– Rubi [Rubiales], se é um problema de dinheiro, se eles [o Real Madrid] por oito milhões de euros iriam, caramba, então paga-se oito ao Real Madrid e oito ao Barcelona, aos outros paga-se um ou dois… São 19 milhões, a Federação ainda fica com seis. Entre ficar com seis milhões ou com nada… Apertamos a Arábia Saudita, dizemos que o Real Madrid não aceita ir e sacamos mais dinheiro…

O tema já não era propriamente novo, depois das notícias que davam conta de uma comissão que rondava os quatro milhões de euros para Gerard Piqué, através da sua empresa Kosmos, pela mudança da Supertaça de Espanha para a Arábia Saudita. Agora, tornou-se num caso. Um verdadeiro caso, com nome pomposo e tudo como acontece em situações onde se tornam públicos com provas os detalhes de todas as negociações: o Supercopa files. E o central do Barcelona, que como se percebe é bem mais do que isso, volta a estar no olho do furacão do futebol espanhol a par do presidente da Federação, o sempre polémico Luis Rubiales.

Depois de ter referido na altura que a Real Federação Espanhola de Futebol não pagou qualquer verba nem a Piqué nem a nenhuma das suas empresas, acrescentando que desconhecia se a Arábia Saudita tinha ou não pago, os áudios, mensagens e documentos apresentados pelo El Confidencial provam o contrário: Rubiales não só sabia como “pressionou” as autoridades de Riade a pagarem uma comissão à Kosmos. E as verbas são mesmo aquelas que vieram a público em 2019, com a empresa do internacional espanhol (que tem “99,9%” de certeza que não voltará à seleção) a receber 24 milhões de euros, quatro por cada um dos seis anos (10% do negócio). Antes, a alternativa era Camp Nou. “Tenho de ver isso com o Real mas acho que vão dizer que não e assim argumentamos que é o que tem maior lotação, que o Barcelona é o campeão, que ganhou a Taça ou é finalista da Taça… Acredito que temos legitimidade para isso”, confessara Rubiales a Gerard Piqué.

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O Valencia foi um dos primeiros clubes a reagir, até por estar há muito numa luta em tribunal contra aquilo que descreveu como uma repartição arbitrária de verbas relativas à Supertaça. Em janeiro, um juiz obrigou a que a Federação apresentasse a documentação do tema, incluindo contratos com o governo saudita, de venda dos direitos televisivos e com os restantes clubes participantes, mas os mesmos chegaram com os valores em causa rasurados. Em março, na reunião com responsáveis do Valencia e do Betis a propósito da final da Taça do Rei (que se disputa este sábado), Rubiales tentou que o clube che deixasse cair o assunto mediante uma alegada oferta de mais bilhetes para o encontro, algo que terá sido recusado. Agora, mediante as informações reveladas, esse processo relativo à edição de 2019 poderá ter um redobrado peso.

“Ligaram-me do El Confidencial há uma semana e disseram-me que isto iria sair. Eu disse-lhes que não me importava. Não tenho nada a esconder. Queríamos mudar o formato da competição e torná-la mais interessante para o espectador. Isso tem repercussões na receita. O presidente [Luis Rubiales] gostou muito da ideia. Não existe qualquer tipo de conflito de interesses. Podemos debater a moralidade do ato mas ilegal é divulgar os áudios”, salientou Gerard Piqué na noite desta segunda-feira, numa sessão no Twitch com presença de vários jornalistas que fez questão de anunciar através da sua conta do Twitter para depois da receção do Barcelona ao Cádiz (derrota por 1-0) onde não estaria presente por questões físicas. Foi nesse momento que adiantou ainda que, além da Arábia Saudita, os EUA e o Qatar também foram hipóteses.

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A linha entre a Kosmos Global Holding, S. L., quem tem o central do Barcelona como presidente e CEO, e os possíveis conflitos de interesse estende-se a outro pontos, como escreve o ABC, nomeadamente o Andorra, clube que comprou em 2018 e que colocou na Segunda B, equivalente ao terceiro escalão nacional, no ano seguinte, após comprar a vaga deixada em aberto pelo Reus num interpretação muito contestada do artigo 194 do Regulamento Geral que motivou recurso por parte da ProLiga [Comissão de Clubes de Futebol] e muitas críticas do L’Hospitalet, que falou mesmo da amizade existente entre Rubiales e o presidente do Andorra… Gerard Piqué. O central esteve também ligado à mudança do modelo competitivo da Taça Davis em ténis após garantir os seus direitos, participou no acordo de patrocínio da Rakuten com o Barça, viu a Kosmos ser uma das produtoras de um documentário do quotidiano da equipa blaugrana e da saída de Griezmann e, mais recentemente, em associação com o streamer Ibai Llanos, comprou os direitos da Ligue 1 para Espanha por três temporadas e assegurou um lugar no campeonato e-sports de League of Legends.

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A segunda parte dos áudios foi divulgada esta terça-feira pelo El Confidencial, desta vez com o enfoque numa conversa entre Piqué e Rubiales sobre um possível trunfo para fechar negócio com a Arábia Saudita: Juan Carlos, o rei emérito. “Rubi, achas que tentando o rei podia ajudar? Tem boas relações com as pessoas de lá, com os reis ou quem quer que seja dos sauditas? Assim entrávamos fácil e acredito que o rei nos ajuda”, diz o jogador ao líder da Federação. “Se vamos pelo governo não nos ligam, outra coisa é se fores mas vais ter de te envolver… Não sei”, respondeu Rubiales, por escrito. “Perfeito”, atira de seguida Piqué.

“Mas repara Rubi, vamos fazer as coisas de forma separada. Vocês não me estão a pagar nem a mim nem à Kosmos em nenhum momento, nós não trabalhamos para vocês, trabalhamos para os sauditas. Por isso, o que nós queremos é aproximar-nos do rei a partir dos sauditas e fazemos isso por nós”, referiu ainda o jogador. Agora, depois de terem sido divulgados esses novos áudios que envolvem Juan Carlos, o rei emérito confirmou que foi de facto contactado por Piqué. “Vinha a Abu Dhabi apresentar a sua Taça Davis e disse-lhe de forma muito amável que nessa altura não estaria lá”, explicou ao Espejo Público da Antena 3.

“Segundo parece não existe qualquer ilegalidade por cobrar comissões mas outra coisa é um jogador, que é também capitão da sua equipa, participe num negócio para levar para outro país uma prova onde está a sua equipa por fins comerciais. Isso já não me parece razoável, não é ético”, comentou ao As o secretário de Estado dos Desportos, José Manuel Franco Pardo, que lidera também o Conselho Superior dos Desportos. “A Real Federação Espanhola de Futebol é uma entidade privada com competências públicas delegadas mas é a única das 65 federações espanholas que não recebe subvenção pública e por isso não podemos fiscalizar as suas contas. Mas tudo o que se sabe é pouco edificante… Fui convidado para ir mas decidi não aceitar porque não gosto da ideia de tirarem esta prova de Espanha e colocar tão longe dos nossos fãs”, acrescentou.

De recordar que, uns dias antes do Supercopa files, Rubiales tinha dado conta de um ataque informático que tinha sido feito aos computadores e restantes equipamentos da Real Federação Espanhola de Futebol. “Tudo parece indicar que foi roubada informação de forma ilegal dos terminais privados do presidente e do secretário geral da RFEF”, garantia através de um comunicado o órgão que tutela o futebol no país vizinho, aludindo a uma campanha que tentava visar a sua Direção. “O citado meio [El Confidencial] disse ter recebido, através de terceiros, contratos confidenciais, conversas do foro privado de WhatsApp, emails e documentação sobre a gestão da RFEF. Assim, e sendo autêntico, isso supõe que houve o delito de revelação de segredos e de violação dos direitos fundamentais das pessoas atacadas”, acrescentou na mesma missiva.