O Chega vai propor o alargamento — para o triplo — do atual prazo de prescrição de crimes de abusos sexuais contra menores. A lei em vigor prevê que a vítima possa apresentar queixa até cinco anos depois de completar os 18 e, na última legislatura, deram entrada na Assembleia da República propostas para a alteração dos prazos, que chegaram a ser aprovadas na generalidade mas que estiveram, depois, seis meses sem chegar à votação na especialidade. O chumbo do Orçamento do Estado, em outubro, levou à dissolução do Parlamento e a iniciativa legislativa acabou por caducar. O tema regressa agora ao Parlamento pela mão do Chega.

Em outubro do ano passado, foram votados no Parlamento três projetos de lei que implicavam mudanças na legislação em vigor: propostas relativas aos prazos de prescrição para a formalização da queixa, ao agravamento da moldura penal e à categorização de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual como crimes públicos. Na altura, o PAN e a deputada não-inscrita Cristina Rodrigues apresentaram os projetos que procuravam alargar o período durante o qual um menor que foi vítima de um crime sexual podia apresentar queixa, dando-lhe assim a possibilidade de, até cinco anos depois de atingir a idade adulta, formalizar essa denúncia. No modelo em vigor, a vítima pode iniciar o procedimento criminal até completar os 23 anos.

Para a então deputada não-inscrita Cristina Rodrigues, hoje assessora jurídica do Chega, esse prazo era curto, o que a levou a propor um prazo de 15 anos a contar a partir do momento em que a vítima perfazia os 35 anos de idade — o que permitiria a apresentação de queixa até aos 50 anos. Este projeto foi trabalhado com a associação Quebrar o Silêncio, de apoio a homens vítimas de abusos sexuais, e com a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV).

Já a proposta do PAN acrescentava o crime mutilação genital, quando a vítima fosse menor de 14 anos, propondo que o crime não prescrevesse até que completasse os 40 anos de idade.

Parlamento aprova aumento do prazo de prescrição nos crimes sexuais contra menores

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Projeto aprovado sem PS e agora?

O projeto de lei da deputada não inscrita Cristina Rodrigues foi aprovado com a abstenção do PSD e PS, votos contra do PCP e do PEV e ainda de oito deputados do PS. A proposta do PAN foi aprovada também com as abstenções do PS e do PSD, os votos contra do PCP e do PEV e de oito deputados do PS, além da deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira. Já o diploma do Chega foi rejeitado com os votos contra do PS, PCP, BE, PSD, PAN, PEV e da deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira.

No entanto, agora, já depois de Cristina Rodrigues assumir funções de assessora jurídica no Chega, o partido prepara-se para incluir esta alteração aos prazos de prescrição num projeto a apresentar em breve, como confirmou ao Observador fonte do partido. “Trata-se de uma iniciativa que vamos dar entrada sobre esta matéria, não nos mesmo termos [dos já apresentados por Cristina Rodrigues] mas com o objetivo de aumentar para o prazo máximo de prescrição (15 anos)”, disse a mesma fonte.

Ao Observador, também Cristina Rodrigues confirmou a informação. “Sim, o Chega apresentará uma proposta sobre esta matéria. É evidente que tem que haver uma alteração legislativa neste âmbito.” A assessora jurídica diz que, provavelmente, no próximo projeto vão usar a informação que já constava dos pareceres emitidos na anterior proposta de alargamento do prazo de prescrição, no caso de crimes de abusos sexuais de menores.

O projeto que entrou no Parlamento ainda em meados de maio de 2021 recebeu pareceres do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados. A Ordem que representa os advogados admitiu que, de facto, poderá ser útil alargar o prazo de prescrição, mas pediu atenção ao facto de quanto mais tempo passar sobre a prática de um crime, mais difícil será investigá-lo.

Já o órgão que regula e disciplina os juízes, o Conselho Superior da Magistratura, entende que, neste tipo de crime, poderá ser necessário mais tempo para a vítima denúncia. No entanto, o prazo da prescrição não deve ser muito diferente do estipulado para outros crimes igualmente graves. Uma tese na linha da posição assumida pelo Conselho Superior do Ministério Público, que no seu parecer pedia ao poder político para ter em conta o conceito de proporcionalidade, porque além da pena é necessário ter em conta outros bens jurídicos, como é o caso do tempo razoável em que deve correr um processo.

A ser aprovada, a alteração à lei só vai ser aplicada aos crimes que ainda venham a ser praticados, não se aplicando retroativamente aos crimes que já ocorreram, mesmo que as vítimas ainda não tenham a idade que a lei proponha para a prescrição.