Ana Isabel Miranda Rodrigues, Sérgio Pombo, Barbara Lessing, Ana Vieira, Ângelo de Sousa, Manuel San Payo, Ivo, Nikias Skapinakis, Jorge Martins.
São igualmente responsáveis pela coleção Livrinhos de Teatro, de início em colaboração com a editora Cotovia e, desde março de 2021, com a Snob.