A Catedral de Notre-Dame já foi muitas vezes recriada ou filmada no cinema (recordemos apenas as várias versões de “O Corcunda de Notre-Dame”, segundo o livro de Victor Hugo, ou o recente “Notre-Dame de Paris”, de Valérie Donzelli) e também na televisão, mas é a protagonista de “Notre-Dame em Chamas”, de Jean-Jacques Annaud, pelas piores razões: o grande incêndio que a atingiu no dia 15 de Abril de 2019, e que causou muitos e graves danos (dois terços do templo foram devastados pelas chamas), embora os bombeiros a tenham conseguido salvar da destruição.

Posto perante a proposta de fazer um documentário sobre o incêndio usando só imagens de arquivo, o realizador de “O Nome da Rosa” e “O Amante” preferiu levar a cabo uma recriação dramatizada do acontecimento que fosse simultaneamente espectacular, emocionante e fiel à realidade (com duas ou três pequenas liberdades pelo meio). Combinou assim imagens feitas na altura com sequências que filmou noutras catedrais francesas, no interior do templo já em fase de restauro, e também em estúdio, recorrendo aqui à construção de uma maqueta de Notre-Dame em grande escala a que pegou fogo, em vez de lançar mão apenas de efeitos digitais para a reconstituição do sinistro.

[Veja o “trailer” de “Notre-Dame em Chamas”:]

Jean-Jacques Annaud quis também mostrar com o máximo de rigor e detalhe o que foi contado pelos media sobre o incêndio após ser extinto mas ninguém viu, porque todas as imagens do fogo foram feitas à distância e nenhuma televisão pôde na altura aproximar-se da catedral ou entrar nela. A confusão inicial com os alarmes de incêndio, as peripécias dentro do templo já em chamas, caso do salvamento contra-relógio das relíquias de Cristo, que teve aspetos tragicómicos, e o extraordinário trabalho dos bombeiros, os heróis coletivos do filme, que impediram a destruição total da catedral com uma acção tão arriscada que podia ter custado a vida ao pequeno grupo de homens que a executaram. 

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[Veja imagens da rodagem em estúdio:]

O realizador só se abstém de adiantar uma tese sobre a origem do incêndio, apresentando apenas, no início da fita, algumas hipóteses (erro humano, curto-circuito provocado por um pombo, problemas no envelhecido circuito elétrico da catedral, um composto de todos estes), mas não deixa de frisar que havia problemas técnicos e falhas de manutenção nos sistemas de segurança e de eletricidade de Notre-Dame. O filme tem o “suspense” e a intensidade de um “thriller”: sabemos que no final o incêndio vai ser debelado, o que não nos impede de vibrar com a sequência dos acontecimentos. O recurso à maqueta da catedral dá mais realismo à reconstituição do incêndio e apenas a banda sonora é por vezes intrusiva e redundante, reiterando sem necessidade a informação e a emoção das imagens. Em tudo o resto, “Notre-Dame em Chamas” é um filme conseguido.