A Caixa Económica Montepio Geral admitiu esta quarta-feira, no Tribunal da Concorrência, que houve violação de normativos no processo em que foi multada em 475.000 euros pelo supervisor, mas contestou que tenham constituído infrações e que tenha existido dolo.
Nas disposições introdutórias que marcaram o início do julgamento dos recursos do Montepio e três ex-administradores às coimas de 620.000 euros aplicadas pelo Banco de Portugal (BdP) por incumprimentos quanto a investimentos, nomeadamente em dívida da PT Finance, o mandatário da CEMG afirmou que, apesar de terem existido procedimentos incorretos, estes foram pontuais e corrigidos assim que detetados.
“Não há sistemas imunes ao erro humano”, afirmou João Matos Viana, criticando o Banco de Portugal (BdP) por não ter ele próprio detetado nem procurado resolver a situação na relação de supervisão com a CEMG, optando por punir a instituição que a detetou e corrigiu.
Alegando que “o sistema funcionou”, o advogado considerou não se justificar a aplicação de coima, dado o seu fim preventivo.
No processo, que corre no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), multada em 475.000 euros pela prática de sete contraordenações (CO) a título doloso, o seu antigo presidente António Tomás Correia (70.000 euros por quatro infrações, três a título negligente e um doloso) e os ex-administradores Jorge Barros Luís (50.000 euros por três CO a título negligente) e João Neves (25.000 euros por uma CO a título negligente) recorrem da decisão do BdP de outubro de 2021.
Em causa está, nomeadamente, o investimento em duas obrigações ‘Credit Linked Notes’ (CLN) emitidas, uma pelo Crédit Agricole e outra pela Morgan Stanley, sobre a Portugal Telecom International Finance (PTIF), no montante total de 75 milhões de euros, às quais estavam agregados contratos de swaps de risco de incumprimento (Credit Default Swap, CDS), no mesmo valor, em que a CEMG assumia a proteção da emitente.
Na sua decisão, o BdP considerou que o investimento nas duas CLN gerou uma exposição elevada ao risco de crédito dos emitentes e à PTIF, no montante de 75 milhões de euros, e que as características muito particulares destas operações exigiam dos diversos intervenientes um cuidado diferenciado.
Entre as imputações feitas à CEMG, a título doloso, encontram-se contraordenações por incumprimento quanto à contabilização de resultados por operações financeiras e do dever de assegurar um sistema de controlo interno adequado ao acompanhamento dos riscos.
Foi, ainda, imputado, entre outros, incumprimento do dever de registo contabilístico separado dos contratos CDS enquanto derivados embutidos em instrumentos financeiros e do dever de reporte de exposição superior a 10% dos fundos próprios, por não refletir a exposição total à PTIF como um grande risco.
Em causa está, igualmente, a relevação contabilística da CEMG dos ganhos e resultados de operações de compra e venda de dívida pública em que não observou a ordem de antiguidade cronológica de compra, registando um resultado operacional superior àquele que teria sido apurado se tivesse observado a respetiva política contabilística.
Segundo a acusação, ao vender quase todas as Obrigações de Tesouro que tinha em carteira, em 2014, a CEMG realizou melhores resultados do que devia nas operações iniciais e piores resultados nas subsequentes, contrariamente ao que é exigido.
A CEMG admite ter havido um incumprimento da regra que determina a venda por ordem de antiguidade, mas em período inferior ao constante da acusação, e invoca não ter havido intencionalidade.
Nas suas contestações, reafirmadas hoje a CEMG e Tomás Correia afirmam, nomeadamente, que o BdP sancionou a violação pontual e isolada de normas internas estabelecidas pela própria instituição, não estando em causa o dever de implementar e manter em vigor um sistema de controlo interno de riscos adequado à sua atividade, como consta da decisão.
Matos Viana afirmou que irá demonstrar que o banco se encontrava, na altura dos factos em causa, num processo de alinhamento de sistemas para acabar com o cálculo título a título que era feito manualmente.
Alexandre Mota Pinto, advogado de Tomás Correia, afirmou que o ex-presidente do Montepio apenas tomou conhecimento dos factos deste processo cinco anos depois de cessar funções, tendo, na altura, sido comunicada apenas a realização do investimento em CLN da PT “sem detalhes”, dado que a Direção Financeira Internacional tinha autonomia neste tipo de decisão.
O advogado lembrou que Tomás Correia já foi julgado e condenado num outro processo, embora com redução substancial da coima, por infrações de normas de controlo interno, alegando violação do princípio “ne bis in idem” (segundo o qual ninguém pode ser punido ou submetido a novo julgamento por factos pelos quais já foi julgado).
Nas suas declarações iniciais, o advogado de João Neves afirmou que, durante o julgamento, vai procurar demonstrar por que o seu cliente “não devia estar aqui”, salientando o facto de a acusação do BdP apenas lhe dedicar 27 das cerca de 2.000 páginas.
Segundo Tiago Geraldo, João Neves não podia à data ter sabido do erro no registo contabilístico das CLN e CDS relativos ao investimento na dívida da PT, sendo “simples” a defesa da única contraordenação que lhe é imputada, a título negligente.
João Neves pediu para ser ouvido pelo TCRS, numa audição que decorrerá hoje à tarde.