São 121 obras realizadas por Julião Sarmento desde a década de 60 até 2021 e não só oferecem pela primeira vez uma visão abrangente do percurso do artista como também da história recente da arte portuguesa, de que Sarmento foi nome cimeiro (“o pai de toda a arte contemporânea” nacional, qualificou o historiador de arte e amigo Pedro Lapa, quando da morte do artista, em maio do ano passado).
A exposição leva o título de uma das peças apresentadas: “Abstracto, Branco, Tóxico e Volátil” e abre ao público nesta quinta-feira no Museu Coleção Berardo, em Lisboa, mantendo-se até ao fim do ano.
A curadoria é assinada pela historiadora Catherine David, que já foi diretora-adjunta do Centro Pompidou e dirigiu a exposição quinquenal Documenta de Kassel. Presente numa visita guiada para jornalistas nesta terça-feira, Catherine David contou que conheceu Julião Sarmento no fim da década de 80, quando o convidou para a coletiva “Lusitanies”, em Albi, França.
“Esta não é uma exposição retrospetiva, no sentido de ser post-mortem, mas sim retro-prospetiva, de um artista vivo que observa um longo percurso”, explicou a curadora, que se expressou em francês.
Morreu Julião Sarmento, “pai de toda a arte contemporânea” portuguesa recente
Segundo Rita Lougares, diretora artística do Museu Berardo, a mostra organiza-se não por ordem cronológica mas por blocos lógicos, séries de trabalhos. “Uma sequência de descoberta, porque o fator surpresa era fundamental para ele”, apontou. É assim que uma das primeiras obras, junto à entrada, é de 2007 (a escultura “Film Noir With Carpet”), imediatamente seguida de peças dos anos 2000. São 18 salas, com o respetivo número assinalado no chão.
Há muita pintura e fotografia, algum vídeo, algumas escultura, vários desenhos. Não faltam obras célebres, como “Silver Lake Pink Flowers”, de 2007, muito próxima da art pop e da cultura anglo-saxónica, que o influenciou; séries fotográficas de 1975 e 1976 que revelam bem a vertente erótica tantas vezes associada a Julião Sarmento; ou ainda “Noites Brancas”, de 1982, um empréstimo do Museu Reina Sofía, onde se lê a inscrição: “A noite cansa-me os olhos. É então chegada a hora da dulcíssima violência.”
“O Julião era uma pessoa alegre, penso que esta é também uma exposição alegre”, referiu a diretora, que se reuniu e conversou muitas vezes com o artista, sobretudo a partir de 2018, quando nasceu a ideia desta exposição — que deveria aliás ter sido inaugurada em 2020, o que a pandemia não permitiu. A morte de Julião Sarmento em maio de 2021, aos 72 anos, não só não comprometeu a ideia, como a reforçou até.
“Era um compromisso que tínhamos e foi ponto de honra que a exposição avançasse”, disse Rita Lougares. “O desenho da exposição foi feito pelo Julião, que deixou dito e escrito onde queria a colocação de cada peça, o que depois foi discutido comigo e com a Catherine. Neste sentido, é a última exposição em que temos oportunidade de o ter presente.”
Mas porque é que um nome de referência se propôs fazer uma exposição com características de consagração? “Nunca tinha tido uma exposição aqui no Centro Cultural de Belém, no Museu Coleção Berardo”, respondeu a diretora. “Já tinha tido grandes exposições na Gulbenkian há muitos anos, chegou a ter um retrospetiva no Museu do Chiado sobre a década de 70 e esteve no MAAT com obras da sua coleção privada. Mas nunca o tínhamos visto num espaço com as dimensões deste. Todos os artistas e todas as pessoas gostam de ser reconhecidos.”
Rita Lougares resumiu Julião Sarmento ao dizer que “foi um dos principais artistas contemporâneos e o primeiro a ter uma carreira internacional estabelecida”. “Conseguiu fazer uma carreira de enorme coerência e consistência, mas nunca ficou parado, foi-se atualizando com as correntes artísticas e encontrou um caminho cada vez mais depurado”, acrescentou. Segundo a diretora do museu, depois de Lisboa, “Abstracto, Branco, Tóxico e Volátil” poderá viajar até Paris, Madrid e São Paulo.