David, antes de ser estátua, era um herói bíblico. Filho de Jessé, descendente de Judá, nasceu em Belém e foi o segundo rei do Reino Unificado de Israel, algo que lhe garantiu o facto de ser considerado santo pela Igreja Católica. No século XVI, pelas mãos de Miguel Ângelo, tornou-se também a personagem representada numa das obras de arte mais conhecidas e reconhecidas do mundo. Centenas de anos depois, outro David está a esculpir o próprio futuro.
David Popovici, de apenas 17 anos, é um dos próximos grandes nomes da natação. O atleta romeno, natural de Bucareste, saltou definitivamente para a ribalta nos últimos dias ao sagrar-se campeão do mundo dos 200 metros livres nos Mundiais que estão a decorrer em Budapeste — aproveitando para quebrar o recorde mundial júnior da distância. Numa competição que Caeleb Dressel já abandonou, numa decisão que foi justificada com “razões médicas”, o romeno capitalizou o favoritismo de ter sido o mais rápido das eliminatórias e conquistou o primeiro ouro em Mundiais.
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Um dia depois, já esta terça-feira e nas meias-finais dos 100 metros livres, deu mais uma prova de que está numa forma assinalável ao quebrar igualmente o recorde mundial júnior da distância — que já lhe pertencia. Em resumo, David Popovici é o nadador jovem mais rápido de sempre. E está a nadar rumo ao objetivo de ser, simplesmente, o nadador mais rápido de sempre.
“Com a água, foi amor à primeira vista. Ponto final. Consigo recordar cada momento da minha primeira aula de natação. Também me lembro de que senti imediatamente que estava no sítio certo… Quase como um peixe! É trivial, ok, mas é verdade. Sou magro, tenho os braços compridos e as mãos grandes. Na água, o meu corpo magricela encontrou uma confiança que, para aqueles que são como eu naquela idade, é muito difícil de encontrar”, contou o jovem atleta, muito recentemente, numa carta aberta que escreveu para o site SwimSwam e onde cita Ian Thorpe como a principal inspiração.
Um amor à primeira vista que já lhe trouxe três ouros nos Europeus juniores do ano passado, em Roma, e um quarto lugar nos 100 metros livres dos Jogos Olímpicos de Tóquio (onde era o mais novo de delegação da Roménia), onde recordou rapidamente que era “o quarto melhor do mundo” quando foi questionado sobre o facto de ter falhado o bronze por dois décimos de segundo. Um amor à primeira vista que, depois dos Mundiais de Budapeste, ainda vai aparecer nos Europeus e Mundiais júnior durante o verão, para além dos Europeus seniores, e que já tem obviamente Paris 2024 ao fundo do túnel. Mas este é um amor à primeira vista que, originalmente, até tinha como objetivo desacelerar o batimento cardíaco.
“Eu era uma criança ativa, muito ativa. E sei que muita gente diz isto, principalmente as pessoas que acabam por tornar-se atletas, mas eu estava sempre em movimento. Não queria brinquedos, carros ou vídeojogos. Para mim, era suficiente brincar com pedras ou paus ou o que encontrasse nos parques e jardins. Os meus olhos estavam sempre à procurar de novos estímulos, numa busca constante para descobrir como é que o mundo é feito. Enquanto as outras crianças dormiam, eu sentia um relógio biológico dentro de mim, quase como se os dias fossem demasiado bonitos para os desperdiçar assim”, explicou Popovici. Para queimar alguma desta energia, assim como para responder a uma escoliose muito precoce, os pais do nadador romeno inscreveram-no na piscina de Lia Manoliu, em Bucareste, com apenas quatro anos.
Mas, mesmo tendo sido amor à primeira vista, o casamento precisava de ser abençoado. David Popovici adorava nadar e estar dentro de água — mas ao seu próprio ritmo. Depressa recebeu a alcunha de “rapaz-fada”, por ter os cabelos compridos até aos ombros e parecer ter sempre a cabeça nas nuvens. Aos nove anos e descontentes com a química (ou a falta dela) que o jovem tinha com o treinador, os pais decidiram mudá-lo para o Aqua Team București, o melhor clube de natação jovem da Roménia. Foi aí, em 2013, que Popovici conheceu Adrian Rădulescu: o treinador que acabaria por abençoar o casamento com a água.
Mr. Adi, como o romeno ainda chama ao treinador nos dias de hoje, é um antigo nadador com um doutoramento em performance desportiva especializada em natação. Chegou ao clube como voluntário, começou por dar aulas de natação e fitness e acabou por assumir uma equipa que incluía David Popovici. Encontrou um rapaz irrequieto, que se aborrecia fácil e rapidamente quando tinha de nadar distâncias mais longas, acabando por parar para brincar com os óculos, ir à casa de banho, dizer que lhe doía a cabeça, o ombro, a barriga. Quando queria, porém, nadava extraordinariamente rápido tendo em conta aquilo que (não) treinava.
“Esforço mínimo, impacto máximo. E dava para perceber que não era apenas por ser alto. Ok, ele era alto, mas existiam outros. E ele não era o mais forte. Não conseguia fazer uma flexão, outros faziam 100. Existia ali mais qualquer coisa, claramente”, recordou Adrian Rădulescu numa entrevista recente à revista romena DOR. O treinador percebeu que tinha de mostrar a David Popovici que podia divertir-se a nadar. Percebeu que David Popovici era uma daquelas crianças que tinha de perceber o porquê das coisas. Percebeu que teria de deixá-lo brincar, dizer piadas, ouvir música. E hoje em dia, em todas as entrevistas, David Popovici repete a importância de se divertir quase como se fosse um mantra.
A partir desse entendimento, tudo mudou. Atualmente, mesmo com treinos bidiários, a coluna de som está sempre presente na piscina — e as curtas pausas servem para escolher a música seguinte. Sem nunca esquecer a exigência, Adrian Rădulescu tornou-se o grilo falante que recorda o romeno de que tem de balançar os treinos, o ginásio e a escola com o descanso, a namorada e os amigos. “A natação é na piscina. Casa é casa. Escola é escola. Tempo com a minha namorada é tempo com a minha namorada”, já contou o nadador, que tirou todos os diplomas, troféus e medalhas das paredes do quarto e atualmente não tem nada relacionado com desporto à vista à exceção da gaveta onde guarda as toucas e os óculos.
“Eu nem acredito no quanto ele ouve o treinador. Se tivesse sido eu a recomendar Séneca, acho que se tinha rido de mim. Se alguém vos dissesse que era possível fazer com que um adolescente largasse o telemóvel por um mês, acreditavam?”, disse Georgeta, a mãe de David, também a DOR. Atualmente, Popovici tem uma pequena coleção de livros sobre estoicismo porque Rădulescu o introduziu à filosofia. Mas Georgeta, curiosamente, é a principal responsável pela enorme quantidade de normalidade que o filho continua a manter na própria vida.
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“Quero muito que ele tenha essa normalidade. Não falo sobre potencial ou futuro ao pé dele, nem sequer o elogio. Sou tão desligada que o pobre miúdo, quando bate algum recorde, olha para mim e pergunta: ‘Tens sequer noção do que eu alcancei?'”. Georgeta, por seu lado, prefere perguntar pelos trabalhos de casa. Em conjunto com Mihai, o pai de David Popovici, nunca colocou o filho de castigo depois de um mau resultado, assim como também nunca o recompensou com presentes. Depois de qualquer prova, independentemente de David ter vencido ou não, o jantar era no IKEA porque o jovem romeno gostava do bolo da cadeia sueca. Mas nada disso os impediu de serem os primeiros a acreditar no potencial do filho: desde o facto de prepararem o pequeno-almoço às 4h30 da manhã porque David tinha de comer duas horas antes do treino até à busca incessante por patrocinadores assim que os custos das deslocações começaram a ser incomportáveis.
Atualmente, David Popovici é o nadador jovem mais rápido do mundo. Nos próximos anos, David Popovici tem tudo para se tornar simplesmente o nadador mais rápido do mundo. Pelo meio, continua a ser o miúdo muito alto e muito magricela que adora magia e faz truques com cartas antes de entrar na piscina. E a estátua, a obra de arte, continua a ser esculpida.