“Não posso dizer que as polémicas não tiveram qualquer influência na imagem e na vida interna do museu”, reconheceu esta semana ao Observador diretora artística do Museu Coleção Berardo. “Não temos conseguido encontrar mecenas no nosso país. Tenho conseguido alguns, mas apenas no estrangeiro. Cá é difícil, por causa do nome” da instituição, acrescentou Rita Lougares, no cargo como interina desde abril de 2017, após a saída de Pedro Lapa.

O empresário madeirense José Berardo está a contas com a justiça, por alegadas dívidas de cerca de mil milhões de euros à banca e suspeitas de burla, fraude fiscal e branqueamento de capitais, e as obras de arte com que criou o Museu Coleção Berardo estão sob arresto judicial desde há dois anos. Circunstâncias que serão determinantes quando, dentro de poucas semanas, se esgotar o prazo para o Governo decidir se o Museu Coleção Berardo continua ou não a existir tal como hoje se conhece.

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Ao Observador — à margem da apresentação da exposição de Julião Sarmento “Abstracto, Branco, Tóxico e Volátil”, que abre ao público nesta quinta-feira — Rita Lougares sublinhou que o museu “é do Ministério da Cultura”, no sentido em que a sua maior fonte orçamental tem origem nas verbas anuais que o Ministério das Finanças e o da Cultura transferem para a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Coleção Berardo, que gere o museu desde o início. Foram 2,1 milhões em 2021, lê-se num despacho da então ministra da Cultura, Graça Fonseca, e da então secretária de Estado do Orçamento, Cláudia Joaquim. O mesmo documento descrevia a fundação como uma das que são “tuteladas pela ministra da Cultura”.

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Governo tem até ao fim de junho para tomar uma decisão

“A equipa que trabalha no museu é muito reduzida e tem uma enorme seriedade, todos os dias faz um esforço brutal. Não há nenhum museu desta dimensão em Portugal com uma equipa tão pequena. Temos também o maior espaço, cerca de nove mil metros quadrados de área expositiva”, analisou a diretora artística. “Infelizmente isto nem sempre é reconhecido a nível nacional. O Museu Berardo é muitas vezes visto como um outsider e não é verdade. Por muitos defeitos que o fundador possa ou não ter, o que está aqui é uma coleção fundamental para se compreender a história da arte do século XX.”

Rita Lougares adiantou que “já está em recuperação a quebra brutal de visitantes” registada no museu durante a pandemia, sendo os números de março e abril semelhantes já aos de 2019, e disse aguardar com expectativa a decisão do Governo sobre a renovação do protocolo (ou “acordo de comodato”) que deu origem ao museu. O documento foi assinado em 3 de abril de 2006 entre Berardo, o Ministério da Cultura (representado pela ministra Isabel Pires de Lima, do primeiro Governo de José Sócrates) e a Fundação CCB (à época presidida por António Mega Ferreira). O Museu Coleção Berardo viria a ser inaugurado no ano seguinte, ocupando a zona até aí conhecida como Centro de Exposições do CCB.

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Após uma década, o protocolo teve de ser renovado, conforme previam as cláusulas, o que veio a acontecer em 23 de novembro de 2016 no primeiro Governo de António Costa, quando Castro Mendes tinha a pasta da Cultura. Esta adenda ao protocolo termina em 1 de janeiro de 2023 e, de acordo com uma das cláusulas, será renovado automaticamente por mais seis anos a não ser que uma das partes — Berardo ou o Ministério da Cultura — o queira denunciar. Nesse caso, tem de ser feito um aviso prévio de “rescisão” com a antecedência mínima de seis meses.

Berardo “manterá total silêncio, por ora”

Isto significa que o novo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, tem de decidir até ao próximo dia 1 de julho qual o destino do Museu Coleção Berardo. Segundo Rita Lougares, a decisão permitirá saber “se o museu continua, se a coleção fica, em que termos fica”. É possível que a instituição venha a mudar a nomenclatura, não só para que o Estado elimine o apelido do empresário madeirense — e também comendador, agraciado em 1985 pelo Presidente da República Ramalho Eanes — de uma instituição com financiamento público, mas também para que o  museu reconquiste potenciais apoios em Portugal.

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É também colocada a hipótese de as obras de arte do museu, atualmente arrestadas, passarem para a Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE) por via de compra, nacionalização ou outra figura legal, o que há menos de um ano não foi rejeitado pela ministra Graça Fonseca. Esta quarta-feira o gabinete de Pedro Adão e Silva não adiantou pormenores, apenas fez saber que o ministro “acompanha atentamente” o assunto e “vai divulgar uma decisão dentro do prazo”.

Contactado por telefone, José Berardo remeteu esclarecimentos para o advogado Paulo Saragoça da Matta. O jurista disse entretanto ao Observador que o empresário “manterá total silêncio, por ora” sobre este assunto e que está “bem ciente da relevância da coleção no espectro da cultura em Portugal”. Segundo Saragoça da Matta, Berardo não se esquece da “constante perseguição de que tem sido alvo, muito injustamente, nos últimos anos por parte de várias instituições e órgãos do Estado”.

“A justiça será reposta, como já começou a acontecer com o arquivamento do processo-crime que lhe foi estranhamente movido pelo presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito à CGD, Luís Leite Ramos”, acrescentou o representante de Berardo.