Não é propriamente muito comum mas às vezes as críticas também podem ser o maior elogio de uma ideia em crescimento. Entre muitas perspetivas de análise ao Campeonato da Europa de futebol feminino que ia ter o seu arranque esta noite num Old Trafford habituado às noites de glória de Cristiano Ronaldo (veremos se haverá mais com a camisola do Manchester United…), uma delas apontava para os reparos à escolha dos estádios que vão receber a competição. Porquê? Porque recintos como o Academy Stadium do campo de treinos do Manchester City (7.000 lugares) ou o Leigh Sports Village (12.000) já eram vistos como abaixo do exigível para um torneio desta envergadura. Sim, era uma crítica. Sim, reforçava todo um elogio.

Se na última edição do Europeu, realizada há cinco anos, os Países Baixos (que ganharam a competição, com um triunfo na final diante da Dinamarca) tinham batido o recorde total de assistências com 240.000 espectadores ao longo da prova, agora já se tinham vendido quase o dobro das entradas: 450.000. Mais: os ingressos para o encontro de abertura em Manchester (73.200) e para a final em Wembley (87.200) tinham esgotado. A esperança de poder ver a equipa da casa chegar pela terceira vez à final e vencer pela primeira ocasião o troféu também ajudava (tal como a contratação da neerlandesa Sarina Wiegman, treinadora que foi campeã europeia em 2017 e vice-campeã mundial em 2019) mas o paradigma mudara de vez.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Alguns exemplos práticos na presente temporada: depois de um primeiro recorde no jogo da segunda mão dos quartos da Champions frente ao Real Madrid (91.553 espectadores), o Barcelona estabeleceu um outro novo máximo em Camp Nou com 91.648 pessoas na partida das meias da Liga milionária com as alemãs do Wolfsbugo; em Inglaterra, quase 50.000 adeptos (49.094) estiveram em Wembley na final da Taça de Inglaterra que foi ganha pelo Chelsea frente ao Manchester City; em França, a meia-final da Liga dos Campeões levou 43.254 espectadores ao PSG-Lyon jogado no Parque dos Príncipes; e, ainda de forma mais recente, o jogo particular entre Suécia e Brasil de preparação para o Europeu contou com 33.218 pessoas. A taxa de crescimento ainda pode ser diferente mas tornou-se algo transversal na maioria dos países.

“O Europeu de Inglaterra vai colocar o futebol feminino sob os olhares de todo o mundo e atrairá uma legião de novos seguidores. Este evento, tão esperado, atrasou-se um ano devido aos problemas colocados com a pandemia mas o atraso, ainda que frustrante, funcionou a favor do futebol feminino. Em tempos difíceis para a Europa, a competição demonstrará o poder do futebol, para levantar o ânimo e oferecer uma mudança positiva e duradoura. Vai ser a principal atração futebolística do verão e o maior Europeu feminino da história. A venda de bilhetes superou todas as expectativas devido ao trabalho da Federação Inglesa de Futebol”, destacou na antecâmara da prova Aleksander Ceferin, presidente da UEFA.

No jogo de abertura, tudo se confirmou. Olhando apenas para a parte desportiva, esperavam-se à partida mais golos e oportunidades num encontro bem conseguido até ao último terço pelos dois conjuntos. No entanto, a (primeira) maior vitória foi mesmo tudo o que se passou em torno das quatro linhas: 68.871 espectadores, um recorde num Europeu de futebol; centenas e centenas de adeptos austríacos a fazerem-se ouvir em Old Trafford; jornalistas de vários países a encherem a sala de imprensa. Um momento de grande inspiração de Beth Mead decidiu mas o sorriso de todos os intervenientes antes e depois do jogo foi uma das maiores vitórias no caminho com passos seguros que o futebol feminino continua a dar.

A primeira parte não teve propriamente muitas oportunidades e até foi a Áustria a ter uma entrada em campo a mostrar que não estava em Old Trafford para funcionar como companheira de festa para a equipa da casa mas o favoritismo das inglesas acabou por vir ao de cima pouco depois do primeiro quarto de hora, com Beth Mead, avançada do Arsenal, a fazer um grande chapéu na área a Zinsberger para o 1-0 que foi apenas validado pelo VAR perante um corte atrasado por centímetros que não evitou o golo. Ellen White e Lauren Hemp ainda tiveram oportunidades para aumentar a vantagem em cima do intervalo mas a equipa austríaca manteria a desvantagem mínima que continuava a dar uma sensação de incerteza ao jogo.

No segundo tempo, a Inglaterra acentuou em largos períodos ainda mais o seu domínio de uma partida com um tempo útil de jogo de fazer inveja a qualquer encontro de futebol (aos 66′ havia apenas seis faltas, só uma das britânicas) mas nunca teve a frieza suficiente para materializar esse ascendente em chances no último terço, dando uma esperança maior à Áustria de poder chegar ainda ao empate que só não chegou devido a uma grande defesa de Mary Earps a remate de Barbara Dunst (77′) antes de mais uma ameaça de Julia Hickelsberger-Füller (87′). O resultado estava mesmo feito e Old Trafford fazia a festa.