Com a confusão instalada entre Rui Moreira, irritado com as falhas do processo de descentralização, e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), de onde quer retirar o Porto, o Governo garante agora estar atento às queixas e preparado para responder às preocupações dos autarcas. Desde logo, entregando um Orçamento do Estado onde assume que será preciso continuar a corrigir e ajustar as verbas para a descentralização, que os autarcas dizem não serem suficientes ou estarem a ser erradamente atribuídas.

Dois dias depois de o presidente da Câmara do Porto ter ameaçado bater com a porta da ANMP e de se ter queixado de não ter tido resposta a uma carta enviada ao Governo a 22 de março, em conjunto com Carlos Moedas, em que as duas principais autarquias se queixavam do envelope financeiro insuficiente, fonte do gabinete do primeiro-ministro diz ao Observador que “o Governo recebeu a carta” e tem estado a “avaliar a melhor forma de responder às preocupações nela manifestadas”.

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Para já, uma primeira resposta está contemplada no Orçamento para 2022 que Fernando Medina apresentou esta quarta-feira — e torna claro que o Executivo tem consciência de que vai ser preciso continuar a corrigir verbas, como os autarcas têm apontado (as queixas não são exclusivas de Moreira, embora seja o único autarca a ameaçar sair da ANMP se a Assembleia Municipal do Porto concordar).

Depois de anos de atrasos e adiamentos, graças a um processo complexo que visa transferir responsabilidades do Estado central para as autarquias em 21 áreas diferentes (Saúde, Educação e Ação Social são as pastas mais pesadas) e que também se arrastou graças à pandemia, o Orçamento prevê o Fundo de Financiamento da Descentralização, no primeiro ano em que é suposto que a descentralização funcione em pleno.

Assim, no artigo 82º da proposta do Governo prevê-se um valor que chegará até aos 832 milhões e meio de euros, distribuído assim: a maior fatia vai claramente para a Educação, que recebe até 719 milhões; para a Saúde, os municípios receberão até 70 milhões e meio; na Ação Social, o tecto é de 42 milhões; e na Cultura, são 890.942 euros.

Mais importante para os autarcas que reivindicam um envelope financeiro mais robusto, garantindo que há erros de inventário que os prejudicarão na atribuição de verbas e que as contas foram feitas por baixo, é a alínea nove, que prevê que mesmo com esses montantes definidos as verbas possam ser “atualizadas” mediante despacho do ministério das Finanças e dos membros do Governo responsáveis pela área em causa e pela das autarquias locais.

Assim, prossegue o artigo, para fazer essas atualizações o Governo “fica autorizado a reafetar” as verbas entre os municípios. E mesmo quando esse mecanismo se esgotar pode continuar a fazer atualizações “por contrapartida” dos orçamentos específicos destinados a cada ministério, desde que este o autorize e as Finanças também.

O Orçamento prevê ainda para a Ação Social, a área que se prevê mais complicada — e que por isso mesmo já teve a data da sua descentralização definitiva adiada para o final do ano, ao contrário das restantes áreas, que deviam ter arrancado em pleno a 1 de abril — mais uma autorização, no Orçamento da Segurança Social, para “alterações orçamentais que reflitam o aumento total das despesas por contrapartida do Fundo de Financiamento para a Descentralização”.

Apesar de 1 de abril ter sido, em teoria, a data para que toda a descentralização — processo que se arrasta desde 2018, quando PS e PSD assinaram o acordo original — funcionasse em pleno, prevê-se assim que o processo continue a ser alvo de ajustes e correções, pelo menos durante este ano. Para os autarcas, entre erros de cálculos no Excel, números que reportam ao período pré-pandemia ou até a subida dos custos da energia, as verbas não podem ficar como estão.