Pinto da Costa cumpre este sábado exatamente 40 anos da tomada de posse pela primeira vez como líder do FC Porto, já depois dos “festejos” iniciados no passado domingo que marcaram as quatro décadas da primeira eleição. E foi nesse âmbito que o presidente dos azuis e brancos concedeu uma extensa entrevista de 19 páginas à revista Dragões, onde abordou vários temas ao longo de todo este período de reinado que teve um enorme impacto não só na realidade do clube mas também do desporto nacional.

Dos treinadores que não conseguiu aos jogadores que mais custaram que saíssem, passando pela melhor contratação de sempre, pelas parecenças entre Sérgio Conceição e José Maria Pedroto e pelo centralismo que continua a apontar, foram várias as revelações deixadas por Pinto da Costa na entrevista.

Os dois treinadores que não conseguiu: Arsène Wenger e Mircea Lucescu

“Consegui contratar todos os treinadores que quis, exceto dois. Um deles foi o Arsène Wenger, que estava então no Mónaco e acreditava que viria a ser um grande treinador. Por intermédio do Luciano D’Onofrio, veio ao Porto, almoçámos no hotel Porto Palácio, na altura Sheraton, e ele aceitou vir para o FC Porto. Firmámos, inclusive, condições, porque ele estava convencido que o Mónaco o libertaria e que ele poderia vir, apesar de ter contrato por mais um ano. Mas, contrariamente ao que ele dizia, e nós chegámos a fazer o contrato dentro desse pressuposto, o Mónaco não autorizou, nem quis negociar. No ano a seguir surgiu o Arsenal e já não valia a pena estar a fazê-lo vir cá”, recordou Pinto da Costa.

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“O outro, o Mircea Lucescu, também esteve cá no Porto e toda essa história foi muito engraçada, porque ele ficou em casa de uma irmã do falecido e querido Reinaldo Teles, onde esteve escondido da comunicação social durante dois dias. A irmã do Reinaldo levava-lhe a comida, porque ele não saía para ninguém o ver, e fechámos contrato. Ele estava no Dínamo de Bucareste e dizia também que o clube o deixava sair, mas o Dínamo não só não permitiu a sua saída, como exigiu um dinheirão. Depois surgiu um clube italiano (Pisa) que pagou o que o Dínamo queria e ele foi. Ainda hoje me fala nesse episódio, porque quando cá esteve dei-lhe um emblema do FC Porto de brilhantes, que ele usa por vezes. Há tempos veio de férias a Portugal e trazia na lapela o emblema que lhe ofereci. Tive pena, porque, como veio a verificar-se, era um treinador com qualidade e em que eu acreditava”, acrescentou o líder dos portistas.

Futre e António Oliveira “extraordinários”, o melhor Madjer por “ser completo”

“Colocando assim a pergunta, para mim foi o Madjer. É subjetivo, depende do conceito que cada um tem do futebol. Se gosta de futebol ofensivo, naturalmente que vai escolher um avançado, se é adepto de um futebol mais defensivo, escolhe um defesa. Se calhar, nem se pode dizer que o Madjer foi o melhor. O que se pode dizer, sem medo de ser desmentido, é que o mais completo era o Madjer, porque ele jogava com o pé direito como jogava com o pé esquerdo, marcava livres com um ou outro pé, era agressivo, era rápido, jogava bem de cabeça, tinha um drible fantástico, não tinha defeitos… O Futre era extraordinário mas não era completo, o pé direito era só para subir para o autocarro… O António Oliveira era um jogador fabuloso mas de cabeça não tinha rentabilidade sequer parecida com a que tinha o Madjer”, assumiu.

Os cães de Branco, a hipótese Ronaldo e ainda o acordo com Romário

“Uma vez fomos a Génova contratar o Branco, que eu achava que iria ser, como de facto foi, um jogador extraordinário, que até jogou durante vários anos seguidos na seleção do Brasil. Fui eu e o Luciano, que na altura era o nosso diretor desportivo e lhe expôs as nossas condições, e o Branco só me falava nos cães. Resolver a questão do contrato era resolver o problema dos cães. Liguei então para o hotel onde estagiávamos, que era o Porto Palácio, e expus o problema ao diretor de lá, que resolveu o problema. O Branco não se preocupou absolutamente nada com o contrato, com o valor do contrato, só com os cães. E foi uma grande contratação, porque veio a revelar-se um jogador importantíssimo e fabuloso, além de ser uma pessoa fantástica”, referiu sobre a contratação do lateral brasileiro

“O Ronaldo, quando veio cá jogar, creio que no Torneio do Centenário do FC Porto, tinha ele 16 ou 17 anos. Ainda tentámos mas os valores já eram impossíveis. Outro, com quem cheguei a estar reunido em casa do Luciano D’Onofrio foi o Romário. Chegámos a ter acordo com ele mas depois o Vasco da Gama fez exigências que era incomportáveis para nós e, mais tarde, ele foi para o PSV e para o Barcelona”, frisou.

João Moutinho e a permanência pela operação ao coração

“Vítor Baía estava no auge e tinha consciência de que ia acontecer o que aconteceu, que íamos passar duas épocas a experimentar guarda-redes por não haver guarda-redes daquela categoria livres para poderem vir para o FC Porto. Custou-me pela saída do jogador e pelas consequências”, sintetizou.

“Houve outro que também tive muita pena de ver sair, que foi o João Moutinho. Na altura, o Jorge Mendes tinha negociado a saída dele para o Everton e achava que ele era um elemento muito importante – e veja que, passados tantos anos, ainda joga na Seleção Nacional – e um jogador influentíssimo de quem eu gostava muito. O João veio falar comigo e eu disse-lhe: ‘Olha, eu não quero que tu saias, compreendo que não temos possibilidades de acompanhar essa proposta e tu tens esse direito de sair, mas gostava que não saísses, porque amanhã vou ser operado ao coração.’ E fui, de facto. E havia pessoas que diziam que eu podia ir de vela, para os anjinhos. Por isso mesmo insisti: ‘Amanhã vou ser operado ao coração e gostava que tu estivesses cá quando eu acordar’. A questão ficou encerrada ali. ‘Presidente, acabou!’, respondeu-me ele. ‘Vá ser operado tranquilamente porque eu não saio por dinheiro nenhum.’ E ficou cá mais um ano, só no ano seguinte saiu para o Mónaco, numa grande operação financeira. O comportamento dele marcou-me tanto que tive imensa pena quando o vi sair – e aí já era impossível mantê-lo cá”, lembrou.

“Mesmo sendo diferentes”, Sérgio Conceição e Pedroto são “os mais parecidos”

“Sérgio Conceição e Pedroto? Acho que são os que têm características mais parecidas mesmo sendo diferentes. Um e outro viviam ou vivem o futebol 24 horas por dia. Eu cheguei a fazer férias no Algarve e, certa vez, fomos pescar para o mar e passámos a vida a fazer contas àquilo de que precisávamos e àquilo de que não precisávamos. No fim, a dona Cecília dizia: ‘Vocês só pensam no futebol, vocês sonham com o futebol!’. E nós respondemos:  ‘Não, nós não sonhamos com o futebol, nós queremos é ganhar! E para ganhar, não podemos adormecer’”, começou por contar Pinto da Costa da relação com Pedroto.

“Nisso acho que o Sérgio é o treinador mais parecido e mais obcecado por ganhar. Felizmente, porque isso não é uma censura, é um louvor. É também o que convive pior com a derrota, tal como o Pedroto. Perder deixava-o doente. Na forma como convive com os jogadores, o Sérgio também é o mais parecido. O mais semelhante ao Pedroto, embora tendo também características diferentes, é o Sérgio Conceição. Já escolhi treinadores que fizeram com que a restante Direção levasse as mãos à cabeça e me avisasse do fiasco que iria ser, como aconteceu, por exemplo, com o Artur Jorge. Ele mesmo sabia que havia no clube pessoas que achavam que era uma loucura contratá-lo”, acrescentou ainda sobre o mesmo tema.

A descentralização “que é só para enganar” e o “rio poluído” na Câmara

“Em termos de centralismo, hoje estamos pior do que em 1982. A esperança é a última coisa que morre, mas com estes artistas não acredito que eles sintam a obrigação de cumprir a Constituição. A minha esperança, pelo menos para os meus tempos, é muito ténue. Mas está na Constituição! E todos falam nela mas é para enganar o pagode, porque ninguém a quer e porque todos eles querem o centralismo em Lisboa. Estou convencido de que, se eles pudessem acabar até com Cascais, Oeiras e Barreiro, acabava tudo, era só Lisboa”, abordou sobre outro dos temas transversal às quatro décadas de liderança.

“Apesar de estar na Constituição, creio que não temos gente suficientemente cumpridora para não dizer outra coisa, para levar isso para a frente. Vão continuar a enganar-nos com a descentralização, vão pôr uma secretaria de Estado em Bragança, em Vila Real, em Castelo Branco ou na Covilhã, ficam todos muito contentes e depois é como uma instituição do Estado que tem sede do Porto, mas não está lá ninguém, está tudo em Lisboa. Se quiser ir lá levantar um papel não tem, só se for papel para outras coisas. Com estes governantes não acredito, vão continuar a enganar-nos com a descentralização (…) Felizmente, tirando o período negro em que o rio estava poluído, temos tido ótimos presidentes de Câmara e cada vez mais me orgulho do Porto atual e, tenho a certeza, do Porto futuro”, acrescentou a esse propósito.

Sem preferências sobre o sucessor olhando para os maus exemplos de outros

“Isso é impensável e nunca mais vai acontecer. Uma coisa é haver transições pacíficas, não é dizer o presidente que está há 40 anos é que vai escolher o presidente. Ah, isso podem ter a certeza que não é, porque eu não vou tomar partidos por ninguém. Isso era dividir o clube. Era transformar a minha gerência numa fação e isso não quero. Sou presidente de todos, porque luto por todos, não vou nunca dizer que acho que deve ser este. Noutro dia perguntaram: ‘E a sucessão?’. Eu disse: ‘Se fosse uma monarquia, estava preocupado porque tinha de preparar o meu filho. Se isto fosse meu, estava preocupado porque o negócio era meu’. Estou aqui apenas a correr, é uma corrida de estafetas em que levo o testemunho para entregar a quem aparecer à minha frente eleito pelos sócios. Não vou dizer que apoio este ou aquele, posso ter a minha convicção quando aparecerem candidatos mas nunca direi votem neste ou naquele”, disse.

“Há uma coisa que verifico e que é normal: uma campanha eleitoral como tem acontecido noutros clubes deixa sempre marcas, deixa sempre divisões. Uma coisa é dizer-se que um sócio do FC Porto não gosta do presidente, está careca ou é um bocado chato, não gosta… Isso é uma coisa. Agora, tenho a certeza que não há nenhum portista que não queira que o FC Porto ganhe, não há um portista que não fique feliz quando o FC Porto ganha um jogo, seja ele qual for. Verifico que, fruto das guerras eleitorais em que se atinge coisas inadmissíveis, ficam marcas. E por mais que as pessoas digam que é como nos partidos, que vamos unir… Unidos? A primeira coisa, lá está, é um para cada lado a dizer que o outro não presta. É a mesma coisa que as lutas eleitorais. Por que é que o PS mantém estável no governo e ganha eleições com maioria? Porque o líder não tem contestação, os socialistas estão com o líder, apoiam o líder e estão dispostos a colaborar. Penso que é bom a estabilidade”, exemplificou com um olhar sobre a política.

“Tivemos o caso de Bruno de Carvalho que até foi expulso de sócio. Os sócios é que o expulsaram. Não sou do Sporting, não tenho nada a ver com o Sporting nem quero. O Bruno de Carvalho não ganhou no futebol, mas ganhou todos os títulos em todas as modalidades. Nem FC Porto nem Benfica puseram a mão no prato no que quer que fosse. Ganhou em andebol, basquetebol, hóquei,… E fez uma coisa que o Sporting não tinha, que foi um pavilhão. Todos disseram que ele era maluco quando disse que ia fazer um pavilhão e certo é que fez. Ganhou as modalidades todas e foi expulso de sócio. Isto não contribui nada, pode contribuir durante algum tempo para uma paz”, recordou Pinto da Costa.