O filme “A Lei de Teerão”, segunda longa-metragem de Saeed Roustayi, chega aos cinemas sob uma inusitada dupla bênção. Por um lado, a do governo iraniano, que em vez de o proibir, autorizou este policial ultra-realista e crítico da política das autoridades, sobre o flagelo da droga naquele país, que se tornou no filme dramático mais visto e mais rentável da história do cinema local. Por outro lado, a do realizador americano William Friedkin, a cujo “Os Incorruptíveis Contra a Droga” a fita de Roustayi tem sido comparada, e que o comentou assim: “É um dos melhores ‘thrillers’ que já vi”. Só que além de cumprir impecavelmente com o caderno de encargos dos melhores policiais de ação de Hollywood, “A Lei de Teerão” vai muito mais longe.

A droga transformou-se num dos maiores problemas do Irão. Em poucos anos, o número de consumidores, sobretudo de “crack”, subiu de um milhão para mais de seis milhões. A resposta das autoridades foi apenas no plano policial e jurídico: caça a consumidores e traficantes, e pena de morte para quem seja apanhado a vender estupefacientes, independentemente da quantidade. E se dantes os drogados andavam escondidos, agora estão por todo o lado. Como se mostra bem cedo no filme, quando a polícia faz uma rusga naquilo que é uma verdadeira cidade de toxicodependentes, homens, mulheres e até crianças, amontoados entre a imundíce num depósito de condutas de água que lhes servem de casas, à espera da próxima dose, ou da morte.

Face a este cenário de pesadelo, os polícias e os magistrados fazem o que podem, mas já perceberam que não chega prender, reprimir e castigar. O ator e argumentista Payman Maadi (“Uma Separação”) interpreta formidavelmente Samad, o irascível chefe da Brigada de Narcóticos de Teerão cada vez mais descrente na ação do sistema policial e judicial para ganhar a batalha contra a droga. Quer ele, quer o juiz que se vê perante ter que enviar para a cadeia crianças filhas de traficantes e que também elas traficam, bem como o médico prisional, que não tem como tratar os viciados em “crack” senão dando-lhes outras drogas, sentem-se completamente ultrapassados. E as prisões estão a rebentar pelas costuras e têm condições pouco melhores do que os tugúrios onde se amontoam os drogados.

[Veja o “trailer” de “A Lei de Teerão”:]

Cá fora, a pobreza extrema e as condições sociais indescritíveis são o cadinho que transforma jovens que vivem ao monte com a família em casas minúsculas de bairros miseráveis, em traficantes multimilionários e empedernidos como Nasser (excelente Navid Mohammadzadeh), um dos barões da droga de Teerão, que Samad e os seus homens capturam e interrogam para saber onde é o seu laboratório, num jogo que mistura psicologia e intimidação, com tentativas de suborno pelo meio. Nasser é ao mesmo tempo criminoso e vítima, profundamente repugnante ao enriquecer a semear a desgraça e a morte em seu redor sem o menor escrúpulo, e tragicamente humano ao querer dar uma vida decente aos pais e evitar que os irmãos mais novos sigam o mesmo caminho que ele.

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[Veja o realizador e o ator no Festival de Estocolmo:]

“A Lei de Teerão” não é maniqueísta e tem o sentido da complexidade e da gravidade daquilo que está a descrever. O filme tenta compreender mas sem nunca desculpar. E denuncia sem choradinhos as condições sociais por trás do horror do consumo e do negócio do tráfico, e a falta de políticas oficiais de saúde, integrando e diluindo esse discurso com mão de mestre no fulgurante enredo policial. Ao registo de naturalismo impenitente em que os cineastas iranianos dão cartas, Saeed Roustayi junta um sentido taquicárdico da ação, filmando sem espinhas, ganga ou prestidigitação visual, sempre junto ao nervo e rente à realidade. “Thriller” infernal com farto miolo social, “A Lei de Teerão” é mais um exemplo da excelência do cinema iraniano, e um dos melhores filmes que podemos ver este ano.