O primeiro-ministro admitiu que José Sócrates enganou o PS ao dizer que a mãe seria herdeira de uma fortuna da família, justificando assim os seus gastos. Esta consideração surge numa atualização da biografia de Mário Soares, do jornalista Joaquim Vieira, publicada esta quinta-feira com a revista Sábado. No livro, citado pelo Correio da Manhã, António Costa diz que Sócrates evitava “ter conversas cara a cara” com ele.
“Depois do que vi já, entretanto, e que o próprio Sócrates não desmente, concluo que ele, de facto, aldrabou-nos“, terá admitido António Costa, em referência ao Partido Socialista. José Sócrates reagiu a estas afirmações ao início desta tarde, querendo defender-se “dessas velhacas declarações de António Costa“. “Nunca menti a ninguém”, disse o antigo primeiro-ministro à TVI.
“Vi-me obrigado, durante a instrução do processo Marquês, a provar tudo aquilo que estou a dizer através das escrituras que entreguei e que estavam na Torre do Tombo, e que provam que a minha mãe teve três heranças, a maior das quais foi a herança do meu avô”, explicou José Sócrates. As palavras de António Costa, “apenas evidenciam a reserva mental com que a direção do PS sempre encarou o processo Marquês”.
As declarações de Costa foram dadas ao jornalista Joaquim Vieira em julho de 2021 (a propósito da biografia de Soares) numa conversa sobre a alegada herança que a mãe de Sócrates herdou do pai. Esta é a primeira vez que o primeiro-ministro fala, de forma tão direta, sobre a sua relação com José Sócrates.
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No livro, é possível conhecer um episódio em que Costa e Sócrates se encontraram, tendo Mário Soares participado na reunião para mediar a conversa, a pedido de Sócrates. Este encontro aconteceu em 2014, quando o antigo primeiro-ministro estava detido na cadeia de Évora. “Eu ia lá para falar com o José Sócrates pessoalmente e ouvir da boca dele o que tinha para me dizer, mas não consegui estar sozinho com ele. Aliás, nem falei com ele, praticamente (…) O Soares fez ali um comício contra a ‘injustiça’ e ‘a canalhice que isto é’, e o outro acrescentava que sim, que era tudo uma ‘canalhice’ e não sei quê”, terá dito António Costa.
E acrescentou: “O Soares não estava para ir naquele dia. Portanto, o Sócrates mandou-o ir: em primeiro lugar, porque nunca quis ter uma conversa cara a cara comigo e, em segundo lugar, porque me quis condicionar através do Soares. O que, aliás, só agravou mais as minhas suspeitas sobre a coisa toda“.
Já na tarde desta quinta-feira, numa entrevista à RTP3 por videochamada, José Sócrates considerou a declaração do atual primeiro-ministro sobre ter requisitado a presença de Mário Soares no estabelecimento prisional de Évora “uma mentirola”.
“Essa expressão: ‘ele mandou ir lá ter o Mário Soares’, como se eu mandasse ir lá ter o Mário Soares, ou alguém algum dia o fizesse. Isso é brejeiro, é mentira, é falso”; afirmou o ex-líder do Partido Socialista, que também enviou um comunicado às redações com um desmentido idêntico às declarações prestadas na televisão pública.
“Essa visita, tanto quanto me lembro, estava marcada só com o António Costa, mas apareceu o Mário Soares de surpresa, e o que é que haveríamos de fazer que não juntar Mário Soares à conversa”, acrescentou. “Agora, a ideia de que fui eu que organizei isso é mentira. Como se eu agora instrumentalizasse o Mário Soares ou lhe disse para ir lá…”
O antigo primeiro-ministro associou ainda o atual secretário-geral do Partido Socialista ao Ministério Público e considerou que ambos estiveram no mesmo lado “numa campanha de difamação” contra si.
“O PS sempre foi o partido da liberdade, mas no Processo Marquês esteve ao lado da infâmia, da campanha concertada do Ministério Público contra mim, uma campanha de difamação“, acusou. “Esteve ao lado dos abusos e, com o seu silêncio, esteve ao lado da distribuição viciada do juiz, ao lado da violação dos prazos de inquérito. Foi uma campanha de difamação que uns anos depois o primeiro juiz escolhido por sorteio, conforme as regras legais, veio a considerar que todas as acusações eram, e passo a citar: ‘fantasiosas, incongruentes e especulativas’.”
As acusações não ficaram por aqui. “Eu conheci o Manuel Pinho através do António Costa. Nunca tinha conhecido Manuel Pinho nenhum, foi através do António Costa, e foi muito antes de eu ser secretário-geral do PS, porque o Manuel Pinho já colaborava com o PS e com Ferro Rodrigues na definição da política económica do PS”, começou por explicar.
“Acontece que durante o Processo Marquês acusaram-me de ter inventado o nome do Manuel Pinho para satisfazer Ricardo Salgado, e isso não é verdade. O Manuel Pinho já trabalhava com o PS, nomeadamente com o António Costa.”
Questionado sobre um possível retorno à vida política do país, José Sócrates afirmou estar “empenhado na batalha do Processo Marquês”e que não pensa nessa possibilidade. “Mas isso não me dispensa de intervir politicamente quando achar que o deva fazer. Talvez todos aqueles no PS que compreendiam mal a minha posição, talvez agora compreendam melhor.”
O antigo secretário-geral do PS explicou ainda o motivo que o levou a abandonar o partido, tecendo críticas a Costa. “Afastei-me do Partido Socialista porque não podia tolerar que o partido fizesse aquilo que fez, pretendendo fazer uma condenação sem direito a defesa e a julgamento, e que agora é confirmado pelas declarações absolutamente manhosas, velhacas e malcriadas do próprio líder.”
Notícia atualizada às 16h30 com a reação de José Sócrates na entrevista à RTP3.