“Quando era mais jovem dizia-se que era a equipa que estava pior que ganhava os dérbis mas não acredito nisso”, contava Rúben Amorim na antecâmara de mais um dérbi pelo Sporting frente ao Benfica, o terceiro da presente temporada depois dos triunfos na Liga (3-1 na Luz) e na final da Taça da Liga (2-1 em Leiria). E as apostas, como estavam? “Sabendo que um dérbi é de 50/50, apostaria claramente na minha equipa para vencer o jogo”, dizia o técnico leonino. “Nestes jogos a probabilidade de vitória é de 50/50 mas se tivesse de apostar ia na vitória do Benfica”, responderia duas horas depois o homólogo encarnado, Nelson Veríssimo. Ou não haveria duas sem três ou à terceira seria de vez, com motivos distintos a sustentar a confiança.

Benfica-Sporting. Amorim tira Neto e Pote e lança Ugarte e Slimani (0-1, 59′)

A atravessar uma série de cinco vitórias consecutivas no Campeonato, naquele que era o segundo melhor registo apenas superado pelos 11 triunfos entre a sexta e a 16.ª jornadas, o Sporting vestia a pele que no ano passado pertenceu ao FC Porto depois das duas derrotas quase seguidas nos Açores e com o Sp. Braga que atrasaram a equipa na corrida pelo título: entrar, tentar ganhar, esperar. Ainda assim, e qualquer que fosse o trajeto dos dragões na liderança, havia outro objetivo definido que passava pela conquista de 88 pontos, naquela que seria a melhor campanha de sempre da equipa na prova. O Benfica, no plano teórico, era um último grande obstáculo para tal. E tinha o condão também de carimbar a entrada na Champions.

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“Vamos entrar em campo a lutar pela vida porque com uma vitória deixamos de fazer contas pelo segundo lugar. É uma grande motivação para nós porque garantindo a Liga dos Campeões podemos planear a época seguinte com cada vez mais certezas. Para nós, a Champions tem um grande impacto. Vamos jogar contra um clube para o qual não tenha talvez tanto em termos financeiros mas para nós é essencial. Estamos aqui a lutar pela vida, pela continuidade do projeto, para não termos de dar passos atrás e fazermos o que fizemos há dois anos. É tudo isso que está em jogo e não pode haver motivação maior”, salientara Amorim, colocando sobretudo aí o enfoque e não tanto na questão do título que parece mais inclinada para o Dragão.

Já o Benfica chegava a Alvalade numa parte de cima da montanha-russa de momentos que foi atravessando ao longo da temporada entre os sucessos e as boas exibições na Champions e os pontos perdidos em encontros do Campeonato. Essa foi aliás a tónica do último mês e meio, com a passagem em Amesterdão frente ao Ajax e a boa imagem deixada em Liverpool a contrastarem com o empate na receção ao Vizela e a derrota em Braga. Nelson Veríssimo não teria propriamente grande margem para lutar pelo título pelo contexto com que assumiu o comando da equipa após a saída de Jorge Jesus em dezembro mas o segundo lugar foi um objetivo interno colocado a certa altura como meta e que não dava margem de erro.

“Se perdermos ficamos sem o segundo lugar e a Liga dos Campeões? E se ganharmos? Estamos a partir do princípio de não ganhar mas e se ganharmos? Temos a consciência da diferença do terceiro para o segundo lugar, sabemos o que implica uma vitória ou uma não vitória mas isso não muda o nosso mindset, que é chegar a Alvalade e lutar pelo triunfo. Em Liverpool não cumprimos o objetivo mas demos uma resposta positiva. Mesmo com situações menos boas, fizemos coisas muito boas e agora é transportar isso para o jogo contra o Sporting, que é quase mais um jogo de Champions. Em relação ao resto, o objetivo principal era a conquista do título e, não acontecendo, é uma época falhada”, destacara Veríssimo na antevisão.

Curiosamente, o Benfica marcou menos e criou menos ocasiões do que tinha conseguido em Liverpool mas teve a tal exibição Champions e a uma dimensão mais elevada pela forma como secou todos os caminhos para o Sporting tentar visar a baliza de Vlachodimos. Secou Matheus Nunes, eclipsou os avançados, teve sempre alguém nas linhas de passe em zona de construção, contou com o habitual Darwin a fazer toda a diferença na frente com um golo e uma assistência alicerçados num poder de explosão que deixou por terra os defensores contrários. O uruguaio foi o MVP do encontro entre outros heróis mais invisíveis como Weigl ou Vertonghen mas recaiu em Nelson Veríssimo o mérito de ter conseguido com muito daquilo que fez de Rúben Amorim campeão na última temporada com vitórias seguras com a do Benfica em Alvalade. Mais: baixar linhas para controlar um jogo não é sinal de fraqueza e essa foi mais uma das suas forças.

Com uma equipa mais conservadora do que inicialmente se chegou a antecipar, mantendo Diogo Gonçalves no lugar de Rafa em vez de apostar na colocação de Darwin Núñez mais à esquerda com Yaremchuk mais ao meio, o aniversariante Nelson Veríssimo viu o Benfica começar melhor com bola. Mais calmo, com uma maior certeza na circulação, com Gilberto a integrar-se sempre que possível em ações ofensivas, no outro lado com Grimaldo a procurar também jogar mais por dentro para criar situações de 1×1 para Everton. Ainda assim, o primeiro aviso acabou por chegar pelo Sporting, com Pedro Gonçalves a aproveitar uma recuperação em zona adiantada para assistir Paulinho para o remate ao lado em fora de jogo (9′). Foi esse o primeiro aviso, foi esse o único aviso. Quando foi o Benfica, não foi aviso – acabou mesmo em golo.

Com os ânimos ainda exaltados pelos protestos encarnados depois de uma entrada dura de Sarabia sobre Vertonghen que deixou o belga no chão, o jogo direto fez a diferença com muito mérito de Darwin e ainda mais demérito da defesa leonina: o mesmo Vertonghen lançou largo na frente, Luís Neto hesitou, Coates permitiu que o uruguaio tocasse de cabeça para a frente e o avançado, à saída de Adán, fez um grande golo de chapéu a inaugurar o marcador em Alvalade, naquele que foi também o primeiro remate certeiro do melhor marcador do Campeonato em jogos grandes no plano nacional (14′). Sem que nenhuma equipa o justificasse, apesar da maior posse dos encarnados a abrir o dérbi, o contexto do jogo mudava.

O Sporting não acusou a desvantagem e assumiu ainda mais o jogo, explorando os corredores laterais com muitos cruzamentos sem finalização à mistura (perante a sombra de Matheus Nunes em campo, sem ter qualquer protagonismo com bola), mas o Benfica sentiu-se confortável nessa posição que obrigou a um recuo das linhas, consentindo apenas um remate e muito fraco de Pedro Gonçalves ao lado na meia hora inicial apesar de algumas abordagens após recuperações altas que só não criaram outro perigo pela má definição do último passe. Pouco depois, o mesmo Pote recebeu de Sarabia isolado na área sem tempo de desviar de Vlachodimos (32′) mas o intervalo chegaria com as principais ameaças a pertencerem de novo aos encarnados, num remate de Diogo Gonçalves e num golo anulado a Otamendi após canto (38′).

Os leões tinham dois problemas pela frente que deveriam ser conversados ao intervalo: por um lado, como resolver a quantidade anormal de passes falhados no último terço que inviabilizaram em alguns lances a criação de oportunidades; por outro, como anular as saídas do Benfica, fosse através do jogo direito, fosse através de combinações rápidas. Em relação à segunda, bastaram dois minutos da segunda parte para o problema se manter, com Everton a disparar muito perto do poste da baliza de Adán após combinação em apoio com Gonçalo Ramos; no que toca à primeira, e logo no minuto seguinte, o primeiro cruzamento que foi bem tirado na esquerda por Nuno Santos acabou com um cabeceamento de Sarabia à trave.

Rúben Amorim tinha de arriscar e, pouco antes dos 60′, lançou o jogo para um contexto diferente com as saídas de Neto e Pedro Gonçalves para as entradas de Ugarte e Slimani. Palhinha recuava para central, o uruguaio tentava dar outra capacidade de construção ao lado de Matheus Nunes, Slimani era a garantia de maior presença no jogo aéreo em lances na área. Não trouxe resultados práticos. Dez minutos depois, mais duas mexidas no conjunto leonino, com as saídas de Palhinha e Sarabia para as entradas de Ricardo Esgaio e Marcus Edwards – neste caso, mais para dinamizar o que estava abaixo do normal a nível de rendimento. No entanto, o último quarto de hora chegaria apenas com mais um remate de Paulinho ao lado (70′).

Veríssimo mexeu também na equipa, trocando Taarabt e Everton por Paulo Bernardo e Gil Dias mais numa perspetiva física do que propriamente por alguma questão tática. E os dados do jogo estavam lançados até ao final, com o Sporting a ter cada vez mais bola no meio-campo contrário e o Benfica a revelar cada vez mais dificuldades em encontrar referências que aguentassem a bola na frente e a assumir de vez o 1-0 com a entrada de André Almeida para o lugar de Diogo Gonçalves aos 83′. Ainda houve um lance no final em que Slimani conseguiu surgir nas costas da defesa contrário mas os encarnados já tinham há muito fechado a vitória no dérbi e mais uma demonstração de como a tática conta mas nunca resume um jogo e o ponto final chegou mesmo no terceiro minuto de descontos depois de mais uma arrancada fantástica de Darwin Núñez que levou consigo todos os defesas e permitiu isolar Gil Dias no meio para o 2-0.