Fernando Pinto e a sua equipa de gestão da TAP reclamam da Parpública o pagamento de mais de 6,8 milhões de euros em prémios de gestão referentes aos exercícios entre 2006 e 2011. Um valor claramente superior ao que efetivamente receberam nos dois primeiros anos desse período: cerca de 1,8 milhões de euros.

A transportadora aérea nacional, contudo, deu prejuízos avultados em alguns dos exercícios reclamados.

Em 2008, por exemplo, a holding da empresa de capitais públicos teve prejuízos históricos de 288 milhões de euros, enquanto a TAP, SA (a empresa responsável pela operação do transporte aéreo) teve um resultado negativo de cerca de 209 milhões de euros. O presidente executivo da TAP e os restantes administradores reclamam cerca de 1 milhão de euros de prémio de gestão relativo a esse exercício por entenderem que esse é um direito previsto no contrato de gestão assinado com a TAP.

Tal como entendem ter direito contratual ao pagamento de um prémio de gestão diferido relativo ao mandado no triénio 2006/2008 no valor de cerca de 1,7 milhões de euros, distribuídos da seguinte forma:

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  • Fernando Pinto (presidente executivo) – 790 mil euros;
  • Michael Connoly, Luiz Môr e Manoel Torres (administradores executivos) – cerca de 530 mil euros cada um;
  • Luís Vaz (administrador executivo) – cerca de 370 mil euros.

Neste triénio, os resultados líquidos acumulados, muito influenciados pelos resultados de 2008, foram os seguintes:

  • TAP, SGPS – 248, 3 milhões de euros negativos
  • TAP, SA – 152, 6 milhões de euros negativo

Em termos globais, os resultados líquidos do Grupo TAP foram os seguintes:

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Fonte: http://sergiopalmabrito.blogspot.pt com base nos Relatórios e Contas da TAP de 2003 a 2011

O diferendo entre a Parpública, o único acionista da TAP até à privatização da empresa em 2015, e a equipa de gestão da TAP dura desde 2007. A empresa de capitais públicos que representa o Estado na TAP não reconhece qualquer dívida, o que levou Fernando Pinto e os seus administradores a avançarem para os tribunais.

O primeiro passou pela apresentação em 2012 de cinco notificações avulsas junto das Varas Cíveis de Lisboa para impedir a prescrição da alegada dívida relativamente aos prémios de gestão do mandato 2006-2008. No seguimento da apresentação desses textos, a TAP, SGPS, a TAP, SA, o Estado e o Ministério das Finanças, o Estado e o Ministério da Economia e a Parpública foram formalmente notificados do entendimento dos gestores.

O que é uma notificação judicial avulsa?

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É um instrumento processual que promove a interrupção do prazo prescricional e evita que a alegada dívida se extinga por omissão do alegado credor. Na prática, o queixoso apresenta um texto na secretaria do tribunal, um juiz ordena a notificação do alegado devedor e o prazo da prescrição começa a contar de novo até o processo ficar concluído. Geralmente, é uma forma pressão sobre o devedor para que este pague antes da entrada da ação cível propriamente dita.

Fernando Pinto e os seus administradores dizem ter direito a dois tipos de prémios:

  • compensação variável anual — que corresponde a um salário anual, mediante o cumprimento de determinados objetivos;
  • compensação diferida inerente ao triénio — que diz respeito a um prémio atribuído pelos resultados globais dos três anos de mandato, mediante o cumprimento de determinados objetivos.

Para fundamentar a sua posição junto do Tribunal, os requerentes juntaram como anexo da notificação avulsa um conjunto de emails trocados com Isabel Maria Nisa Malaquias (assessora de Paulo Campos, então secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas) datados de 19 e 23 de outubro de 2009.

Nessas missivas trocadas entre a Secretaria de Estado das Obras Públicas, que detinha a tutela técnica da TAP, e os administradores da TAP está explícito o debate sobre alguns dos objetivos que deviam ser cumpridos para que ocorresse o processamento do pagamento dos prémios de gestão nas suas duas componentes (compensação variável anual e compensação diferida em relação ao triénio).

A saber:

  • Performance comparada com outras empresas de aviação europeias;
  • Prazo médio de pagamentos a fornecedores
  • Crescimento de receitas;
  • Margem de EBITDA (resultado antes de juros, impostos, amortizações e depreciações)

Daí Fernando Pinto e os restantes administradores reclamarem o pagamento da “remuneração anual variável do ano de 2009” e “o pagamento da compensação diferida do triénio 2009-2011” na “parte proporcional relativa ao ano de 2009”, lê-se no texto apresentado pelos gestores.

Em termos globais, os gestores reclamam os seguintes prémios:

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O Observador confrontou Fernando Pinto e os restantes administradores executivos da TAP, através do departamento de comunicação da TAP, com os valores dos prémios reclamados não tendo recebido qualquer comentário sobre esta matéria.

Fernando Pinto e advogado com versões diferentes

O Observador apenas recebeu uma resposta genérica da parte de Fernando Pinto, afirmando o seguinte:

Os critérios para a atribuição dos prémios/compensações foram estabelecidos pelo acionista [Parpública] e estão previstos de forma clara ao nível contratual. Os critérios de avaliação são vários, designadamente a evolução relativa da empresa nos anos em questão aferida com base em inúmeros parâmetros quantitativos e qualitativos, incluindo os necessários comparativos com outras empresas mundiais do setor. Os prémios só são devidos se os objetivos forem atingidos, nem todos os anos tiveram os objetivos atingidos”, afirma Pinto.

O Observador solicitou a Fernando Pinto que identificasse os anos em que os objetivos não tinham sido atingidos, tendo recebido a resposta de que “2006 não está em causa nem o 2008, mas sim uma diferença sobre 2007 e a consideração de 2009”.

Já no texto que o advogado Albino Jacinto apresentou a 18 de dezembro de 2014 na 1.ª Secção Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em representação de Fernando Pinto e dos gestores da TAP, podemos ler o contrário no que diz respeito ao ano de 2008:

Os requerentes [Fernando Pinto e restantes administradores] já citaram a requerida [Parpública] relativamente ao pagamento da compensação variável dos anos de 2007 e 2008

A Parpública foi igualmente contactada pelo Observador mas não quis comentar este tema nem esclarecer se já foi constituído um Tribunal Arbitral para dirimir o conflito que existe com a equipa de gestão da TAP.

Prémios sob investigação

Recorde-se que, tal como o Observador noticiou, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e a Polícia Judiciária (PJ) estão a investigar os prémios de gestão atribuídos pelo governo de José Sócrates à administração da TAP liderada por Fernando Pinto entre 2006 e 2009. Só nos dois primeiros anos, o valor pago ultrapassará cerca de 1,8 milhões de euros.

A grande questão sob investigação reside em escrutinar a legitimidade jurídica de tais prémios de gestão quando os mesmos foram pagos pela TAP, SA — e não pela holding da empresa, a TAP, SGPS. Isto é, em vez de ser premiada pela gestão global do Grupo TAP, a administração de Fernando Pinto terá sido avaliada apenas pela gestão da unidade do transporte aéreo.

Como se pode verificar no quadro acima publicado, a TAP, SGPS, teve resultados negativos acumulados de cerca de 425 milhões de euros entre 2008 e 2011, sendo a compra da empresa brasileira VEM a principal origem desses prejuízos. A compra da VEM foi efetuada pela administração de Fernando Pinto em 2005, concretizada em 2007 mas apenas começou a ser contabilizada no exercício de 2008.

Já a TAP, SA, teve resultados positivos acumulados de cerca de 124 milhões de euros entre 2009 e 2011.