Mais de dez anos depois, os antigos administradores da TAP conseguiram receber uma parte dos prémios de gestão reclamados pelo exercício dos cargos durante o primeiro Governo de José Sócrates. Apesar do Tribunal Arbitral ter decidido a favor do pagamento aos ex-gestores de cerca de 1,7 milhões de euros, a Parpública, a empresa do Estado que era então acionista da companhia aérea, ainda contesta a entrega da maior fatia deste montante.
Não obstante, e conforme se pode ser no relatório e contas de 2021 da holding de participações do Estado, foi “processado e pago o valor de 576 mil euros, ao qual acresceu o montante de juros”, tendo para isso sido usada uma parte da provisão constituída para o efeito.
Este valor foi distribuído pelos membros da comissão executiva que desempenharam funções entre 2006 e 2009. Para além de Fernando Pinto, a administração incluía outros administradores brasileiros que acompanharam o histórico ex-presidente da TAP desde o ano de 2000 — Michael Connolly, Luís Gama Môr e Manoel Torres (entretanto falecido) e o português Luís Vaz. Ainda em litígio estão mais de um milhão de euros que a Parpública decidiu contestar para o Tribunal da Relação de Lisboa, apesar de ter sido condenada ao pagamento de 1,7 milhões de euros, a título de remunerações variáveis e compensações diferidas pelo exercício de funções de administração na transportadora aérea.
A história remonta ao primeiro Governo de José Sócrates quando foram assinados vários contratos de gestão por objetivos com direito a remuneração variável, caso as metas fossem atingidas, em empresas públicas. A TAP foi uma delas. No caso da transportadora aérea, o contrato estabelecia que a remuneração variável era paga pela Parpública, a acionista da TAP.
Com a crise a chegar, Sócrates mandou suspender bónus
O cumprimento das metas de cada ano é aferido no ano seguinte, depois de fechadas as contas anuais, e seria em tese aprovado em assembleia geral. Em 2010, ano do princípio da crise financeira que levou ao resgate a Portugal, uma das primeira medidas de contenção de custos anunciada pelo segundo Governo de José Sócrates foi um travão ao pagamento de todos os prémios a gestores públicos.
Esta decisão afetou os administradores da TAP, então empresa totalmente pública, mas também da Estradas de Portugal (atual Infraestrutura de Portugal), então liderada por Almerindo Marques, cuja equipa (pelo menos alguns dos seus membros) também reivindicou em tribunal o direito a receber a remuneração variável pelo alcance de metas contratualizadas.
TAP. Fernando Pinto e administradores da TAP reclamam prémios de gestão em anos de prejuízos
No caso da TAP, os antigos gestores chegaram a recorrer às varas civis para evitar a prescrição do que consideravam ser dívidas da dona da TAP, a Parpública, como o Observador noticiou em 2016. Nessas ações eram reclamados mais de seis milhões de euros relativos ao período entre 2006 e 2011. No entanto, o diferendo que foi julgado em tribunal arbitral foca-se no período entre 2006 e 2009 e diz respeito a remunerações variáveis e compensações diferidas (bónus que são atribuídos pelo desempenho de um ano, mas que só são efetivamente pagos no final do mandato).
O recurso ao tribunal arbitral estava previsto no contrato assinado entre o Estado, via Parpública, e os gestores da TAP em 2006. E foi este tribunal que no ano passado deu razão a uma parte da reivindicação dos antigos gestores, condenando a Parpública a pagar 1,7 milhões de euros. Mas a holding do Estado entrou com uma ação de anulação do acórdão arbitral de parte do montante da condenação, o qual se encontra pendente de decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, pode ler-se no relatório da empresa divulgado esta semana.
Por trás desta impugnação de uma decisão arbitral (que por regra tem a palavra final) estão dúvidas sobre se o contrato feito com os gestores estaria em vigor em 2009, o ano em relação ao qual são reclamados os bónus mais elevados. Questionado pelo Observador, o antigo presidente da TAP, Fernando Pinto, não quis prestar declarações sobre o tema porque ainda se encontra em litígio judicial. A Parpública também recusou comentar um processo que ainda está em curso.
Nos esclarecimentos que prestou ao Observador em 2016, o gestor afirmou que estava em causa uma diferença de remuneração variável sobre o ano 2007 e a consideração de todo o exercício de 2009. Em 2007, a TAP SA apresentou lucros de 32,8 milhões de euros relativos à unidade de transporte aéreo, tendo sido pago um valor a título de remuneração variável, mas este montante foi contestado pelos antigos gestores. Os 576 mil euros euros mais juros pagos este ano serão referentes à correção do valor devido por esse ano.
Em 2008, a TAP SA teve prejuízos avultados, mas em 2009 voltou a ter lucros de 57 milhões de euros, o que, pelo cumprimento do contrato assinado com a Parpública, teria dado lugar ao pagamento de remuneração variável pelo desempenho anual, assim esperavam os gestores. Mas este foi o pagamento que teve ordem de suspensão por parte do segundo Governo de José Sócrates e que foi contestado pela Parpública porque a renovação do contrato de gestão entre a holding e os gestores não chegou a ser assinada, apesar de estar prevista. É por isso que a Parpública contestou para o Tribunal da Relação uma parte da decisão do Tribunal Arbitral.
A remuneração variável contratualizada estava associado a metas relativas a à atividade de transporte aéreo, aferidas por métricas de comparação com outras empresas do setor. De fora ficou o negócio da Manutenção e Engenharia no Brasil que foi a principal responsável pelos prejuízos que o grupo TAP, a TAP SGPS, foi acumulando ao longo de vários anos.
Os resultados são apenas uma das metas utilizadas na fixação de metas neste tipo de contratos, sendo mais comum utilizar indicadores como o EBITDA (margem operacional) que mede a performance da empresa excluindo fatores extraordinários que não dependem tanto da gestão. A remuneração variável tem sido praticada a vários níveis da empresa e não apenas na administração.
O pagamento de bónus de desempenho na TAP tem sido sempre polémico, mesmo quando os beneficiários não são os administradores, mas outros quadros. Foi o que aconteceu em 2019, já durante a gestão privada, e e em ano de prejuízos.
TAP. Prejuízos, prémios e polémica – 6 respostas e uma pergunta em aberto