Com 38 anos, Joseph Andras tem conquistado espaço na literatura coetânea francesa. Em 2016, o romance Dos Nossos Irmãos Feridos, publicado em Portugal pela Antígona no ano passado, venceu o Prémio Goncourt para romance de estreia. O autor viria a recusar a distinção, argumentando pela incompatibilidade da literatura com a ideia de competição.

Neste Assim lhes fazemos a guerra, temos um tríptico. Há a história de um cão em Londres, em 1903; a de um macaco na Califórnia, em 1985; e a de uma vaca e da sua cria nas Ardenas, em 2014. A aparente aleatoriedade das histórias, que tocam em vários pontos geográficos e décadas, já para não dizer animais, acaba por ganhar coesão num fio condutor que se prende com a figura central dos animais, que aparecem como vítimas por tabela do avanço científico levado a cabo por humanos. A exploração da natureza, com vista ao lucro, também implica a secundarização e indiferença dos últimos.


Título: Assim lhes fazemos a guerra
Autor: Joseph Andras
Tradução: Luís Leitão
Editora: Antígona

A prosa é cuidada, a escolha dos temas é bem intencionada e o único senão será a impossibilidade de o leitor atingir uma conclusão que não a planeada a priori. Percebe-se que a ideia do autor é pegar na senciência dos animais e mostrar a forma como esta é ignorada por quem estabelece as formas do poder e as põe em prática. Aqui, a narrativa expande-se, já que o que aparece como domínio do Homem sobre os animais também vai a pontos como o domínio dos homens sobre as mulheres. O paralelismo que aparece é evidente, e até confessado, como pode ser visto no seguinte excerto:

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“(…) é que se acusam as feministas de estarem feitas com o cão, o que não é totalmente falso, pois muitas vezes as mulheres que se batem para votar não compreendem por que razão declarar as guerras, fabricar as leis e violar as mulheres não basta para contentar os homens, por que razão precisam ainda de desmembrar os animais que encontram: pelo contrário, o que muitas delas compreendem é que a força masculina que martiriza o corpo das mulheres e o corpo dos animais é a mesma, que essa força diz da mulher que ela é uma cadela e dos animais que eles ão simples bens, que essa força decreta o que merece ou não viver e sobretudo em que lugar.” (p. 36/37)

Os paralelismos resultam bem num texto, já que, para o leitor, passa a ser obrigatório equiparar e olhar para as duas realidades, os dois objectos, à luz da semelhança encontrada. Contudo, o que diminui o texto é precisamente que esse paralelismo apareça confessado, explicado. Ao invés de mostrar, o autor explica. Ao leitor, não cabe interpretar, mas discordar ou concordar. Ou, pior do que isso, aprender. O que se espera do literário acaba, assim, por resvalar para um tom quase ensaístico, uma vez que o que é debatido não é o cenário de personagens ou da posição de alguém no mundo, mas uma ordem das coisas que ultrapassa o domínio da narrativa. Assim, o fio condutor dos contos quase se torna irrelevante, um mero pretexto para discutir a, b ou c, uma desculpa para o autor chegar à lição. E não é que a lição esteja errada, não é que não se atinja a verdade em excertos contundentes como este:

“É que os humanos de pele branca tinham desencantado como que uma ideia de génio: há no mundo a Natureza, que fervilha e faz na noite histórias incertas, e o Homem, que diz a medida de todas as coisas.” (p. 50)

Pelo contrário, percebe-se que há um poder transversal sobre várias minorias e espécies, mas o papel do leitor acaba por ser esvaziado porque não lhe é permitido actualizar a relação dialógica iniciada pelo autor. Em vez disso, o texto está feito para que a conclusão seja comida. Se se pensar na leitura como acção tão múltipla quão múltiplos forem os leitores, que trazem ao texto o seu modelo interpretativo, o alcance de “Assim lhes fazemos a guerra” será forçosamente mais curto do que o que seria caso a estratégia narrativa fosse outra.

Destacar-se-á, no meio disto, a extrema elegância da prosa do autor, depurada, incisiva, que de modo nenhum deve ser desvalorizada. Pelo contrário, em termos estéticos, o autor tem grande mérito – e, é bem verdade, também o tem por querer pôr as mãos no mundo, debatendo assuntos. Há um leve tom poético que nunca se perde no simbolismo ou no enlevo. Pelo contrário, e aqui aparece o mais prosaico, tudo é conteúdo.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia