As metas do défice e da dívida pública que estão previstas na proposta de Orçamento do Estado para 2022 são “passíveis de atingir“, afirma o Conselho das Finanças Públicas (CFP). Mas só será possível atingir esses objetivos se “não se materializarem a totalidade dos riscos descendentes” que são identificados e enumerados pelo organismo independente liderado por Nazaré da Costa Cabral, que sublinha que só pela retoma e pelo fim das medidas Covid o défice cairia quatro vezes mais do que prevê o Governo.

Na análise mais aprofundada da proposta de Orçamento do Estado para 2022, que será discutida no final desta semana na Assembleia da República, o CFP nota que se prevê um défice de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), menos 0,9 pontos percentuais do que no ano anterior. Já a dívida pública (bruta) deverá baixar de 127,4% do PIB em 2021 para 120,7% no final de 2022.

“Globalmente, a análise efetuada pelo Conselho das Finanças Públicas aponta para que os objetivos de saldo orçamental e de dívida pública sejam passíveis de atingir, assim não se materializem a totalidade dos riscos descendentes também identificados”, afirma o CFP.

2022 será o primeiro ano em que se prevê uma execução expressiva do PRR (1,4% do PIB) e um PIB em volume que superará o valor atingido antes da pandemia. Contudo, a pandemia e o choque geopolítico decorrente da invasão da Ucrânia terão um impacto considerável nas finanças públicas”, diz o CFP.

Para a redução do défice orçamental muito contribuirá a retoma progressiva da atividade económica e a eliminação de grande parte das medidas de emergência adotadas na resposta à crise pandémica. A  dimensão do efeito destes dois fatores no saldo ascende a 6.815 milhões de euros, mais do quádruplo da melhoria de 1.576 milhões de euros que o Ministério das Finanças prevê para o saldo orçamental em 2022.”

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Ou seja, só pelo efeito da retoma económica e a retirada (prevista) das medidas Covid, as contas públicas teriam uma melhoria de 6.815 milhões, mas a redução do défice ambicionada pelo Governo corresponde, em termos nominais, a apenas uma fração desse valor (1.576 milhões).

Com efeito, a elevada dimensão daqueles dois fatores mostra-se mais do que suficiente para compensar não apenas a variação do impacto negativo no saldo das medidas one-off (1.171 milhões de euros) como também o impacto desfavorável no saldo das medidas discricionárias de natureza permanente (2.610 milhões) e de resposta ao choque geopolítico (1.125 milhões) explicitadas pelo Governo na POE/2022″, assinala o CFP.

No que diz respeito à inflação, o CFP diz que “sendo 2022 o primeiro ano de um processo inflacionista não totalmente antecipado, o saldo orçamental tende a melhorar no muito curto prazo por via de vários mecanismos que, contudo, rapidamente se esgotam“, acrescenta o organismo.

Contas públicas. Como é que a inflação ajuda e, depois, prejudica?

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O CFP nota que estamos a viver “um processo inflacionista não totalmente antecipado”, o que faz com que “o saldo orçamental tende a melhorar no muito curto prazo por via de vários mecanismos que, contudo, rapidamente se esgotam”.

Que mecanismos são esses? “Trata-se, por exemplo: da reação automática da  receita de IVA à subida do preço dos bens e serviços consumidos pelas famílias; da não atualização dos escalões (não desdobrados) de IRS; de um  aumento pré-determinado dos vencimentos dos funcionários públicos; da aquisição de bens e serviços por parte da administração pública que beneficia por algum tempo do preço de contratos fixados anteriormente”.

Porém, “no médio prazo, a inflação irá necessariamente provocar uma pressão significativa na despesa pública: o custo das novas colocações de dívida pública subirá; a evolução das pensões em 2023 depende de uma  fórmula legal que tem em conta o IPC e a evolução do PIB; as negociações  salariais serão pressionadas pela perda de poder de compra em 2022; os novos contratos de aquisição de bens e serviços refletirão preços  necessariamente mais elevados; os próprios concursos para investimentos suportados pelo PRR sofrerão o impacto, o que se pode traduzir num menor volume de investimento para os mesmos fundos”.

“Todos estes efeitos vão criar pressões sobre o próximo Orçamento do Estado para 2023”, conclui o CFP.

E quais são esses “riscos descendentes” para a execução orçamental? O CFP resume os principais riscos da seguinte forma:

  • A incerteza sobre a duração e a escalada do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, “cujas consequências poderão implicar um impacto de magnitude superior ao previsto pelo Governo nas medidas de mitigação que pretende implementar em 2022 ou determinar a adoção de medidas adicionais”;
  • O possível “surgimento de novas variantes da Covid-19 que, não obstante os progressos na vacinação e controlo da  doença, poderão retardar a redução e eliminação das medidas relacionadas com a pandemia, penalizando a recuperação do equilíbrio orçamental”;
  • Uma eventual “ativação das garantias do Estado concedidas no âmbito de algumas das medidas de resposta à crise pandémica e ao choque geopolítico, nomeadamente linhas de crédito a empresas”;
  • Uma “sobrestimação das poupanças e ganhos de eficiência a obter no âmbito do exercício de revisão de despesa”;
  • Também as “responsabilidades relacionadas com pedidos de reposição do equilíbrio financeiro e ações arbitrais submetidas por concessionárias e subconcessionárias no âmbito de projetos de Parcerias Público-Privadas (PPP) que impliquem uma despesa superior à considerada na Proposta de Orçamento do Estado/2022”;
  • O risco de ter de haver “transferências adicionais para o Novo Banco ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente”;
  • E, finalmente “a eventualidade de a TAP poder necessitar de apoios financeiros superiores aos considerados pelo Ministério das Finanças na Proposta de Orçamento do Estado/2022 em contas nacionais”.

O CFP deixa, também, uma crítica à importância que é dada ao Orçamento do Estado anual. “Em resultado a ausência de uma orçamentação verdadeiramente plurianual, o Orçamento anual do Estado mantém-se como epicentro da nossa práxis orçamental, continuando a sobrevalorizar-se o seu papel face ao que seria suposto no quadro de aplicação estrita da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) vigente: os decisores orçamentais continuam a imputar sistematicamente a este documento anual as grandes opções de política económica que, nos termos daquela mesma Lei, deveriam ser partilhados  com instrumentos plurianuais“, atira o organismo.

“Urge reconhecer que a política orçamental (e todas as políticas que lhe estão a montante) tem ou deve ter uma dimensão de médio prazo, ou seja, uma dimensão plurianual, e que é em torno dessas opções que o grande debate político se deveria fazer”, critica o Conselho das Finanças Públicas (CFP).