O advogado José de Matos Correia considerou, esta terça-feira, que a arguição pela Procuradora-Geral da República da nulidade do acórdão do Tribunal Constitucional (TC) sobre metadados “é a última possibilidade de intervir processualmente” para mitigar os efeitos da decisão.

“A arguição de nulidades é a última possibilidade de intervir processualmente, contestando, não o teor da decisão, mas vícios jurídicos que afetem a sua validade. Se essa arguição não for atendida, a decisão torna-se definitiva e o seu cumprimento é obrigatório“, disse à Lusa o ex-deputado e advogado especialista em Direito Constitucional ao ser questionado sobre de que forma o Ministério Público poderia atenuar os efeitos negativos do acórdão do TC nos processos-crime em que houve acesso a metadados na investigação.

José de Matos Correia salientou que a declaração de inconstitucionalidade pelo TC relativamente à lei dos metadados “não afeta os casos julgados, as decisões dos tribunais de que já não caiba recurso”.

“Daí que essas decisões judiciais, eventualmente proferidas no âmbito de processos em que tenham sido usados metadados, ao abrigo das normas agora declaradas inconstitucionais, permanecem intocadas”, vincou.

Face ao acórdão, o advogado alertou para a possibilidade de intervenção da Assembleia da República (AR), porque se trata de matéria da exclusiva competência da AR, sobre a questão dos metadados, observando que tal atuação só pode “ser feita por via legislativa e respeitando para futuro a orientação limitativa que resulta do acórdão do TC“.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

José de Matos Correia destacou que o acórdão do TC sobre a lei dos metadados “foi proferido, não no âmbito da fiscalização preventiva, nas daquilo que se designa por fiscalização abstrata sucessiva” e considerou que o sentido da decisão do TC “era expectável desde que, em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia tinha declarado inválida a diretiva europeia que a lei agora questionada (pelo TC)” transpôs para a ordem jurídica portuguesa.

“Em janeiro de 2019, a Provedora de Justiça terá alertado o Governo, sem sucesso, para as patentes inconstitucionalidades que a lei apresentava. Manifestamente trata-se de uma daquelas situações em que era preciso prevenir em vez de, agora, tentar remediar. E houve mais do que tempo para isso”, criticou o ex-deputado do PSD.

Questionado sobre o tipo de processos-crime que podem ser mais afetados pelos efeitos retroativos da decisão do TC, disse que isso dependerá do tipo de investigações e das áreas em que se desenvolvem a recolha de metadados, enfatizando, porém, que “a conservação e utilização dos metadados só pode ocorrer, nos termos da lei, em caso de criminalidade grave, como, por exemplo, crimes de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns”.

Lembrou ainda que, por regra, a declaração de inconstitucionalidade do TC com força obrigatória geral tem efeitos retroativos, muito embora a Constituição permita ao TC fixar os efeitos da sua própria decisão, determinando, por exemplo, que só produz esses efeitos para futuro, o que não foi o caso em apreço.

“As decisões do TC são obrigatórias e quando, como é o caso, têm força obrigatória geral, vinculam todas as entidades, tanto públicas quanto privadas. Por imperativo constitucional têm de ser objeto de publicação no Diário da República, só produzindo efeitos após essa publicação”, adiantou.

Referiu a propósito que o voto de vencido de um dos juízes conselheiros no acórdão do TC “é, apenas, uma manifestação de discordância face ao teor da decisão proferida”, pelo que “os tribunais estão obrigados a seguir a decisão do TC“.

O TC anunciou em 27 de abril ter declarado inconstitucionais as normas da chamada “lei dos metadados” que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.

Num acórdão proferido no dia 19, o TC entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa“.

O possível impacto desta decisão nos processos com recurso a metadados na investigação criminal desde 2008 está já a ser questionado por diferentes agentes judiciários e foi comentado pelo Presidente da República, que sublinhou a posição “muito firme” dos juízes do TC.