A China recolhe órgãos para transplante em prisioneiros vivos, revela um estudo desenvolvido pela Universidade Nacional da Austrália e recentemente publicado no American Journal of Transplantation.
Nestes casos, a remoção do coração durante a colheita de órgãos deve ter sido a causa da morte do dador”, afirmou o principal autor do estudo, Matthew Robertson, citado pela Sky News. “Como estes dadores de órgãos só poderiam ter sido prisioneiros, a nossa descoberta sugere fortemente que os médicos na República Popular da China participaram na execução por remoção de órgãos”.
Os investigadores, Matthew Robertson e Jacob Lavee, analisaram cerca de três mil relatórios médicos (alguns datados de 1980) para compreender se os prisioneiros estavam em morte cerebral quando foi realizado o procedimento de remoção dos órgãos. Entre eles, encontraram 71 casos que referiam que o estado de morte cerebral não podia ser declarado, requisito legal para a operação ser efetuada (inclusive em Portugal). Acreditam, igualmente, que o número de vítimas mortais pode ser muito maior do que as identificadas.
Robertson explicou a conclusão do trabalho ao Medscape Medical News pela ausência de vestígios da realização do Teste de Apneia. A perplexidade ao ver os resultados foi tanta que o cirurgião cardíaco Lavee confessou à mesma publicação que pediu uma segunda tradução dos artigos científicos examinados.”Demonstramos pela primeira vez que os cirurgiões que realizaram estes transplantes atuaram como algozes“, disse, salientando que “o padrão não saiu de só um centro médico” — confirmaram o padrão em 56 hospitais (dos quais 12 militares).
A tradição chinesa crê na reencarnação e determina que uma pessoa morta seja enterrada sem mutilação, e são poucos os chineses que aceitam doar os seus órgãos. De acordo com dados de 2020 relativos às doações de órgãos, na China há 3,6 doadores por milhão de habitantes. Comparativamente a Portugal, por exemplo, há 24,8 doadores por milhão de habitantes.
Relativamente à legislação, é em 2007 que a China proíbe a recolha de órgãos para transplantação em pessoas vivas – à exceção de familiares dos doentes. A partir de 2015, devido às denúncias da comunidade internacional, inclusive dos Médicos Sem Fronteiras, apenas órgãos doados voluntariamente seriam usados para transplante.
No artigo “China steps towards an ethical organ donor system” de 2013 e publicado no The Lancet, são citados dados fornecidos pelo vice-ministro chinês da Saúde e responsável do Comité Nacional de Doações de Órgãos, Huang Jiefu, a partir dos quais se percebe que 35.760 transplantes de órgãos foram realizados na China entre 2009 e julho de 2013. Dois terços dos órgãos eram provenientes de doadores falecidos, “e tão recentemente quanto 2012, mais de 90% vieram de prisioneiros que foram executados“, lê-se ainda.
A lei deste país asiático continua a permitir a respetiva colheita em prisioneiros que foram executados. Inclusive, na recente investigação australiana há um depoimento de Huang Jiefu, quando disse a um órgão de comunicação social local: “eles [os presos] foram obrigados a doar”, acrescentando que: “Se os pais nem sequer aceitavam a pena de morte para os filhos, como poderiam consentir a doação de órgãos?”, segundo a tradução do El Español.
Esta prática posicionou a China, apelidaram algumas organizações de saúde, como um local de “turismo de órgãos”. É o caso do espanhol Óscar Garay, que viajou para a China e pagou 13 mil euros por um fígado, noticiava o El País em 2010.
Alvo principal dentro das prisões é o movimento Falun Gong
Não é a primeira vez que a política de transplantes da China preocupa a comunidade internacional. Várias acusações ao longo dos anos alegam, entre outras, que o país continua a executar prisioneiros para a colheita de órgãos.
China acusada de executar prisioneiros para tráfico de órgãos
A China é também regularmente acusada por membros da seita Falun Gong — proibida no país asiático — de se envolver na extração forçada de órgãos dos seus seguidores presos, algo que Pequim sempre negou categoricamente.
O Falun Gong é...
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O Falun Gong ou Falun Dafa é uma prática de culto da mente e do corpo, à semelhança do ioga, baseada na meditação.
Os seus praticantes procuram, através de vários exercícios, valores morais e a coordenação com a natureza através de princípios como a verdade, benevolência e tolerância. Valores que devem servir de base para o dia-a-dia dos seus membros.
Apesar de não adotar quaisquer atividades religiosas, como rituais ou adorações, a crescente popularidade do Falun Gong levou à repressão do Governo de Pequim. Em 1996 o grupo foi proibido bem como os seus livros. Mas em 1999 ocorreu o pico de maior tensão com forças policiais a agredirem violentamente, na cidade de Tianjin, centenas de praticantes de Falun Gong e detendo 45 pessoas.
O advogado Hamid Sabi instou uma investigação às evidências em 2019 às Nações Unidas. “Vítima por vítima e morte por morte, arrancar o coração e outros órgãos a pessoas vivas, inofensivas e pacíficas constitui uma das piores atrocidades massivas deste século“, citava-o a Reuters na época.
Em 2021, especialistas, que receberam mandato da ONU, disseram que tinham tido acesso a “informações credíveis” de que prisioneiros de minorias étnicas, linguísticas e religiosas são submetidos à extração forçada de órgãos na China, inclusive uigures, tibetanos e muçulmanos.
“Segundo as denúncias recebidas, os órgãos mais retirados dos presos são corações, rins, fígados, córneas e, mais raramente, pedaços de fígado. Essa forma de tráfico médico envolveria profissionais da área de saúde, inclusive cirurgiões, anestesistas e outros especialistas médicos”, explicaram em comunicado.
A China não divulga dados oficiais sobre o número de execuções de prisioneiros , mas, de acordo com a organização de direitos humanos Dui Hua, houve duas mil em 2018. Mais atualizados são os dados sobre os presos políticos: 45.868 em 2021. Aqui estão alguns membros do Falun Gong.
Da literatura, chegaram também gritos de alerta. O jornalista Ethan Gutmann escreveu o “The Slaughter: Mass Killings, Organ Harvesting, and China’s Secret Solution to Its Dissident Problem” (2014), livro no qual descreve o esquema “macabro” em que os órgãos são extraídos enquanto o coração da vítima ainda está a bater. Já no livro “Witnessing History: One Chinese Women Fight for Freedom e Falun Gong”, a ativista Jennifer Zeng, presa por seguir o movimento religioso, escapou à colheita. Disse ao médico do campo de trabalhos forçados onde estava detida que tinha hepatite C.