Um estudo publicado esta segunda-feira na revista Nature GeoScience sobre a evolução da dimensão do anticiclone dos Açores ao longo dos últimos 1.200 anos concluiu que este sistema de altas pressões, que tem influência nos fenómenos climáticos da Península Ibérica, tem vindo a alterar-se aos longo dos últimos anos, especialmente a partir da revolução industrial. E que essas mudanças têm um enorme impacto nos fenómenos meteorológicos atual. 

Em declarações citadas pelo jornal espanhol El País, a oceanógrafa física Caroline Ummenhofer, que liderou a investigação, explicou que o “estudo centrou-se especificamente nos meses de inverno, já que esta é a principal estação em que a Península Ibérica recebe a maior parte das suas precipitações.” “As mudanças de tamanho e da posição do sistema de altas pressões dos Açores durante esses meses teve um grande impacto no transporte da humidade do Atlântico”, revelou.

O artigo científico teve Pedro Sousa, meteorologista operacional do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e investigador do Instituto Dom Luiz, entre os revisores, num processo de revisão por pares (“peer review”) habitual nestas investigações.

Ao Observador, Pedro Sousa explica que o “anticiclone dos Açores é um sistema de altas pressões, que em média está situado na região dos Açores”, “sofre flutuações de intensidade, faz parte da variabilidade climática” e tem equivalentes noutros anticiclones noutros pontos do globo.

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É este anticiclone que “é responsável pela variabilidade do clima na nossa região”, contextualiza o meteorologista. “O que neste estudo foi feito foi pegar numa série de modelos climáticos e perceber qual a variabilidade ao longo de 1.200 anos.” De acordo com Pedro Sousa, “depois da revolução industrial, aproximadamente no século XVIII, tem sido maior a frequência” de extensão deste anticiclone.

“Quanto mais episódios em que o anticiclone está mais extenso, pode-se dizer mais largo, e em que está a ocupar uma área maior no Atlântico Norte”, explica o investigador, mais os “sistemas meteorológicos com precipitação são empurrados para Norte”. Ou seja, “nessas situações, passam mais a norte da Europa e afetam menos a Península Ibérica”, fazendo com que existam menos episódios de precipitação na região que abrange Portugal e abrindo a porta a um contexto de seca. Em sentido contrário, com esta deslocação, na Europa do Norte chove mais durante estes episódios.

“O clima da Europa Central e do Norte tem mais dias de precipitação do que o Sul da Europa, não tem uma estação seca marcada como a nossa. Nós temos um verão seco, claramente, enquanto no Norte da Europa isso não é tão marcado”, contextualiza Pedro Sousa. “Em anos em que temos o anticiclone [dos Açores] mais forte, em que esses sistemas são empurrados para Norte, a precipitação nessas regiões, que por si já é relativamente elevada, será ainda mais elevada.”

“Portanto serão ainda mais afetados por essas tempestades atlânticas, enquanto ao invés, na Europa do Sul, será o oposto. Nesses episódios, acentua-se o contraste entre o Norte e o Sul da Europa, pode-se dizer assim”, resume o meteorologista do IPMA.

A ideia principal do estudo, diz Pedro Sousa, passa por, além de verificar o que está para trás – “porque para fazer simulações para a frente temos de validar muito bem o comportamento desses modelos no passado -,  usar também a evolução para “tentar validar e perceber as tendências”.

“Nestes estudos, a ideia passa sempre por também se pensar para a frente. Desde que o homem tem influência no clima, portanto desde a era industrial, constata-se o tal aumento do número de episódios do anticiclone dos Açores ser mais extenso e mais intenso.” Ou seja, a tendência natural, seguindo esta lógica, será a de que “no futuro esses episódios extremos de ciclones extensos serão ainda mais frequentes e mais intensos”, antecipa Pedro Sousa.

Mas o meteorologista e investigador deixa uma ressalva. “Quando se faz este tipo de estudos com modelos – porque são modelos, não é a realidade, obviamente – estamos sempre a especular um pouco, apesar de termos confiança neles.” E, mesmo confiando nestas projeções, Pedro Sousa sublinha que é importante perceber que o anticiclone dos Açores “não explica 100% da variabilidade da precipitação na Península Ibérica”. “Explica uma parte razoável”, é certo, “mas há mais fatores em jogo.”

E aqui recorda o fenómeno do próprio aquecimento global, que “faz com que haja mais humidade na atmosfera”. Ou seja, “se por um lado estamos a ter condições meteorológicas ou condições de larga escala, que tornam menos provável a ocorrência de precipitação, por outro lado temos outras variáveis que podem concorrer com isto um pouco.”

“Quero deixar a nota de que é preciso ter um pouco de cautela com este tipo de conclusões mais para a frente, porque há mais fatores em jogo”, alerta.

Já quando questionado sobre se os episódios de poeiras, que já afetaram a Península Ibérica este ano, poderão ter alguma ligação com estas alterações no anticiclone dos Açores, Pedro Sousa nota que são episódios “diferentes”. A vinda de poeiras até à Península Ibérica é um fenómeno mais “curto” e quando “se fala em alterações climáticas são períodos temporais maiores”. Ainda assim, diz Pedro Sousa, “se tivermos um anticiclone mais potente também é possível termos mais episódios de poeira”, embora frisa que são “coisas a escalas diferentes”.

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