Longe parecem estar os dias de convivência pouco pacífica entre o Governo e o Conselho das Finanças Públicas (CFP), a entidade responsável por fiscalizar o cumprimento das regras orçamentais em Portugal e emitir avisos sobre a sustentabilidade das finanças públicas. Cinco anos depois de António Costa ter apelidado as previsões do Conselho como um monumental falhanço, o primeiro-ministro mudou agora o discurso e já salienta o “rigor” de uma instituição que, diz, contribuiu com “transparência, credibilidade e rigor de avaliação” às finanças públicas no país. Elogios também deixados por Mário Centeno, que vestiu a pele de ex-ministro das Finanças para lembrar os “momentos de tensão” que admite terem existido.

Essas fricções foram visíveis, por exemplo, em 2017, depois de a então presidente do CFP, Teodora Cardoso (que não participou na sessão comemorativa dos dez anos da instituição por “motivos de força maior”, segundo fonte do Conselho) ter dito que “até certo ponto”, a redução do défice em 2016 para 2% do PIB foi “um milagre”. António Costa não gostou da expressão e não foi parco na resposta: “O Governo não faz milagres. Nós fazemos bem o nosso trabalho. Quem fez previsões é que cometeu um monumental falhanço“, disse, na altura. E acrescentou:

É preciso um grande esforço para ter que invocar em vão o nome de Deus e não reconhecer o que é simples de reconhecer, que foi o monumental falhanço de todas a previsões do Conselho de Finanças Públicas ao longo do ano de 2016″.

No rescaldo da polémica, o PS chegou a colocar em cima da mesa a hipótese de rever o modelo do CFP no Parlamento, alterações que não chegaram a avançar. O deputado socialista Eurico Brilhante Dias (agora presidente da bancada parlamentar socialista) afirmou, na altura, que o organismo devia “fazer uma reflexão profunda sobre a forma como tem feito previsões”, acusando o CFP — criado a partir de um acordo entre PS e PSD — de criar “pânico” e “desconfiança na execução orçamental”.

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O Bloco de Esquerda e o PCP iam mais longe e falavam mesmo em extinguir a entidade por considerarem que legitimava “escolhas de natureza política como se fossem escolhas de natureza técnica”.

Na sessão dos dez anos do CFP, esta segunda-feira, Marcelo — que na polémica de 2017 comentou que milagre só houve o de Fátima, comemorado esse ano com a vinda do Papa Francisco a Portugal, e que o défice de 2016 “saiu do pêlo e do trabalho dos portugueses” — lembrou essas divergências entre classe política e CFP. E considera que o CFP “ultrapassou todas as expectativas” e soube manter-se independente.

“Soube afirmar a sua independência, não agradou muitas vezes a governos, mas isso é independência. Também não terá agradado de vez em quando a oposições, mas isso continua a ser independência. Não tem de agradar a setores políticos económicos e sociais. Tem de se afirmar de modo determinado, isento responsável e são”, sublinhou.

Mas a avaliar pelas declarações de António Costa e Mário Centeno, ex-ministro das Finanças e atual governador do Banco de Portugal, as relações parecem estar mais amenas. O primeiro-ministro mencionou o “rigor de avaliação” e a “independência” do Conselho, que “credibilizam estratégias orçamentais prudentes e robustas“, assim como o “trabalho analítico” que “promove transparência e debate informado” e “enriquece a qualidade da democracia”.

Antes, Mário Centeno salientou como o CFP, agora liderado por Nazaré da Costa Cabral, “faz parte de um quadro institucional europeu que permitiu na Europa um avanço muito significativo e com sucesso naquilo que é a perceção e a concretização da redução do risco financeiro das economias”.

“O Conselho das Finanças Públicas tem a obrigação de nos guiar, de nos permitir esta viagem sobre o cumprimento de algo que não existe, que é um contrato completo, traduzido nas regras europeias. Isto cria momentos de tensão. Aqui entra o meu passado recente”, reconheceu, lembrando que dos dez orçamentos — “sem contar com retificativos” — que o Conselho teve de analisar, cinco deles foram entregues por ele próprio, enquanto titular da pasta das Finanças, e analisados pelo CFP.

Artigo corrigido com a informação de que o CFP foi criado a partir de um acordo entre PS e PSD