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Catarina Campos e Melissa Sousa levam a dança contemporânea a um recreio

Este artigo tem mais de 2 anos

Fazem parte de uma nova geração de criação na dança contemporânea e estreiam em Gaia “Playground”, uma peça que se apodera de jogos para questionar as fronteiras entre o que é ser adulto e criança.

O lado infantil e as emoções estão presentes em palco através da interação dos quatro bailarinos
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O lado infantil e as emoções estão presentes em palco através da interação dos quatro bailarinos

O lado infantil e as emoções estão presentes em palco através da interação dos quatro bailarinos

Catarina Campos tem 35 anos, nasceu em Santa Maria da Feira e queria ser jogadora de futebol. “Como não existiam clubes femininos, a dança acabou por ser uma alternativa à minha necessidade de movimento. Com 13 anos entrei na academia All About Dance, um hobby que levava muito a sério e que se tornou bastante exigente”, começa por explicar a bailarina e coreógrafa ao Observador.

Foi a imitar os passos e as piruetas que via nos videoclips das canções de Missy Elliott ou de Michael Jackson que Catarina entrou no universo da dança urbana, do hip-hop e do house. “Copiava o que chegava até mim e na altura achava que estava a dançar hip-hop, mas há uns três anos percebi exatamente o que é essa cultura e hoje não me considero bailarina de hip-hop. Claro que está na minha base, mas sinto-me aberta a outros vocabulários.”

Longe de imaginar que a arte poderia ser mesmo a sua profissão, estudou arquitetura e até chegou a trabalhar na Suíça, mas de regresso a Portugal decide focar-se inteiramente na dança, partindo depois para Paris para se formar em danças urbanas. Em 2013, conhece Melissa Sousa quando esta dirige um workshop de dança em Santa Maria da Feira e a cumplicidade foi imediata. “Ela incentivou-me a conectar-me com a dança de uma maneira que eu não conhecida, explorando o lado mais freestyle e de improvisação. Acho que não me sentia capaz de desenvolver a minha dança a esse nível e ela ajudou-me a ter contacto com outras culturas e outros bailarinos.”

Conheceram-se em Santa Maria da Feira num workshop de dança, perceberam que tinham em comum a vontade de criar, juntando a dança de rua ao contemporâneo

Melissa nasceu em Caracas, na Venezuela, e descobriu cedo a dança na rua. “Aos seis anos ia para a rua treinar com uma crew, foi com eles que vim a Portugal pela primeira vez participar numa competição no Porto, em 2010. Esse foi o meu primeiro contacto internacional, a partir daí comecei a criar relações de amizade e vínculos profissionais”, recorda a bailarina e coreógrafa.

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Forçada pelo contexto político e social que atualmente se vive na Venezuela, Melissa concorreu a bolsas de estudo com a intenção de “sair o mais rapidamente do país” e aos 17 anos voou para Nova Iorque para estudar danças urbanas. “Foi um grande choque cultural, era muito nova e estava sozinha nesta aventura, não tinha referências. Fui trabalhando para me poder sustentar e criei muitos laços com portugueses, com quem sempre senti uma conceção grande com a cultura do país. Como estava saturada daquele estilo de vida, em 2015 decidi vir para Portugal fazer uma pausa, mas essa pausa tornou-se enorme.”

Um encontro e uma vontade em comum: levar a dança urbana para o palco

A bailarina venezuelana chegou ao Porto, onde já tinha amigos, com a intenção dar a conhecer o seu trabalho, promovendo as suas aulas e participando em competições e battles, mas rapidamente percebeu que não se concretizava apenas como intérprete, mas também como criadora. Em 2017, lançou o Festival Loop, evento pioneiro em levar as danças urbanas para cima do palco, abrindo um caminho que “ainda não existia”.

“Senti a necessidade de criar uma plataforma que desse visibilidade a este tipo de danças, no fundo queria tirá-las da marginalização e trazê-las para um palco um pouco mais formal que normalmente só acolhe criações de dança clássica ou contemporânea. Mesmo essas criações bebem muito desta fonte, destas danças sociais. Era preciso dar protagonismo a uma dança que também tem bases, fundamentos e pesquisa, não é de todo uma coisa à parte.”

"Playground" estreia-se este sábado em Vila Nova de Gaia e segue depois para Mértola

Em 2018 juntou a Catarina para um dueto, “Bownd”, onde juntas abordaram uma linguagem de dança urbana contemporânea com detalhes de hip-hop e house.

“Agora começa-se a reconhecer que estas danças também tem fundamento e profundidade e que estão muito ligadas à emoção, à expressão, à ação de reivindicar alguma coisa, inclusive a própria identidade, e isso traz uma força belíssima ao movimento.”

As duas bailarinas acreditam que a criação se faz “sem etiquetas” partindo de vários estilos e referências e talvez seja por isso que se complementam no processo criativo. Se Melissa é mais intuitiva e testa infinitamente os materiais, Catarina gosta de caminhos mais claros e definidos e sente dificuldade em distanciar-se dos espetáculos nos quais dirige e também é interprete. “Colidimos muito, mas isso também é um ponto positivo para criarmos. A partir do momento em que experimentamos a ideia de uma e de outra, percebemos logo o que queremos, o que funciona e o que resulta.”

Cordas, palmas e cânticos: um recreio com jogos, onde a dança é ao ar livre

No início de 2018, Catarina e Melissa foram convidadas a criar em conjunto num laboratório coreográfico em Vigo e durante uma conversa a ideia de saltar à corda surgiu “muito naturalmente”. “Percebemos que a corda é o objeto e o jogo que mais une gerações. O próprio hip-hop apropriou-se do que as meninas negras tinham para brincar na rua, sendo a corda um desses objetos, assim como os jogos percussivos de palmas e cânticos”, sublinha Catarina, acrescentando que as possibilidades a nível performativo são muitas, uma vez que existem “jogos interculturais que repercutem muito o estado social e político”.

A corda foi o ponto de partida para a ideia de "Playground", uma peça que tem tanto de rua como de contemporâneo

“A peça é sempre uma viagem entre dança e jogo, jogo e dança, é um recreio que se abre muito. O universo infantil está presente no material e no corpo, mas depois o que está a acontecer não é assim tão infantil. Para nós faz sentido levantar a questão de muitas vezes associarmos o racional ao adulto e o emocional à criança, na verdade somos isso tudo. Criança e adulto são só conceitos, é só idade e experiência de existência.

Já para Melissa a peça, à qual deram o nome de “Playground”, é uma simbiose entre a ideia de jogo como mecanismo de defesa, mas também como método de confrontar assuntos pessoais, como as histórias de infância, onde a memória e o trauma estão presentes. Com ritmos e intenções diferentes, a interação entre os quatro intérpretes em palco — Catarina Campos, Ivana Duarte, Melissa Sousa e Nelson Teunis — não tem rótulos nem uma mensagem “embrulhada”. “Há pequenos desafios que são feitos quase ao vivo num convite reflexivo”, destaca a bailarina. “Exploramos a importância do jogo enquanto motor de construção identitária porque quando somos adultos deixamos a descoberta, a curiosidade e o questionamento. Tudo isto faz parte de estar vivo e de estar presente.”

“Playground” estreia este sábado no Auditório Municipal de Gaia, inserido na programação do Festival Dias da Dança, onde fica até domingo, seguindo depois para Mértola, a 7 de maio.

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