“Pseudo-arautos exclusivos do bem” e promotores de “falsidade, corporativismo e passadismo”. É assim que o Conselho de Administração da Fundação Casa da Música descreve quem lhe tem feito desde 2021 “um conjunto de acusações”, insinuando (palavra do Conselho de Administração) “represálias, discriminações, incumprimentos legais e ausências de diálogo”.

Os alvos específicos não são explicitados, mas a nota, publicada esta quarta-feira e endereçada “a todos os cidadãos do Porto e do mundo que gostam da Casa da Música”, parece visar associações de trabalhadores e trabalhadores sindicalizados que têm manifestado reiteradamente a sua oposição à gestão do equipamento cultural do Porto — e à situação contratual de alguns dos funcionários da sala.

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Esta segunda-feira, os sindicatos de Hotelaria do Norte e dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) tornaram público uma carta aberta endereçada ao Conselho de Administração, que acusavam de não demonstrar “consideração pelas reivindicações dos trabalhadores”, não evidenciar “transparência” e optar pela intransigência, “recusando toda e qualquer forma de negociação”. Iam mais longe, denunciando “represálias sobre trabalhadores reivindicativos”.

A denúncia sobre “represálias” feita agora foi difundida na carta, divulgada pelo jornal Público. Argumentam os sindicatos: “Quando reivindicámos a conversão de falsos contratos a termo em contratos sem termo, recusou-se a alteração a quase todos os trabalhadores – à exceção de quem não aderiu à greve e, por isso, teve direito à regularização do vínculo laboral”.

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A acusação de “represálias” a trabalhadores precários que lutam pela regularização da sua situação de trabalho, porém, não é recente: em dezembro era dado o exemplo de Hugo Veludo, “assistente de sala na Casa da Música desde 2017” e “um dos rostos mais visíveis das lutas laborais na instituição” que segundo os sindicatos estaria “a ser vítima de represálias, havendo ordens superiores para excluir este trabalhador de todos os eventos”.

“Desajustados” das “sociedades abertas”, “pseudo-arautos” e o fim do diálogo

Na nota difundida esta quarta-feira, o Conselho de Administração da Casa da Música revê a história e modelos de gestão pensados para este equipamento cultural desde a sua raiz, pelo Governo: “Optou, em boa hora cremos nós, pelo ‘modelo fundacional baseado na parceria entre Estado, autarquias e iniciativa privada'”.

Uma opção com a qual nunca se conformaram aqueles poucos que, desajustadamente em relação às dinâmicas ganhadoras das sociedades modernas e abertas, diabolizam o contributo dos cidadãos e agentes privados e do mérito para preferirem trancar-se sob o manto protetor de proclamações em nome de um enclausuramento na defesa serôdia de um conceito de esfera pública alegadamente igualitário mas realmente produtor de focos de inoperância, inflexibilidade e injustiça”, lê-se na nota.

Notando estar em funções “desde inícios de julho de 2021” e lembrando ter herdado “impactos tremendos de uma pandemia agressiva e cruel”, o atual Conselho de Administração da Casa da Música faz questão de vincar que é “constituído por sete pessoas com vida pessoal e profissional própria e amplamente conhecida na cidade”. E vinca que “seis dos referidos sete administradores desempenham os seus cargos em completa situação não remunerada”.

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Aos críticos, os administradores deixam uma resposta dura: “Este Conselho de Administração recusa-se a aceitar, no seu todo ou na sua individualidade, as lições de capacidade de gestão, conhecimento cultural e relacionamento laboral que alguns pseudo-arautos exclusivos do bem lhe pretendem implicitamente dar no meio de um arrazoado nunca explicitado de declarações não provadas, de tratamentos insultuosos ou até de puras inverdades”.

E como quem não se sente não é filho de boa gente, vimos publicamente repudiar as insinuações de represálias, discriminações, incumprimentos legais e ausências de diálogo que covardemente têm sido lançadas para a praça pública numa prática manipuladora que sentimos menos dirigida a nós próprios e mais orientada para resultados desviantes e movidos por agendas de duvidosa dignidade e escassa legitimidade democrática”, lê-se ainda na nota.

A rematar este “grito de protesto”, os administradores manifestam o desejo de que “a falsidade, o corporativismo e o passadismo” não encontrem “terreno fértil para medrar”. E anuncia o fim do diálogo com os sindicatos: “Queremos desde já deixar claro que não iremos dedicar mais tempo a alimentar conversas surdas com quem apenas procura criar ruído e desordem no seio da Instituição e do seu entorno”.

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