Duas das melhores equipas do mundo. Um clube com 13 Ligas dos Campeões, outro que ainda procura a primeira. Sete golos. Muitos dos jogadores mais talentosos da atualidade. Um treinador com 62 anos, outro com 51. A primeira mão da meia-final da Champions entre o Manchester City e o Real Madrid no Etihad, na semana passada, foi largamente considerado o melhor jogo de toda a temporada — e o segundo e decisivo capítulo estava marcado para esta quarta-feira, no mítico Santiago Bernabéu. 

Com os ingleses a levarem para Espanha uma vantagem mínima que deixava antecipar que nada, absolutamente nada, podia estar decidido, tanto Manchester City como Real Madrid já sabiam à partida que um apuramento para a final significava um cruzamento com o Liverpool em Paris no próximo dia 28 de maio. A equipa de Jürgen Klopp eliminou o Villarreal, garantiu a presença na final da Liga dos Campeões pela terceira vez em cinco anos e ficou à espera do adversário que sairia da capital espanhola.

O futebol é uma arte, entre o génio de De Bruyne e um genial Benzema (a crónica do Manchester City-Real Madrid)

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As semanas de Manchester City e Real Madrid, porém, foram ligeiramente distintas. Os citizens golearam o Leeds e mantiveram a liderança da Premier League, os merengues golearam igualmente o Espanyol mas para se tornarem desde já campeões, conquistando a liga espanhola pela 30.ª vez. Em comum, contudo, Pep Guardiola e Carlo Ancelotti tiveram a quase óbvia decisão de poupar alguns dos habituais titulares — como Bernardo e De Bruyne de um lado e Benzema e Vinícius do outro.

Para Guardiola, o City não podia confiar na exibição da primeira mão. “Nestes jogos, há momentos de controlo, momentos de transição. Não serão 90 minutos iguais. Na primeira mão poderíamos ter conseguido um resultado melhor mas sabíamos que a eliminatória seria decidida em ambos os jogos. Para eliminares o Real Madrid tens de te sair bem na primeira e na segunda mão”, disse o catalão. Para Ancelotti, o Real teria de confiar no apoio dos adeptos. “Cada jogo tem uma história diferente. Eles têm a vantagem da primeira mão e a nós cabe-nos fazer melhor. Acredito que é muito difícil mas depois de vencermos o campeonato e com o apoio do Bernabéu, sei que podemos conseguir”, disse o italiano.

Assim, esta quarta-feira, Guardiola lançava De Bruyne, Rodri e Bernardo no meio-campo, Foden a Mahrez a completar o trio ofensivo com Gabriel Jesus e João Cancelo na esquerda da defesa, com Kyle Walker no lado contrário e Rúben Dias como capitão. Já Ancelotti escolhia Valverde e Vinícius no apoio a Benzema, os habituais Casemiro, Kroos e Modric no setor intermédio e deixava Alaba no banco — sendo que o austríaco chegou a estar em dúvida, por lesão, e era substituído por Nacho ao lado de Éder Militão.

Numa primeira parte que acabou sem golos, o Real Madrid procurou empatar a eliminatória muito cedo e teve duas oportunidades para o fazer, com o inevitável Benzema a cabecear por cima (4′) e a falhar novamente o alvo depois de um passe de Valverde (12′). O avançado uruguaio, que descaía na direita do ataque, ia demonstrando ser uma aposta certa de Ancelotti ao provocar os principais desequilíbrios através de combinações com Carvajal e incursões por espaços interiores. O Manchester City sobreviveu à entrada mais acérrima dos espanhóis e começou a responder à passagem do quarto de hora inicial, com De Bruyne a obrigar Courtois a uma defesa apertada (15′) e Bernardo a ver o guarda-redes belga roubar-lhe o golo com uma enorme intervenção (20′).

O médio internacional português era o maestro por onde passava todo o jogo dos ingleses e tanto investia no corredor central como tombava nas alas para criar superioridade — algo que ficou particularmente visível num lance em que Gabriel Jesus acabou por rematar ao lado depois de um toque de De Bruyne (23′). Até ao intervalo, com a partida a entrar numa fase mais anárquica e intensa, Foden ainda rematou de fora de área para mais uma defesa de Courtois (40′) e Kyle Walker, na direita da defesa do City, ia demonstrando com velocidade e duelos ganhos a Vinícius o porquê de ter sido o escolhido de Guardiola para aquela posição.

O Real Madrid arrancou a segunda parte com um lance ensaiado — e extraordinariamente bem executado à exceção da finalização — mas Vinícius, com a baliza quase deserta pela frente, atirou ao lado e falhou a oportunidade de empatar a eliminatória logo após o intervalo (46′). Os merengues voltaram do balneário a assumir claramente a dianteira da partida, até de forma necessária, e iam deixando o City cada vez mais desconfortável e até sem capacidade para sair do próprio meio-campo de forma constante.

Contudo, a partir da hora de jogo, o Real Madrid quebrou: fisicamente, animicamente e até espiritualmente. Os espanhóis deixaram de conseguir pressionar, entregaram a bola ao adversário e permitiram que a equipa de Guardiola controlasse as ocorrências, algo que faz de forma exímia. Carlo Ancelotti tentou agitar as águas a 20 minutos do fim, ao lançar Rodrygo para o lugar de Kroos, e Kyle Walker acabou por sair com dificuldades físicas para deixar entrar Zinchenko, forçando a passagem de João Cancelo para o lado direito. Até que, em pleno Santiago Bernabéu, Bernardo decidiu fazer a diferença: recebeu no corredor central, avançou, viu Mahrez onde mais ninguém o viu e o argelino, com um pontapé de primeira e certeiro, abriu o marcador (73′).

Mas, quando já todos escreviam sobre um duelo de Premier League na final da Liga dos Campeões, quando já todos escreviam sobre a segunda ida consecutiva do Manchester City à final da Liga dos Campeões, quando já todos escreviam sobre a monumental exibição de Bernardo Silva rumo à final da Liga dos Campeões, o Real Madrid fez o que sabe melhor: foi o Real Madrid. Rodrygo empatou o jogo com um desvio após uma assistência soberba de Benzema (90′) e, já dentro dos descontos e com os ingleses completamente desnorteados, atirou a eliminatória para prolongamento com um cabeceamento depois de um cruzamento de Carvajal (90+1′).

No prolongamento, apareceu o xeque-mate. Rúben Dias fez falta sobre Benzema no interior da grande área de Ederson e o próprio francês, na conversão da grande penalidade, deu a volta à eliminatória (95′) e atirou o Real Madrid para a final da Liga dos Campeões (3-1, 6-5 no conjunto das duas mãos). Carlo Ancelotti quis alavancar o quase impossível na História, na tradição e nos mitos — e conseguiu. Ser o Real Madrid é estar na final da Liga dos Campeões. Facto.