É o regresso de Lucy Barton, protagonista de O meu nome é Lucy Barton e Tudo é possível, também publicados em Portugal pela Alfagura. Este regresso a personagens – esta extensão depois de a história parecer já ter sido contada – já faz parte do universo de Elizabeth Strout, que fez o mesmo com Olive Kitteridge. Aqui, o mérito da autora é criar uma linha narrativa fiável depois de concluído um arco narrativo.

Em Oh, William!, encontramos Lucy Barton já com a vida avançada, sendo uma escritora consagrada, e todo o livro tem a figura de William, o seu primeiro marido, no centro. Lucy acaba de ficar viúva do segundo marido, William enfrenta uma crise no terceiro casamento e procura conhecer o passado da mãe. De início, o leitor estranha que, em pleno luto, a acção vá atentar em William, mas devagar a narrativa começa a compor-se num todo orgânico.

O livro parte de uma mistura entre rememoração e cogitação, embora Strout tenha tendência para a prosa crua. Nunca se perde em divagações, nunca deixa o leitor muito tempo sozinho – sem ver as personagens. Ainda assim, a evocação do passado leva uma vida inteira: Lucy pega na pobreza da infância, na família quase gélida, no casamento, no nascimento das filhas, no divórcio e na forma como a vida se meteu por um caminho que não estava planeado. Pelo meio, perpassa sempre, em simultâneo, uma sombra de rancor perdida nos alicerces da cumplicidade.


Título: Oh, William!
Autora: Elizabeth Strout
Tradução: Tânia Ganho
Editora: Alfaguara
Páginas: 224

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Enquanto as outras relações avançam, William e Lucy continuam com um lugar de destaque na vida um do outro. Aqui, é de destacar a subtileza de todos os movimentos da prosa de Strout: como a autora se abstém de contemplações ou explicações, cabe ao leitor fortalecer o sentido do que vê. E o que vê, parecendo pouca coisa, é uma saga familiar que se vai estruturando em encontros e desencontros, relevando-se o que ficou por dizer, acentuando-se a ferida do que nunca chegou a ser dito. Ao mesmo tempo, vemos os segredos de família como tentáculos que se expandem para criarem fissuras.

Ainda assim, verifica-se algum exagero na subtileza que a autora tentou conferir ao romance, já que a acção se perde por vezes e que há fragmentos de prosa que aparecem a sós entre parágrafos, em jeito de comentário da narradora,  mas que não compõem a acção e não adensam a personagem. Isto acaba por passar de raspão pelos grandes méritos do livro, que põem em evidência não apenas as imperfeições humanas, mas também, e principalmente, a condição humana, através da abordagem de momentos em que esta se põe em xeque.

Convém ainda acrescentar que isto é feito através de uma estratégia narrativa acertada para os efeitos pretendidos pela autora, que consiste em mostrar a história em vez de a contar. Seria fácil enveredar pelo outro caminho, já que temos uma narradora participante, e seria, dessa forma, fácil transformar Lucy Barton numa narradora em quem o leitor teria de escolher confiar ou não, mas, ao pôr o leitor em cena com as personagens, a autora reforçou a corda de empatia que ata o leitor ao objecto.

As personagens sabem sempre a gente a sério, nunca há tendência para voos de linguagem, a prosa é funcional, existe para veicular um sentido, sempre necessário ao conteúdo, e sente-se, durante a leitura, a ondulação de um momento de transição. Serão estes os grandes méritos da autora norte-americana, que tem investido na caracterização sem perder tempo a explicá-la.